Mais de 110 palestinos teriam sido mortos enquanto tentavam desesperadamente obter ajuda básica no norte de Gaza.
Multidões de civis que esperavam ajuda desceram sobre um comboio de caminhões depois que ele passou por um posto de controle militar israelense na estrada costeira a oeste da Cidade de Gaza.
Os militares de Israel disseram que as tropas dispararam contra algumas pessoas que consideraram como uma ameaça.
No caos que se seguiu, os caminhões tentaram avançar. Uma testemunha palestina disse à BBC que a maioria dos que morreram foram atropelados.
Pelo menos 112 pessoas morreram e 760 ficaram feridas no incidente, disse o porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, Ashraf al-Qudra, em comunicado na tarde de quinta-feira (29/2).
Imagens aéreas dramáticas divulgadas pelos militares israelenses mostraram milhares de pessoas dentro e ao redor dos caminhões, enquanto vídeos das consequências postados nas redes sociais mostraram alguns dos mortos carregados em caminhões de ajuda vazios e em uma carroça puxada por burros.
O Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, culpou Israel pelo que chamou de "massacre", enquanto o presidente dos EUA, Joe Biden, expressou preocupação de que isso complicaria os esforços dos EUA e de outros mediadores para um tratar sobre um possível cessar-fogo temporário na guerra entre Hamas e Israel.
O incidente aconteceu horas antes de o Ministério da Saúde local anunciar que mais de 30 mil pessoas, incluindo 21 mil crianças e mulheres, tinham sido confirmadas como mortas em Gaza desde o início do conflito.
Cerca de 7 mil outras pessoas foram dadas como desaparecidas e 70.450 foram tratadas de ferimentos nos últimos quatro meses, de acordo com o ministério.
"Isso é profundamente chocante porque se somarmos o número de pessoas feridas e o número de pessoas desaparecidas temos mais de 100 mil pessoas, o que representa 5% da população", disse Philippe Lazzarini, chefe da agência da ONU para refugiados palestinos (Unrwa), à BBC.
A ONU também alerta para uma fome iminente no norte do território, onde cerca de 300 mil pessoas vivem com pouca comida ou água potável.
Os militares israelenses lançaram uma campanha aérea e terrestre em grande escala para destruir o Hamas - que é considerado uma organização terrorista por Israel, pelo Reino Unido e outros - depois dos seus homens armados terem matado cerca de 1.200 pessoas no sul de Israel, em 7 de outubro, e levado outras 253 pessoas para Gaza como reféns.
O incidente desta quinta-feira ocorreu pouco depois das 4h, horário local, passando por um posto de controle militar israelense na rua Rashid, que segue ao longo da costa do Mediterrâneo. Fontes palestinas informaram que a localização era a rotatória de Nabulsi, no extremo sudoeste da cidade de Gaza.
Um comboio de 18 a 30 caminhões de ajuda humanitária, provavelmente com algumas centenas de metros de comprimento, passou pelo posto de controle em direção ao norte.
Pouco depois, com o último caminhão apenas a cerca de 70 metros a norte do posto de controle, os palestinos - muitos dos quais estavam acampados nas proximidades, à espera da chegada de ajuda - se aproximaram do comboio.
O porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), tenente-coronel Peter Lerner, disse que alguns civis se aproximaram do posto de controle e ignoraram tiros de advertência disparados pelos soldados.
Temendo que alguns dos civis representassem uma ameaça, os soldados atiraram contra aqueles que se aproximavam, no que o tenente-coronel Lerner descreveu como uma "resposta limitada".
A testemunha palestina ouvida pela BBC não confirmou que civis se aproximaram do posto de controle - apenas que estavam a cerca de 70 metros de distância.
Com multidões se aproximando de todos os caminhões e com tiros de metralhadora vindos do posto de controle, o pânico parecia ter se instalado.
Os caminhões – alguns deles agora com muitas pessoas agarradas – tentaram avançar.
