A decisão do presidente americano, Joe Biden, de permitir que a Ucrânia ataque o território russo com mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos provocou uma reação furiosa na Rússia.
“O presidente dos Estados Unidos de saída, Joe Biden, tomou uma das decisões mais provocativas e não calculadas de seu governo, com risco de consequências catastróficas", declarou o site do Rossiyskaya Gazeta, jornal do governo russo, na manhã desta segunda-feira (18/11).
O parlamentar russo Leonid Slutsky, líder do Partido Liberal Democrático pró-Kremlin, previu que a decisão "levaria inevitavelmente a uma escalada grave, com ameaças de graves consequências".
E o senador russo Vladimir Dzhabarov descreveu a medida como "um passo sem precedentes em direção à Terceira Guerra Mundial".
Raiva, sim. Mas nenhuma surpresa, na verdade.
O Komsomolskaya Pravda, tabloide pró-Kremlin, classificou o fato como "uma escalada previsível".
Mas o que realmente conta é como Vladimir Putin vai classificar isso — e como vai responder.
Até o momento, ele permaneceu em silêncio.
Mas nesta segunda-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse a jornalistas que "se tal decisão foi tomada, isso significa uma espiral de tensão totalmente nova, e uma situação totalmente nova em relação ao envolvimento dos EUA neste conflito".
Peskov acusou o governo Biden de "colocar lenha na fogueira e continuar alimentando a tensão em torno deste conflito".
Os líderes do Ocidente argumentariam que é a Rússia que está "colocando lenha na fogueira" ao enviar recentemente tropas norte-coreanas para a zona de guerra para lutar ao lado das forças russas e ao continuar atacando a Ucrânia.
O presidente Putin em si pode não ter se pronunciado ainda. Mas ele já disse muitas coisas antes.
Nos últimos meses, o Kremlin deixou bem clara sua mensagem ao Ocidente: não façam isso, não removam as restrições ao uso de suas armas de longo alcance, não permitam que Kiev ataque profundamente o território russo com estes mísseis.
Em setembro, Putin advertiu que, se isso acontecesse, Moscou consideraria a atitude como uma "participação direta" dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na guerra da Ucrânia.
"Isso significaria que os países da Otan... estão lutando com a Rússia", ele acrescentou.
No mês seguinte, o líder do Kremlin anunciou mudanças iminentes na doutrina nuclear russa, o documento que define as condições prévias sob as quais Moscou pode decidir usar uma arma nuclear.
Isso foi amplamente interpretado como outro toque não muito sutil para que os Estados Unidos e a Europa não permitam que a Ucrânia ataque o território russo com mísseis de longo alcance.
Adivinhar os próximos passos de Vladimir Putin nunca é fácil.
Mas ele deu algumas dicas.
Em junho, em uma reunião com chefes de agências de notícias internacionais, Putin foi questionado: como a Rússia reagiria se a Ucrânia tivesse a oportunidade de atingir alvos em território russo com armas fornecidas pela Europa?
"Primeiro, é claro, vamos melhorar nossos sistemas de defesa aérea. Vamos destruir seus mísseis", respondeu Putin.
"Em segundo lugar, acreditamos que se alguém está pensando que é possível fornecer tais armas para uma zona de guerra para atingir nosso território e criar problemas para nós, por que não fornecer nossas armas da mesma categoria para as regiões ao redor do mundo onde elas vão ter como alvo instalações sensíveis dos países que estão fazendo isso com a Rússia?"
Em outras palavras, armar os adversários do Ocidente para atacar alvos ocidentais no exterior é algo que Moscou vem considerando.
Em minha recente entrevista com Alexander Lukashenko, líder de Belarus, o aliado próximo de Putin pareceu confirmar que o Kremlin tem pensado desta forma.
Lukashenko me disse que havia discutido o assunto em uma reunião recente com autoridades do Ocidente.
"Eu os avisei. 'Pessoal, tomem cuidado com esses mísseis de longo alcance'", me contou Lukashenko.
"Os [rebeldes] houthi podem ir até Putin e pedir sistemas de armas costeiras capazes de realizar ataques terríveis em navios."
"E se ele se vingar de vocês por fornecerem armas de longo alcance ao [presidente Volodymyr] Zelensky, fornecendo aos houthis o sistema de mísseis Bastion? O que vai acontecer se um porta-aviões for atingido? Um britânico ou americano. E aí?"
Mas parte da reação da imprensa na Rússia parece destinada a minimizar a situação.
"As Forças Armadas russas já haviam interceptado mísseis ATACMS durante ataques na costa da Crimeia", um especialista militar disse ao jornal Izvestia, que sugeriu que o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, poderia "rever" a decisão.
Esta é, para dizer o mínimo, uma situação incomum.
Dentro de dois meses, Joe Biden vai deixar o cargo, e Trump vai assumir o comando da Casa Branca.
O Kremlin sabe que o presidente eleito tem se mostrado muito mais cético do que Biden em relação à ajuda militar para a Ucrânia.
Será que isso vai ser um fator nos cálculos de Putin quando ele formular a resposta da Rússia?
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