Quatro pessoas foram presas e outras três são procuradas pela polícia pelo estupro coletivo de uma brasileira de 28 anos em viagem à Índia.
Fernanda viajava de moto pela Ásia com o marido, espanhol. Na noite do dia 1º de março eles acamparam perto de uma estrada na região de Dumka, no estado de Jarcanda, no leste do país, e foram atacados.
O casal foi agredido e a mulher estuprada, segundo o seu próprio relato nas redes sociais.
Fernanda tem as nacionalidades brasileira e espanhola. Ao lado do marido Vicente, ela mantém uma página no Instagram onde compartilha suas viagens de moto para seus mais de 230 mil seguidores.
"Sete homens me estupraram. Eles nos espancaram e nos roubaram, embora não [tenham levado]muitas coisas porque o que queriam era me estuprar", disse ela em espanhol nas redes sociais.
Em um vídeo separado, o marido disse que foi golpeado na cabeça várias vezes com o capacete e com uma pedra.
Segundo o superintendente da polícia de Dumka, Pitamber Singh Kherwar, o casal foi encontrado por agentes na estrada e levado a um hospital nas proximidades.
Em vídeos nas redes sociais, Fernanda aparece com marcas de lesões em várias partes do rosto.
Após os primeiros relatos, ela afirmou que a polícia pediu que ela parasse de postar informações sobre o caso para não prejudicar a investigação.
A embaixada do Brasil na Índia confirmou à BBC que a mulher e o marido “foram vítimas de um grave ataque criminoso”. O governo brasileiro disse ter entrado em contato com a mulher e as autoridades locais, bem como a com embaixada espanhola, uma vez que o casal utilizou passaportes espanhóis para entrar na Índia.
“A embaixada espanhola disse que ofereceu toda a assistência disponível, incluindo atendimento psicológico, mas que as vítimas recusaram a oferta porque já estavam sendo atendidas pelos serviços de emergência indianos”, disse a embaixada brasileira, acrescentando que continuaria a "monitorar todos os desenvolvimentos".
“Precisamos permanecer unidos em nosso compromisso de acabar com a violência contra as mulheres em todo o mundo”, postou a embaixada espanhola no X (antigo Twitter) no domingo (3/3).
Fernanda e Vicente iam para Bhagalpur via Jarcanda em suas motos. O plano era continuar em direção ao Nepal.
De acordo com o perfil do casal nas redes sociais, eles querem percorrer o mundo de moto. Nos últimos cinco anos, já visitaram 66 países, entre eles Irã, Iraque, Turquia, Sri Lanka, Paquistão, Bangladesh, Arábia Saudita, Jordânia, Itália, Geórgia e Afeganistão.
O casal passou os últimos seis meses na Índia. Na noite do ataque, estavam em uma barraca próxima à estrada em Kurmahat, um pequeno vilarejo no distrito de Dumka.
Ao chegar ao local, um grupo de homens ligou para outros amigos. Todos entraram juntos na barraca e espancaram o casal.
Os homens fugiram do local depois de estuprar Fernanda.
Horrorizados com o incidente, o casal juntou seus pertences e pegaram a estrada. A polícia os encontrou em estado de delírio por volta das 22h30 do horário local e os levou ao hospital.
Nas redes sociais, Fernanda e Vicente disseram que foram criticados por internautas pelas circunstâncias em que estavam viajando e acusados de se exporem ao perigo.
“Isso [violência] pode acontecer com qualquer pessoa: com a sua filha, irmã, mãe, e em qualquer país do mundo. Ninguém está livre. Isso já aconteceu muitas vezes na Espanha, no Brasil e na América. Então, não diga bobagens pelo fato de estarmos na Índia”, disse a brasileira em resposta.
“Não pense que a Índia é assim, porque não é verdade”, disse o casal. “Os indianos são boas pessoas. Encontramos alguns indesejáveis, mas não podemos generalizar”, disse a brasileira.
Segundo o superintendente da polícia de Dumka, os oficiais tiveram alguma dificuldade de comunicação com o casal inicialmente, o que dificultou que os investigadores entendessem o que havia acontecido.
