Sinto a raiva crescer dentro de mim. Como é possível que, depois de 20 anos, eu ainda esteja enfrentando esse tipo de abuso?
Meu nome é Alex, mas, cada vez mais, jovens gritam "Timmy" para mim na rua. Isso não é um erro de identidade; é uma provocação porque uso cadeira de rodas.
Eu deveria ignorar, mas desta vez resolvo reagir. Viro-me e vejo um grupo de adolescentes me encarando com sorrisos de deboche. "Eu ouvi vocês", digo. "Sei exatamente quem é Timmy".
Sei muito bem porque, mesmo sem compartilharmos o nome, a sombra de Timmy me acompanha desde a infância — nunca por escolha minha.
Timmy é um personagem com deficiência da série de animação South Park. Ele usa cadeira de rodas e só consegue gritar seu próprio nome, quase sempre em voz alta e de forma descontrolada.
Quando eu era criança, no auge inicial da série na virada para os anos 2000, Timmy parecia me seguir por todos os lugares: nos corredores da escola, nas salas de aula, nos recreios. Não importava se eu tinha amigos, se era sociável ou se tirava boas notas — o estigma estava lá.
Agora, quando estou na casa dos 30 anos, ele voltou. Pela terceira vez no ano, enquanto eu seguia de cadeira de rodas para a estação de trem, ouço aquele tom familiar e cruel: "Timmaaah".
Uma risada alta. Uma gargalhada abafada. E algum comentário que não entendo ou prefiro não ouvir.
Ao enfrentar o grupo, um deles finge inocência, dizendo que estava falando com o amigo.
"Não é verdade", respondo. "Eu assistia ao programa antes de você nascer".
Inicialmente, fiquei perplexo ao perceber como esse fenômeno ressurgiu em uma nova geração, 24 anos após o personagem ter sido apresentado pela primeira vez.
A resposta está nas redes sociais, especialmente no TikTok, onde centenas de pequenos clipes editados pelos usuários mostram Timmy e utilizam áudios dele pronunciando seu nome, impulsionando seu renascimento.
No TikTok, é comum os usuários seguirem tendências ao usar áudios de vídeos populares, sobrepondo-os a seus próprios clipes.
Foi exatamente isso que muitos fizeram com Timmy. Seu nome passou a ser usado como piada ou sobreposto a vídeos aleatórios, inclusive de pessoas com deficiência que usam cadeira de rodas, reforçando estereótipos prejudiciais e desumanizantes.
O irônico é que o personagem Timmy é retratado com naturalidade em South Park, e os cocriadores Matt Stone e Trey Parker lhe conferem profundidade.
Na sátira da série, a deficiência não é necessariamente o foco das piadas. Timmy é tratado como qualquer outro integrante da turma: ele não faz as tarefas escolares, enfrenta adversidades e apronta junto com seu melhor amigo, Jimmy, que também tem uma deficiência. Sua personalidade é transmitida pelas diferentes entonações com que pronuncia seu próprio nome.
No episódio "Timmy 2000", o personagem lidera uma banda de metal e vence uma batalha de bandas. Enquanto isso, os adultos reagem de forma superprotetora e condescendente, uma crítica clara à maneira como a sociedade frequentemente trata pessoas com deficiência.
Há quase 20 anos, uma pesquisa da Ouch! (antigo nome da seção sobre deficiência da BBC) elegeu Timmy como o personagem com deficiência mais popular da televisão.
Jeff Shannon, crítico especializado em questões de deficiência no Seattle Times, descreveu Timmy como "o humor sobre deficiência mais progressista, provocativo e socialmente relevante já exibido na televisão americana".
"Sem dizer aos espectadores o que devem pensar, South Park desafia os próprios medos e preconceitos da audiência em relação à deficiência, e Timmy emerge triunfante", escreveu Shannon em 2005.
Em entrevistas, Stone e Parker mencionaram o cuidado e a reflexão que tiveram ao integrar Timmy à série.
No entanto, duas décadas depois, a realidade é que, ao conhecer Timmy pela primeira vez, muitos ainda o consideram exageradamente ofensivo.
South Park sempre funcionou em múltiplos níveis, combinando um choque proibido e escandaloso que atrai crianças em idade escolar com uma sátira adulta mordaz e inteligente.
