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Os influenciadores que querem aumentar rapidamente natalidade nos EUA

Os influenciadores que querem aumentar rapidamente natalidade nos EUA

Há muito tempo, os pró-natalistas geram polêmica, mas desde que Trump tomou posse pela segunda vez, a evangelização de alguns membros deste controverso grupo marginal atingiu novos patamares.

Publicado em 6 de abril de 2025 às 16:39

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Imagem BBC Brasil
(Getty Images)

Stephanie Hegarty

Os "pró-natalistas", um grupo marginal controverso quase que exclusivamente de direita, alegam que algumas das pessoas mais poderosas do governo dos Estados Unidos são solidárias à sua causa. Mas quanta influência eles realmente têm?

Simone Collins está sentada em sua casa de campo do século 18 na Pensilvânia, ninando um de seus quatro filhos no colo. São 8h30 da manhã, e ela parece um pouco cansada — ela administra várias empresas, uma fundação e está grávida do quinto filho, embora ela e o marido, Malcolm, planejem ter mais.

"Pelo menos sete", ela declara, "e quantos eu puder carregar fisicamente —12 seria ainda mais incrível".

O casal americano, de 37 e 38 anos, acredita veementemente que o mundo precisa ter mais bebês ou corre o risco de haver um colapso da civilização. Eles se tornaram os garotos-propaganda do pró-natalismo, um movimento que acredita que a queda nas taxas de natalidade é um grande problema para a sociedade. E que famílias grandes são a resposta.

Nos últimos cinco anos, eles divulgaram seu objetivo abrindo sua casa para entrevistas e sessões de fotos. E afirmam ter usado uma tecnologia especial, durante o procedimento de fertilização in vitro, para examinar seus embriões quanto a características como inteligência.

"Os estudos nos permitem saber qual é a nossa predileção genética por QI", eles disseram a um repórter disfarçado em 2023. "Nunca escolheremos uma criança que seja menos privilegiada em termos de QI do que qualquer um de nós."

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A família Collins se tornou a voz do movimento pró-natalista. (BBC)

Falando hoje, no entanto, Malcolm admite: "A maneira mais fácil [de divulgar o pró-natalismo] foi nos transformarmos em um meme... Se adotarmos uma abordagem razoável e dissermos que as coisas têm nuances, ninguém se envolve. Então, se dissermos algo ultrajante e ofensivo, todo mundo embarca."

Mas desde que Donald Trump tomou posse como presidente dos EUA pela segunda vez no início deste ano, eles levaram sua evangelização a um novo patamar. Os Collins agora veem certas pessoas na Casa Branca como aliados em potencial — e pretendem capitalizar em cima disso.

Elon Musk, que supostamente é pai de 14 filhos, chamou o declínio da fecundidade de "a maior ameaça que a civilização enfrenta, de longe". Ele doou US$ 10 milhões para a Population Wellbeing Initiative no Texas, que realiza pesquisas sobre fertilidade, paternidade e o futuro do crescimento populacional.

O vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, também falou abertamente sobre suas opiniões a respeito da procriação. Em uma manifestação contra o aborto em janeiro, ele declarou: "Eu quero mais bebês nos Estados Unidos da América".

Há indícios de que o governo Trump também está priorizando a família. Em 18 de fevereiro, Trump assinou uma ordem executiva para melhorar o acesso à fertilização in vitro que reconhecia "a importância da formação da família, e que a política pública da nossa nação deve facilitar que mães e pais amorosos tenham filhos".

Os pró-natalistas estão animados com isso, e muitos esperam que seja um sinal do que está por vir.

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'Quero mais bebês nos Estados Unidos da América', declarou J.D. Vance (na foto, com a esposa e dois de seus três filhos). (Getty Images)

Os dados do declínio da fecundidade são claros. Os EUA apresentam uma baixa recorde de 1,62 filhos por mulher e, até o final do século, a Organização das Nações Unidas (ONU) prevê que a maioria dos países terá uma população em declínio. Isso vai ter um efeito profundo na sociedade e em nossas economias. Algumas pessoas acreditam que podemos nos adaptar com o tempo a essa nova realidade, mas os pró-natalistas são menos otimistas.

O movimento também tem, no entanto, um elemento político. Os pró-natalistas são quase que exclusivamente de direita. Malcolm e Simone Collins, por exemplo, descrevem a si mesmos como ex-liberais que se desiludiram com a política progressista e "woke".

Eles se consideram pragmáticos e profundamente antiburocráticos.

"Somos uma coalizão de pessoas que são incrivelmente diferentes em nossas filosofias, nossas crenças teológicas e nossas estruturas familiares", afirma Malcolm. "Mas a única coisa com a qual concordamos é que nosso principal inimigo é a monocultura urbana; a cultura unificadora esquerdista."

Será, então, que este grupo marginal poderia realmente chamar a atenção de algumas das pessoas mais poderosas do governo dos EUA? E, em caso afirmativo, quanto soft power eles poderiam ter para influenciar a política não apenas em relação ao declínio populacional, mas também em relação a questões mais amplas?

Vance, Musk e o 'presidente da fertilização'

No último fim de semana, um grupo de aproximadamente 200 pró-natalistas se reuniu no Texas para a segunda Conferência Natal, um evento anual de fim de semana que custa cerca de US$ 1 mil (R$ 5,7 mil) para participar.

A conferência reúne duas vertentes do pró-natalismo que vêm de ramos muito diferentes da direita americana: tanto cristãos conservadores quanto membros da chamada "direita tecnológica", uma ala ascendente que surgiu da cultura libertária de start-up do Vale do Silício.

Alguns estão conectados ao atual governo dos EUA. Michael Anton foi nomeado por Trump como diretor de Planejamento de Políticas no Departamento de Estado. Ele discursou na conferência do ano passado.

Outros palestrantes da conferência deste ano incluíram Carl Benjamin, que tem ligação com o ativista de direita radical Tommy Robinson, e Charles Cornish-Dale, um influenciador conhecido como Raw Egg Nationalist.

"É como uma aliança profana", diz Catherine Pakaluk, economista, mãe de oito filhos e madrasta de seis. Ela também discursou na conferência, mas reluta em se autodenominar pró-natalista. "É um movimento complicado, e inclui pessoas com posições muito diferentes", diz ela.

Uma coisa que elas têm em comum, no entanto, é que todas querem que sua mensagem repercuta nos níveis mais altos do governo.

Algumas pessoas acreditam que já estão sendo ouvidas. "[Se você me perguntar] se temos pró-natalistas na Casa Branca neste momento que estão promovendo políticas", diz Malcolm, "minha resposta seria: 'Quero dizer, claro, como Elon e J.D. Vance'".

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Elon Musk classificou o declínio da fecundidade como 'a maior ameaça que a civilização enfrenta, de longe'. (Getty Images)

Nas ordens executivas do presidente Trump até o momento, houve pouca coisa, além do decreto sobre fertilização in vitro, que pudesse ser vista como diretamente pró-família. Mas o pensamento pró-natalista pode estar começando a influenciar políticas menos explícitas sobre fecundidade.

Em janeiro, o secretário de Transportes dos EUA, Sean Duffy, divulgou um memorando instruindo seu departamento a "dar preferência a comunidades com taxas de casamento e natalidade mais altas do que a média nacional" ao conceder subsídios.

Roger Severino, vice-presidente de política interna do think tank de direita Heritage Foundation, vê a influência de J.D. Vance nessa política. "Vance tem uma longa história de pensamento e formulação de políticas pró-família", ele observa.

O vice-presidente tem falado com frequência sobre a necessidade de consertar uma "cultura partida" que está destruindo a família dos EUA ao enfraquecer os homens.

Em uma entrevista recente, ele disse: "Na verdade, achamos que Deus criou o homem e a mulher com um propósito, e queremos que vocês prosperem como homens e mulheres jovens, e vamos ajudar com nossas políticas públicas a tornar isso possível".

Essa ideia tem ecoado nos círculos pró-natalistas.

"Vance é um pró-natalista eloquente", diz Rachel Cohen, correspondente de política do site de notícias Vox. "O próprio Trump fez campanha para implementar um novo 'baby boom' e, na semana passada, ele se declarou o 'presidente da fertilização'."

Os pró-natalistas que elaboram ordens executivas

Malcolm diz que já fez tentativas de influenciar a Casa Branca. Ele afirma ter se envolvido em "conversas com pessoas influentes nos bastidores, certificando-se de que o pró-natalismo se tornasse um assunto normal nos centros de poder, e que acabasse chegando ao governo e à cultura tecnológica central".

Eles estão discutindo a política pró-natalista com a Heritage Foundation. Há também uma abordagem um pouco mais direta que eles afirmam ter adotado. "Apresentamos minutas de ordens executivas ao governo Trump", diz Simone.

Entre as propostas deles, estão sugestões de como remover camadas de regulamentação dos prestadores de cuidados infantis e expandir a escolha de assentos de carro para que os veículos possam acomodar mais crianças.

O casal ainda não tem certeza se essas propostas vão se traduzir em algo concreto — mas acredita que há um público receptivo.

A conexão deles com o poder se dá graças à chamada direita tecnológica, um movimento reacionário contra o liberalismo liderado por algumas das pessoas mais poderosas do Vale do Silício. Entre os membros da direita tecnológica, estão Peter Thiel, cofundador do Paypal — que patrocinou a candidatura de Vance ao Senado e investiu em tecnologia para fertilidade —, e os investidores de capital de risco David Sacks e Marc Andreessen.

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O empreendedor Peter Thiel, cofundador do Paypal, investiu em empresas que desenvolvem tecnologia para fertilidade. (Getty Images)

Simone Collins já foi diretora de um clube exclusivo administrado por Thiel, e o casal afirma ter administrado dois outros grupos de networking somente para convidados, destinados às elites empresariais. Sua Pronatalist Foundation, fundada em 2021, recebeu pouco menos de US$ 500 mil (R$ 2,8 milhões) por meio de um fundo do cofundador do Skype, o bilionário estoniano Jann Tallinn.

"A direita tecnológica traz muita energia para a discussão", diz Roger Severino, da Heritage Foundation. "Estamos discutindo como podemos misturar essas várias correntes da direita. Estamos tentando dar coerência ao movimento."

Fissuras na aliança pró-natalista

Há, no entanto, fissuras na aliança que aumentam o desafio de tentar tornar o movimento "coerente".

Muitos da direita religiosa tradicional têm dúvidas sobre o uso da fertilização in vitro e discordam da triagem de embriões, enquanto alguns também se opõem ao casamento e à paternidade gay.

"É simplesmente uma estranha aliança de pessoas que parecem concordar em um ponto: que a taxa de natalidade está muito baixa. Mas há receitas e ideias muito diferentes sobre o que pode ser feito para corrigir isso", explica Pakaluk.

"Há um interesse renovado no pró-natalismo e na promoção da família entre os conservadores americanos", diz Timothy Carney, autor do livro Family Unfriendly, How our Culture Made Raising Kids Much Harder than it Needs to Be ("Família hostil, como nossa cultura tornou a criação dos filhos muito mais difícil do que deveria ser", em tradução livre). Mas ele acrescenta: "Com certeza haverá tensões".

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Vance discursou para uma multidão na Marcha pela Vida contra o aborto. (Getty Images)

Uma das questões mais polêmicas do pró-natalismo é a menção de certos aspectos relacionados à genética entre alguns de seus proponentes da direita tecnológica. É algo que tem gerado preocupação, principalmente em relação à ética, em todos os lados do espectro político.

Patrick T. Brown, pesquisador do Centro de Ética e Política Pública, instituto americano de direita, que trabalha com políticas pró-família, sugere que a ordem executiva para melhorar o acesso à fertilização in vitro pode mostrar a influência da direita tecnológica nas políticas. Mas ele tem suas preocupações quanto a essa influência, especialmente em relação à triagem de embriões. "Transformar crianças em produtos de consumo é algo que realmente me preocupa", diz ele. "Isso leva a um lugar problemático."

Alguns dos participantes da recente conferência se descrevem como "realistas raciais", e um deles publicou opiniões ofensivas alegando uma relação entre inteligência e raça que, de acordo com muitos cientistas, são completamente equivocadas.

O geneticista Adam Rutherford descreve os dados usados como "fraudulentos e racistas, extraídos de amostras de tamanho inútil que não constituiriam evidência científica válida para qualquer pessoa vagamente interessada na verdade".

"Essas afirmações são recapitulações de ideias históricas de racismo científico."

As associações do movimento com visões extremistas são um dos motivos pelos quais algumas pessoas não gostam de se chamar de pró-natalistas. Catherine Pakaluk é uma delas. "Acho que provavelmente há algumas pessoas que simplesmente são puros eugenistas ou supremacistas brancos", diz ela.

"Acho isso repulsivo e repreensível, e não tenho interesse em me alinhar jamais com pessoas assim."

Será que a controvérsia pode se traduzir em

A questão que permanece é: em que pé tudo isso deixa os pró-natalistas — e quanto poder eles exercem?

De acordo com alguns analistas, seu impacto já está sendo sentido.

"Definitivamente, há uma forte influência dos pró-natalistas na Casa Branca de Trump", afirma Cohen.

"Acho que uma questão pendente é como tudo isso vai se sobrepor aos esforços para restringir o controle de natalidade e a contracepção, e como isso vai afetar os debates sobre gastos, como o financiamento de creches."

Carney é mais cauteloso: "Vance é muito pró-família e muito pró-natalista, e ele quer que o governo promova as famílias e ajude a aumentar a taxa de natalidade — mas J.D. Vance não é o presidente. Não acho que Donald Trump tenha uma convicção forte sobre isso".

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Os pró-natalistas, como a família Collins, há muito tempo buscam os holofotes — mas desde que Trump tomou posse pela segunda vez no início deste ano, sua evangelização atingiu um novo patamar. (Getty Images)

Ele também acredita que pode haver resistência a algumas políticas pró-família, ressaltando que pelo menos alguns dos republicanos no controle do Congresso não gostam da ideia de apoio familiar. "Eles acham que isso é assistência social para quem não merece".

A atenção obtida pelos Collins e pela recente conferência é indiscutível. Mas um especialista sugere que eles estão fazendo pouco mais do que despertar controvérsias.

"Se você for ao Capitólio e conversar com membros do Congresso ou governadores de Estados americanos, eles não necessariamente reconhecem o problema", argumenta Brown.

Segundo ele, "os incentivos da internet" nem sempre são os incentivos de um movimento de massa bem-sucedido. "E o que chama a atenção é a provocação, a ousadia e o fato de passar dos limites. Isso gera cliques, isso gera seguidores.

"[Mas], para mim, não é assim que você acaba mudando a dinâmica política."

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