Mas ao chegarem ao hospital eles contaram toda a história à polícia com a ajuda do Google tradutor e descreveram a aparência dos criminosos.
Os policiais prenderam alguns dos suspeitos na mesma noite. Um deles confessou o crime durante interrogatório e revelou a identidade dos seus cúmplices.
A polícia local ainda busca três dos homens que acredita estarem envolvidos.
"Esse caso está relacionado a estrangeiros. Portanto, durante a investigação, também estamos seguindo protocolo internacional. O exame médico da vítima foi feito. Ela foi trazida para Dumka e mantida sob forte segurança para que novas ações possam ser concluídas", afirmou o superintendente Pitamber Singh Kherwar à BBC Hindi, o site de notícias em língua hindi da BBC.
Segundo a agência de notícias AFP, três dos suspeitos presos já compareceram diante de um tribunal nesta segunda-feira.
Os debates sobre estupro e violência sexual tornaram-se mais proeminentes na Índia depois que o estupro coletivo e o assassinato de uma jovem em um ônibus em Dlhi, em 2012, levaram a enormes protestos e mudanças nas leis de estupro do país.
Mas ativistas dizem que ainda há um longo caminho a percorrer para resolver o problema.
Segundo dados do próprio governo indiano, um total de 31.516 casos de estupro foram registrados em 2022 — uma média de 86 casos por dia.
Mas especialistas alertam que o número de casos é apenas uma pequena fração do que poderia ser o número real, já que vergonha e estigma costumam cercar as vítimas de estupro e as suas famílias no país.
No Brasil, os dados mais recentes indicam que foram registrados 34 mil casos de estupro apenas no primeiro semestre de 2023.
A legislação brasileira, porém, é considerada mais rígida do que a indiana.
Atualmente, o Código Penal define estupro como o "ato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".
Isto é, qualquer ato libidinoso com violência, não consentido, pode ser enquadrado como estupro, mesmo que não haja penetração.
Já na índia, a lei fala explicitamente em penetração ou uso da boca "na vagina, boca, uretra ou ânus" da mulher.
Também de acordo com as leis atuais da Índia, não é crime o marido forçar relações ou atos sexuais com sua própria esposa, desde que ela tenha mais de 18 anos.
Após o caso deste fim de semana, várias mulheres compartilharam nas redes sociais histórias sobre como se sentiram pouco à vontade ao viajar pela Índia.
A chefe da Comissão Nacional para as Mulheres da Índia, Rekha Sharma, recebeu críticas depois de responder a uma postagem de um jornalista norte-americano sobre o tema. No texto, ele afirmou que, embora a Índia fosse um de seus lugares favoritos, "o nível de agressão sexual" que ele testemunhou enquanto vivia no país era "diferente de qualquer outro lugar onde já estive".
Ele também deu alguns exemplos da violência sexual enfrentada por mulheres que conhecia.
"Você alguma vez denunciou o incidente à polícia?", escreveu Sharma. “Se não, você é uma pessoa totalmente irresponsável. Escrever apenas nas redes sociais e difamar o país inteiro não é uma boa escolha.”
A resposta gerou uma enxurrada de críticas nas redes sociais.
Várias pessoas também deixaram comentários nos vídeos de Fernanda e Vicente no Instagram e no YouTube, expressando solidariedade.
Os casos de violência contra a mulher também vêm aumentando no estado de Jarcanda, onde o incidente envolvendo a brasileira ocorreu.
De acordo com o site da polícia local, em média mais de quatro mulheres são estupradas todos os dias no estado.
Um total de 13.533 casos de estupro foram registrados entre 2015 e 2023 na região. Em muitos casos, os responsáveis não foram punidos.
Amit Mandal, integrante da Assembleia Legislativa de Jarcanda, citou o caso da brasileira durante uma sessão e exigiu ação da polícia.
Babulal Marandi, presidente estadual do partido Bharatiya Janata (BJP), o mesmo do primeiro-ministro Narendra Modi, também condenou o incidente e acusou o governo estadual.
"O moral dos criminosos aumentou em Jarcanda. A imagem do país está sendo manchada por este incidente e o governo de Jarcanda é responsável por isso", disse.
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