Nenhuma dessas nuances está presente nas tendências do TikTok, que reduzem Timmy — e, por extensão, os usuários de cadeiras de rodas — a um ridículo simplista e unidimensional.
Esse ressurgimento distorcido lembra o caso de Joey Deacon, um homem com paralisia cerebral cuja aparição no programa da BBC Blue Peter, nos anos 1980, teve um efeito inverso ao pretendido. Em vez de promover empatia, gerou zombarias nos pátios das escolas, com crianças gritando “Você é um Joey!” e “Faz a cara de Joey!”.
O TikTok afirma que suas diretrizes proíbem estritamente discursos de ódio e conteúdos que promovam discriminação, violência ou abuso com base em deficiência.
A plataforma removeu os vídeos denunciados pela BBC por violarem essa política, mas não tomou a mesma medida com o áudio de Timmy usado em outros vídeos. Isso significa que o som permanece disponível e pode continuar sendo reutilizado.
O TikTok não respondeu à pergunta específica sobre por que não removeu o áudio ofensivo.
Ciaran O'Connor, do Instituto para o Diálogo Estratégico (ISD), uma organização que estuda o ódio online, afirma que os sons são um "ponto cego" nas práticas de moderação de conteúdo do TikTok.
Mesmo quando um vídeo com um "som original" é removido pela plataforma, o áudio geralmente não é excluído, explica ele. Isso permite que o som continue circulando e se torne uma forma comum de contornar as diretrizes de moderação do TikTok, facilitando práticas de assédio e abuso.
O assédio e o ataque às pessoas com deficiência permanecem comuns na internet. Uma pesquisa da organização beneficente Scope com 4.000 pessoas com deficiência revelou que 3 em cada 10 relataram já terem sido vítimas de ataques virtuais.
A última vez que me chamaram de "Timmy" na rua, o que mais me surpreendeu não foram os insultos em si, mas a total ausência de remorso, mesmo quando os confrontei diretamente.
Foi semelhante a uma experiência que vivi no ano passado, quando um grupo de adolescentes, mais uma vez zombando de mim, saiu correndo e gritando: "O Timmy vai atropelar a gente!".
Ross Hovey, que usa cadeira de rodas e é torcedor do Liverpool, relatou recentemente uma experiência quase idêntica em uma publicação no LinkedIn.
A caminho de um jogo do Liverpool com seu pai, de 79 anos, e seu cuidador, Ross foi alvo de um grupo de jovens que gritaram "Timmy" para ele.
Ao desafiá-los com um firme "Eu ouvi vocês", eles também tentaram se justificar fingindo inocência.
Esses abusos levantam questões sobre qual papel as plataformas devem desempenhar ao fornecer contexto para os usuários mais jovens.
"Os clipes curtos e fora de contexto, assim como as tendências participativas, estão no centro da popularidade do TikTok", afirma O'Connor. "Normalmente, isso é bom, positivo e engraçado... mas quando essas dinâmicas são usadas para menosprezar, ridicularizar ou estigmatizar os outros, surge a questão de se o TikTok deveria fazer mais para informar ou educar seus usuários".
Alison Kerry, diretora de comunicação da Scope, disse à BBC: "Essas tendências capacitistas são profundamente prejudiciais. Elas não existem em um vácuo. Uma tendência nas redes sociais pode rapidamente se transformar em alguém enfrentando abuso em sua vida diária".
O impacto no mundo real é certamente cada vez mais notável.
Usuários com deficiência do TikTok compartilharam suas experiências, e recentemente um professor escreveu um post no Reddit intitulado "Estou cansado dessa moda do Timmy", expressando sua frustração com a falta de conscientização dos alunos.
Foi por isso que desafiei os adolescentes na estação: eu sentia que devia isso não apenas ao meu eu de 12 anos, que uma vez se descontrolou e chorou, impotente diante de zombarias semelhantes, mas também aos estudantes com deficiência de hoje.
Reforcei minha reação quando os jovens voltaram a gritar "Timmy" depois que eu virei para ir embora.
"Por quê?", perguntei com firmeza. Silêncio. Um dos rapazes acabou se desculpando, reconhecendo que o comportamento não havia sido adequado.
"Fale com seus amigos", eu pedi, sentindo um fio de esperança. "Talvez assim eles comecem a ouvir".
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