A pandemia do novo coronavírus trouxe com ela uma onda de notícias falsas sobre a doença em todo o mundo. Contra isso, diversos países têm aprovado regras para tentar conter a disseminação dessas fake news.
Há dúvidas, porém, tanto sobre a eficácia dessas medidas quanto sobre seu real propósito já que em muitos casos as novas leis abrem brecha para a supressão da liberdade de expressão e de imprensa.
"Apesar de ser necessário conter distúrbios de informação durante a Covid-19, a implementação precipitada de leis contra fake news sem o debate necessário abre a porta para que pessoas no poder cometam abusos", afirma Nuurrianti Jalli, que pesquisa o tema na Universidade Tecnológica Mara, na Malásia.
Além disso, regras criadas durante um período de exceção provavelmente continuarão a ser usadas quando a pandemia acabar, diz o advogado Diogo Rais, professor da Universidade Mackenzie e cofundador do Instituto de Liberdade Digital.
Segundo dados compilados pelo Instituto Poynter no final de 2019, 16 países do mundo tinham alguma forma de regulação contra fake news.
Desde o início da pandemia, 16 países criaram regras sobre o assunto de acordo com o monitoramento feito pelo International Center for Not-for-Profit Law (ICNL), entidade com sede em Washington. A lista não inclui ainda o Peru, que recentemente também aprovou uma nova lei nesse sentido.
Como os dois levantamentos usam critérios diferentes para definir quem tem uma regulação específica contra fake news, não é possível somar o total de países. Além disso, três deles (Egito, Malásia e Tailândia) aparecem nas duas listas. Ou seja, já possuíam regras contra fake news, mas as modificaram durante a pandemia.
No caso tailandês, por exemplo, a lei foi alterada para incluir a proibição de "relatar ou espalhar informações sobre a Covid-19 que são falsas ou que podem causar medo na população".
A maioria dos países que criaram regras sobre o assunto recentemente, porém, não tinha leis anteriores contra fake news.
A lista vai dos autoritários Emirados Árabes Unidos à democrática África do Sul e tem integrantes nas Américas, na Europa, na África e na Ásia. No Brasil, há projetos para punir quem espalhar fake news sobre o coronavírus na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas de três estados (Minas Gerais, Paraíba e Mato Grosso).
As regras e as punições para quem descumpri-las variam bastante. No estado indiano de Maharashtra, por exemplo, tanto a imprensa quanto indivíduos só podem divulgar informações sobre coronavírus após consultar as autoridades de saúde.
Já na Bolívia, quem publicar informações erradas contra as regras de isolamento pode ser processado e condenado a até dez anos de prisão. Na Hungria, o tempo de prisão para quem divulgar informações falsas ou distorcidas sobre a pandemia é de cinco anos, enquanto no Zimbábue a detenção pode chegar a 20 anos.
Segundo Zachery Lampell, da ICNL, não está claro quanto essas leis conseguem limitar a disseminação de desinformação sobre a Covid-19.
"Ironicamente, leis que buscam proibir notícias falsas podem resultar na supressão de notícias verdadeiras, incluindo a divulgação de análises não partidárias. Isso é especialmente importante quando essas análises vão contra a posição ou a política de um governo", afirma.
Para Rais, do Instituto de Liberdade de Digital, uma lei contra fake news realmente eficaz deveria ter como foco a pessoa que intencionalmente cria as informações falsas com o objetivo de enganar o público.
Não faz sentido, diz ele, punir com prisão alguém que recebe uma fake news no WhatsApp, acredita nela e a compartilha com conhecidos na maior parte das regulações existentes, porém, essa pessoa também pode acabar sendo presa.
A disseminação de notícias falsas sobre o coronavírus fez a Unesco (braço das Nações Unidas dedicado à educação e à ciência) emitir um alerta à comunidade internacional no qual pede providências aos países e afirma que a desinformação sobre a Covid-19 pode levar a um aumento no número de mortes ao redor do mundo.
Para Jalli, porém, na maior parte dos países, as leis existentes que regulam as comunicações já seriam suficientes.
"Em vez de impedir a disseminação de notícias falsas e de desinformação, essas leis provavelmente vão sufocar a mídia independente, criando um efeito assustador no debate público e enfraquecendo a democracia", completa Lampell, da ICNL.
A liberdade de expressão e de informação pode, inclusive, ser uma arma no combate ao coronavírus, segundo José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch.
"É muito importante entender que mais do qualquer outra coisa, na pandemia é necessária a cooperação da população. E para o povo cooperar, ele precisa estar devidamente informado e conhecer os efeitos do vírus", afirma.
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