Bastaram os registros de 79 novos casos de coronavírus entre quinta-feira (11) e domingo (14) em Pequim para que a capital chinesa impusesse, mais uma vez, novas medidas de restrição para conter a propagação da Covid-19.
Autoridades locais adotaram discursos de guerra e, em entrevista coletiva, anunciaram que quase 100 mil trabalhadores especializados no controle de epidemias entraram no "campo de batalha" em 7.200 áreas residenciais da cidade com 21,5 milhões de habitantes.
O conceito de área residencial na China refere-se a espaços com vários edifícios cercados por muros, como se fossem enormes condomínios. Geralmente, essas áreas têm apenas uma ou duas entradas, o que facilita a aplicação de medidas de confinamento.
Até esta segunda-feira (15), Pequim havia ordenado o fechamento de 21 dessas áreas residenciais, nos arredores do Xinfadi, maior mercado atacadista de alimentos da Ásia, com o qual estão relacionados os casos da segunda onda de contágio.
A capital chinesa também fechou escolas, instalou postos de segurança em diversos distritos e ordenou testagem em massa após o inesperado aumento de casos depois de quase dois meses sem novas infecções.
Com área equivalente a 160 campos de futebol, o Xinfadi é 20 vezes maior do que o mercado de frutos do mar em Wuhan, considerado o berço dos primeiros casos do novo coronavírus no mundo.
Neste domingo (14), Yang Peng, pesquisador do centro de controle de doenças de Pequim, disse a uma emissora estatal que os testes iniciais sugerem que a origem dos novos contágios são os produtos vindos de países europeus. Outras hipóteses, entretanto, não foram descartadas.
"Ainda não podemos confirmar exatamente como o vírus chegou aqui. Pode ser de frutos do mar ou de carne contaminada, ou de uma pessoa infectada que entrou no mercado", disse Yang.
Cientistas chineses encontraram traços do coronavírus em pelo menos 40 amostras de alimentos entre as mais de 5.000 que foram coletadas. Utensílios, como tábuas onde são preparados os salmões importados, também continham traços do vírus.
Ainda que inconclusivos, os números acenderam um alerta e, diante das suspeitas, a China cortou as importações de salmão da Europa. Autoridades da Noruega, principal exportador de salmões, disseram que não há evidências de que os peixes possam ter sido contaminados.
A hipótese de que alimentos infectados sejam a fonte do novo surto de coronavírus em Pequim continua sendo, entretanto, a mais plausível para as autoridades de saúde do país.
A administração local proibiu restaurantes de receberem grandes grupos e está buscando formas de garantir aos moradores de Pequim que outros mercados suprirão a demanda por alimentos. O Xinfadi, que foi temporariamente fechado, é responsável por 80% do fornecimento de produtos agrícolas para a capital chinesa.
Estima-se que mais de 200 mil pessoas tenham estado no Xinfadi desde o último dia 30. O governo da cidade pediu que quem esteve no mercado nesse período comunique as autoridades.
Em alguns dos 16 distritos de Pequim, funcionários estão indo de porta em porta para identificar quem esteve no mercado ou teve contato com pessoas que estiveram.
Pelo menos 11 moradores no distrito de Fengtai, onde fica o Xinfadi, foram isolados em quartos de hotel pagos pelo governo de Pequim devido à possibilidade de contato com pessoas que receberam diagnóstico de Covid-19.
No sábado (13), Pequim começou uma força-tarefa para testar mais de 90 mil pessoas das áreas residenciais mais próximas ao Xinfadi.
Dezenas de milhares se reuniram no centro esportivo de Guangan para a coleta de amostras. A polícia fechou as ruas ao redor do estádio, e a multidão foi dividida de acordo com seus bairros de origem.
Mais de 28 mil pessoas fizeram testes para a Covid-19 durante a operação. Nenhum caso positivo foi confirmado.
Com os 79 casos confirmados previamente, o número total de registros em Pequim subiu para 499. O número de mortes provocadas pelo coronavírus permanece o mesmo ?nove pessoas morreram na cidade.
Por precaução, governantes de várias regiões da China aconselharam os residentes a não viajarem a Pequim e impuseram quarentenas obrigatórias para os visitantes que vierem da capital.
Algumas províncias pediram que as pessoas que chegassem das áreas designadas por Pequim como de alto e médio risco ficassem em quarentena por sete dias. Uma cidade na província de Heilongjiang está exigindo três semanas de isolamento.
Em toda a China, houve, até esta segunda-feira (15), a confirmação de mais de 84 mil casos e 4.638 mortes, de acordo com dados compilados pela universidade americana Johns Hopkins.
Segundo a mídia estatal chinesa, o país concluiu o sequenciamento do genoma do coronavírus encontrado nas amostras coletadas no último surto e chegou a uma conclusão preliminar.
Gao Fu, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China, não divulgou detalhes e disse que os esforços para rastrear as origens do vírus ainda estão em andamento.
Neste domingo (14), a Organização Mundial da Saúde (OMS) disse que foi informada por autoridades chinesas sobre o surto e sobre as medidas de combate impostas por Pequim.
"A OMS entende que o sequenciamento genético será liberado o mais rápido possível, assim que novas análises laboratoriais forem concluídas", afirma um comunicado da agência.
O diretor-executivo da OMS, Mike Ryan, disse, nesta segunda-feira (15), que o novo surto em Pequim é um "evento significativo".
"Na China, quando você passa mais de 50 dias sem transmissão local significativa, um surto como este é uma preocupação, e precia ser investigado e controlado."
Ryan disse ainda que a resposta para situações como a que se apresenta em Pequim está na "investigação cuidadosa, sistemática e exaustiva" dos novos casos.
"Se conseguirmos isso, construiremos uma imagem muito melhor dos conselhos de saúde pública que precisamos dar a nossas comunidades - sobre quais comportamentos evitar, quais lugares evitar e quais circunstâncias evitar."
A relação entre China e OMS tem sido alvo de atenção e críticas por parte de diversos países, como o Brasil e os Estados Unidos.
Ao anunciar um corte no financiamento à entidade, o presidente americano, Donald Trump, criticou a OMS por ter "acreditado nas garantias dadas pela China" e a culpou por um aumento de 20 vezes do número de casos em todo o mundo.
Pequim e Washington travam uma disputa de narrativas sobre a crise da Covid-19. Trump já se referiu várias vezes ao novo coronavírus como "vírus chinês". O país asiático, por sua vez, acusa o americano de xenofobia.
Mais recentemente, o presidente Jair Bolsonaro, à semelhança de Trump, disse que o Brasil pode deixar a OMS, após acusá-la de ser uma entidade "política e partidária".
"Os EUA saíram da OMS, a gente estuda [sair] no futuro. Ou a OMS trabalha sem o viés ideológico ou a gente está fora também. Não precisamos de gente lá de fora dar palpite na saúde aqui dentro", declarou Bolsonaro.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta