Nesta quinta-feira (7), Congresso dos EUA ratificou a vitória do democrata Joe Biden em sessão que se estendeu pela madrugada e foi retomada após a invasão do Capitólio por extremistas pró-Donald Trump. Confrontos dentro e fora do prédio deixaram 4 mortos e 52 detidos, alguns com armas. A 13 dias da posse de Joe Biden, o presidente prometeu que haverá uma transição no dia 20 e ela será ordenada, mas voltou a reclamar de fraude eleitoral. Parlamentares democratas e até alguns republicanos se mobilizam para destituir Trump, seja por impeachment ou por incapacidade.
Os líderes democratas Nancy Pelosi, presidente da Câmara, e o senador Chuck Schumer pediram ao vice-presidente Mike Pence que invoque a 25.ª Emenda da Constituição, que permite a ele e ao gabinete republicano tirar Trump do cargo. O deputado republicano Adam Kinzinger também defendeu a medida. Se Pence recusar a proposta, eles disseram estarem prontos para abrir um segundo processo de impeachment contra Trump. O primeiro foi em 2019 e acabou rejeitado pelo Senado. "Mesmo que restem apenas 13 dias, qualquer dia pode se transformar em um show de horrores para a América", disse Pelosi.
A retirada do presidente do cargo levantou questionamentos sobre a impossibilidade de ele concorrer de novo ao cargo - Trump dá sinais de que pretende se manter como um ator político e no controle do Partido Republicano até 2024.
Em um artigo publicado pelo The New York Times, os professores de Direito David Landau e Rosalind Dixon defenderam que a magnitude da crise desencadeada pela invasão do Capitólio pede que as duas medidas sejam aplicadas. Para eles, Pence deveria invocar a Seção 4 da 25.ª Emenda para declarar que Trump é "incapaz de cumprir os poderes e deveres de seu cargo". Isso o suspenderia, mas não removeria Trump do cargo.
Em seguida, defendem, a Câmara deveria elaborar e aprovar rapidamente os chamados "artigos de impeachment" e o Senador conduziria um imediato julgamento para tirá-lo da presidência e desqualificá-lo para qualquer cargo público no futuro. Os professores defendem que o Senado teria de fazer duas votações separadas: uma para a remoção do cargo e outra para a desqualificação. Para serem aprovadas, a primeira precisa de dois terços dos votos e a segunda, apenas maioria simples.
"A desqualificação (de Trump) é necessária dada a resposta antidemocrática às eleições de 2020 e o perigo contínuo de que ele representará para as normas constitucionais se for permitido ele flertar com o retorno ao poder em 2024", disseram os professores. "O Congresso deve prosseguir com o impeachment mesmo que o mandato de Trump já tenha sido concluído."
Neste caso, o magnata poderia ficar inelegível mesmo depois de deixar o cargo. Uma tentativa de tirar Trump de uma possível disputa em 2024 explicaria o movimento democrata a poucos dias da posse de Biden.
Para especialistas, Trump lidera um movimento que não acabará após sua saída da Casa Branca. "Vai ser muito duro porque essa fatia grande, esses 70 milhões de seguidores de Trump, em sua maioria, acreditam nas mentiras e nas teorias conspiratórias. Isso vai perdurar", afirmou Roberto Abdenur, embaixador do Brasil em Washington entre 2004 e 2007. "O ideal no momento seria que houvesse um movimento no Congresso para o impeachment de Trump", disse o diplomata.
Preocupado com investigações que o Departamento de Justiça e o futuro governo Biden possam apresentar contra ele, Trump estaria discutindo com assessores a possibilidade de se conceder um perdão presidencial nos últimos dias de sua presidência, segundo reportagem do The New York Times. O jornal ponderou que não estava claro se ele abordou o assunto antes ou após a invasão do Congresso.
O presidente já defendeu publicamente no passado ter o "direito absoluto de perdoar" a si mesmo. Segundo o jornal, que ouviu fontes próximas à discussão, os aliados do presidente acreditam que os últimos episódios - a invasão do Capitólio e a pressão sobre autoridades do Estado da Geórgia para reverter os votos em seu favor - aumentaram a exposição de Trump a uma ação judicial.
Depois de uma quarta-feira caótica em Washington, a consagração da chapa Biden e Kamala Harris foi finalmente concluída em uma sessão do Congresso que se encerrou na quinta às 3h45 (hora local, 5h45 de Brasília). Após longos discursos, parlamentares confirmaram os 306 votos conquistados pelos democratas no colégio eleitoral.
Em seguida, Trump admitiu pela primeira vez o fim do mandato e prometeu uma "transição ordenada", mas insistiu que "discorda totalmente" do resultado. Agora, não há mais nenhum obstáculo formal no caminho de Biden até a Casa Branca.
Na noite desta quinta (7), a porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, disse que Trump e seu governo condenavam a violência e a invasão ao Capitólio "com a maior firmeza possível". Pela primeira vez, ela disse que a presidência estava comprometida com a "transição de poder de forma ordenada".
Com base no que aconteceu em Washington, Abdenur diz que a segurança para o evento da posse precisará ser reforçada. "Podem surgir novos episódios de violência", afirmou. "Esse episódio sem precedentes foi um sintoma extremado do radicalismo sobre o qual Trump construiu as suas bases políticas. Isso não acabou."
O discurso de que as eleições não eram confiáveis se voltou contra o Partido Republicano, de Donald Trump, e os democratas acabaram conquistando a maioria do Senado com a vitória dos dois candidatos que disputaram o segundo turno na Geórgia, segundo Oliver Stuenkel, coordenador da pós-graduação em relações internacionais da FGV-SP.
Para ele, o fato de Trump e aliados terem afirmado repetidamente que a eleição era fraudada desencorajou eleitores a comparecer às urnas no Estado. "Os condados mais republicanos, sobretudo em regiões rurais, evidenciam que essa narrativa de fraude reduziu a mobilização."
Raphael Warnock bateu Kelly Loeffler e Jon Ossoff venceu David Perdue, ambos com margens pequenas - 1,8 ponto porcentual e 1 ponto, respectivamente. Um exemplo da baixa participação republicana ocorreu no condado de Cobb. A margem de votos obtida por Perdue foi de 44%, 11 pontos porcentuais menos que em 2016. É incerto se a eleição para o Senado será discutida na Justiça.
Sim. Existem duas maneiras de destituir um presidente americano da sua cadeira: uma delas é a 25.ª Emenda da Constituição e a outra, o impeachment, um processo que teria de ser julgado pelo Congresso. Nos dois casos, o vice-presidente Mike Pence assumiria até a posse de Biden em 20 de janeiro.
A 25.ª Emenda, ratificada em 1967, trata da sucessão presidencial por deficiência. Um de seus artigos descreve as situações em que um presidente estaria incapaz de governar, mas não se demite. Os redatores da emenda constitucional pretendiam que ela fosse aplicada quando um chefe do Executivo ficasse incapacitado por uma doença física ou mental. Mas ela também poderia ser aplicada a um mandatário inadequado para o cargo.
Pence e a maioria do gabinete precisam declarar que Trump é incapaz de desempenhar as funções da presidência e removê-lo. O vice assumiria nesse cenário. Após quatro dias, Trump poderia declarar que é capaz de retomar o trabalho. Se Pence e a maioria do gabinete não contestarem a determinação, que seria julgada pelo Congresso, o presidente volta. Seria necessário uma maioria de dois terços de ambas as Casas para mantê-lo afastado.
Trump já sofreu um processo de afastamento em 2019. Ele foi acusado de pressionar o governo da Ucrânia a investigar os negócios de Hunter Biden, filho do presidente eleito, Joe Biden, no país. Não há empecilho legal contra um novo processo. Em 2019, o presidente foi condenado pela Câmara, de maioria democrata, mas o pedido de seu afastamento do cargo foi rejeitado pelo Senado, com mais republicanos.
Um novo procedimento teria de ser instalado e Trump ser acusado por "crime grave ou contravenção", algo semelhante a um processo criminal. Se uma maioria simples dos 435 deputados da Câmara aprovar a ação, conhecida como "artigos de impeachment", o processo vai para o Senado, que realiza um julgamento para determinar a culpa do presidente. A Constituição exige uma votação de dois terços dos senadores para que o presidente seja afastado.
As consequências do impeachment incluem a "desqualificação para exercer qualquer cargo", segundo a legislação americana. Especialistas argumentam que seriam necessárias duas votações no Senado - uma para a destituição e outra para a desqualificação. O Congresso tem o poder de impedir que um presidente afastado e condenado volte ao cargo. No caso de destituição pela 25.ª Emenda não há, em princípio, esse veto.
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