A testemunha palestina disse que a maior parte das vítimas foi causada pelos caminhões que atropelaram as pessoas, e não pelos tiros israelenses.
O porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, Ashraf al-Qudra, disse que dezenas de vítimas em estado crítico ou grave foram levadas para o Hospital al-Shifa, nas proximidades, na Cidade de Gaza, e que os médicos não conseguiram lidar com todos os casos, em razão do volume e da gravidade deles.
No hospital, um homem que embalava o corpo de um amigo morto, Tamer Shinbari, disse à BBC que tinha ido à praça de Nabulsi na esperança de conseguir um saco de farinha para a sua família que está abrigada em escolas em Jabalia.
Ele disse que os soldados israelenses abriram fogo "e o caminhão de ajuda atropelou os corpos".
O diretor do hospital Kamal Adwan na cidade de Beit Lahia, no norte, Hussam Abu Safieyah, disse à agência de notícias Reuters que recebeu os corpos de 10 pessoas e dezenas de feridos no oeste da cidade de Gaza.
Enquanto isso, o diretor interino do Hospital al-Awda em Jabalia disse à Associated Press que recebeu 161 pacientes feridos, a maioria dos quais parecia ter sido baleada.
As Forças de Defesa Israelenses disseram em comunicado que "cada vítima civil é uma tragédia".
"Apesar das circunstâncias muito difíceis (causadas pela decisão do Hamas de entrar em guerra contra Israel), continuamos trabalhando para facilitar a entrega de ajuda humanitária aos civis em toda a Faixa de Gaza", acrescentou.
"Vamos aprender com esse duro incidente para tentar encontrar melhores soluções para a transferência de ajuda para aqueles que dela necessitam."
Mas o Hamas e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, baseado na Cisjordânia ocupada, culparam as forças israelenses pelo que chamaram de "massacre hediondo".
"A morte deste grande número de vítimas civis inocentes que arriscaram a sua subsistência é considerada parte integrante da guerra genocida cometida pelo governo de ocupação contra o nosso povo", disse Abbas num comunicado, acrescentando que Israel tem "total responsabilidade".
Um porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que o líder da organização "condenou" o incidente.
"Os civis desesperados em Gaza precisam de ajuda urgente, incluindo aqueles no norte sitiado, onde as Nações Unidas não conseguem entregar ajuda há mais de uma semana", disse Stephane Dujarric, acrescentando que Guterres reiterou o seu apelo a "uma ajuda humanitária imediata", cessar-fogo e a libertação incondicional de todos os reféns.
O norte de Gaza sofreu uma devastação generalizada depois de ter sido o foco da primeira fase da ofensiva terrestre israelense.
O país esteve em grande parte isolado da assistência humanitária durante vários meses, apesar de alguns esforços por parte das agências de ajuda da ONU.
Na semana passada, o Programa Alimentar Mundial disse que foi forçado a suspender as entregas de ajuda ao norte de Gaza depois que o seu primeiro comboio em três semanas ter sido cercado por multidões de pessoas famintas perto do posto de controle militar israelense em Wadi Gaza, e depois ter enfrentado tiros na Cidade de Gaza.
Outro comboio enfrentou o que chamou de "completo caos e violência devido ao colapso da ordem civil". Vários caminhões foram saqueados no centro de Gaza e um motorista foi espancado.
Na terça-feira, um alto funcionário humanitário da ONU alertou que pelo menos 576 mil pessoas em toda a Faixa de Gaza – um quarto da população – enfrentavam níveis catastróficos de insegurança alimentar e corriam o risco de fome.
Ele também alertou que uma em cada seis crianças com menos de dois anos de idade no norte sofria de desnutrição aguda.
Na quarta-feira, o Ministério da Saúde de Gaza disse que seis crianças morreram de desidratação e desnutrição em hospitais no norte de Gaza. Duas das mortes ocorreram em al-Shifa e quatro em Kamal Adwan, acrescentou.
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