O diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom Ghebreyesu, afirmou nesta segunda (6) que a África não será um "campo de testes" para vacinas contra o novo coronavírus.
Na semana passada, o chefe da unidade de terapia intensiva do hospital Cochin em Paris, Jean-Paul Mira, pediu desculpas mais uma vez por ter sugerido que testes de vacina contra o coronavírus fossem feitos no continente africano.
Em entrevista à Maroc Hebdo, revista em língua francesa publicada no Marrocos, Mira admitiu que não deveria ter feito "perguntas estúpidas", embora defenda que tenha sido mal interpretado por quem o criticou.
"Eu não deveria ter feito perguntas estúpidas, mas estou preocupado com a África, mesmo que vocês não acreditem em mim", acrescentou o médico francês. Segundo Mira, países africanos, com exceção da África do Sul, sofrem com falta de equipamentos e instalações de saúde por causa da estrutura social.
"A África pode ser ainda mais afetada nas próximas semanas porque o vírus não conhece fronteiras".
A declaração controversa do francês foi feita à emissora francesa LCI na quarta-feira (1º). Na ocasião, Mira e Camille Locht, diretor do Instituto de Saúde e Pesquisa Médica da França (Inserm), conversavam ao vivo sobre o uso da vacina BCG como método de prevenção contra o coronavírus.
A BCG, que protege contra a tuberculose, tem sido usada na Austrália e em alguns países europeus em uma tentativa de imunização contra a Covid-19.
Enquanto discutiam a eficácia da estratégia, Mira disse: "Se eu pudesse ser provocativo, não deveríamos fazer este estudo na África, onde não existem máscaras, tratamento ou terapia intensiva, um pouco como foi feito, a propósito, para certos estudos sobre a Aids ou com prostitutas?".
Ao que Locht respondeu: "Você está certo. Estamos pensando em um estudo na África. Isso não nos impede, paralelamente, de também pensar em um estudo na Europa e na Austrália", disse o pesquisador.
Os comentários tiveram grande repercussão negativa. Astros africanos do futebol, por exemplo, fizeram críticas severas aos dois pesquisadores nas redes sociais.
"Bem-vindos ao Ocidente, onde um branco se crê tão superior que o racismo e a debilidade se tornam banais. É hora de nos levantarmos!", escreveu o jogador franco-senegalês Demba Ba, no Twitter.
Outro jogador, Didier Drogba, classificou o episódio como "totalmente inconcebível", e as falas, "profundamente racistas". "A África não é um laboratório de testes", tuitou ele, que nasceu na Costa do Marfim.
O camaronês Samuel Eto'o, que atuou durante anos pelo Barcelona e pelo Chelsea, foi além. Em um post no Instagram em que reproduz o vídeo da emissora LCI, o ex-jogador escreveu: "Filhos da p... A África não é o seu playground".
"Não, os africanos não são cobaias!", publicou a ONG francesa SOS Racisme. O clube de advogados do Marrocos anunciou em sua página no Facebook a intenção de "registrar uma queixa por difamação racial".
Glenda Gray, do Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul (SAMRC), também se posicionou, classificando as declarações de "perturbadoras". A cientista esteve na lista de pessoas mais influentes do mundo da revista Time por seu trabalho de combate ao HIV na África do Sul.
"O SAMRC está chocado com a atitude dos cientistas franceses, sugerindo que, devido à falta de produtos e medicamentos e ao acesso insuficiente a ventiladores e outros cuidados para otimizar o gerenciamento da Covid-19, devemos ser o local onde fazemos experimentos em pessoas", disse Gray.
Um dia após as declarações controversas dos franceses, o líder da força-tarefa contra a pandemia de coronavírus no Congo, Jean-Jacques Muyembe, disse que o país está pronto para receber testes de vacinas contra a Covid-19.
"A vacina será produzida nos Estados Unidos, no Canadá ou na China. Somos candidatos para que façam os testes aqui", disse o virologista em uma entrevista coletiva no sábado (4).
"Em algum momento, a Covid-19 ficará incontrolável. A única maneira de controlá-la será uma vacina, assim como o ebola", acrescentou Muyembe.
A epidemia de ebola, que está em sua décima onda de contágios e já deixou mais de 2.200 mortos no Congo, deve ser declarada encerrada no país no dia 12 de abril.
O impacto do coronavírus na África foi sentido um pouco mais tarde que em outras regiões do mundo.
Parte da baixa incidência da Covid-19 no continente é atribuída à ausência de testes que possam comprovar o diagnóstico da doença.
No último mês, entretanto, o número de mortes chegou às centenas, e os casos, aos milhares. O país mais atingido, até esta segunda (6), é a África do Sul, com 1.655 casos e 11 mortes, seguida pela Algéria, com 1.320 casos e 153 mortes.
O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, impôs um bloqueio considerado um dos mais restritivos do mundo. Desde o dia 26 de março, apenas serviços essenciais estão funcionando e as pessoas só podem sair de casa para buscar atendimento médico, comprar comida ou receber o benefício social dado pelo governo.
"Embora essa medida tenha um impacto considerável nos meios de subsistência das pessoas, na vida de nossa sociedade e em nossa economia, o custo humano de adiar essa ação seria muito, muito maior", disse Ramaphosa ao anunciar o bloqueio que deve durar, pelo menos, até 16 de abril.
A Algéria fechou escolas, proibiu reuniões de qualquer tipo e impôs um toque de recolher em pelo menos nove províncias. Na capital, Algiers, a população não pode sair às ruas das 15h às 7h.
Nas demais cidades, a restrição começa às 19h.
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