Um dos meus experimentos científicos favoritos é o em que cientistas levaram quatro relógios a dar a volta ao mundo duas vezes de avião.
Em 1971, os físicos norte-americanos Joseph Hafele (1933-2014) e Richard Keating (1941-2006) levaram relógios atômicos – tão preciso que só atrasam até um segundo a cada 30 milhões de anos – em um avião comercial. Eles voaram ao redor do mundo, primeiro para o oeste e, depois, para leste, até retornarem ao laboratório, em Washington DC, nos Estados Unidos.
Ali, os cientistas compararam a hora dos relógios que fizeram a viagem com outros que permaneceram em terra. E veio a surpresa: os relógios estavam desajustados. A viagem de avião aparentemente alterou a passagem do tempo.
Este experimento foi um teste de um dos princípios fundamentais da teoria da relatividade de Albert Einstein (1879-1955), que afirma que o tempo não é universal. Quanto mais rápido você viajar, mais lentamente o tempo irá passar para você.
O efeito é pequeno. Em um voo transatlântico de Londres para Nova York, seu relógio ficará 10 milionésimos de segundo atrás de outro deixado em terra.
Mas você terá envelhecido uma fração de tempo a menos do que se tivesse ficado em casa. E os relógios de Hafele e Keating conseguiram medir essa diferença.
Outra previsão da lei da relatividade afirma que a gravidade também causa efeitos sobre o tempo. Se você se afastar da atração gravitacional da Terra, o tempo irá se acelerar.
Este fenômeno afeta os nossos corpos – ele faz com que a nossa cabeça seja sempre um pouco mais velha do que os nossos pés. Também neste caso, o efeito é incrivelmente pequeno, mas, em distâncias maiores da Terra, ele ganha importância.
O sistema GPS de que todos nós dependemos para nos locomover, com seus satélites a 20 mil quilômetros de altura em relação à Terra, precisa levar este fenômeno em conta para poder funcionar adequadamente.
Mesmo com todos esses fenômenos, a Terra é apenas um pequeno planeta em um grande Universo. E, entre os buracos negros – objetos imensos com atração gravitacional muito superior à de qualquer planeta –, esses efeitos da relatividade são muito mais pronunciados.
Para entender o porquê, imagine que você está caindo em direção a um buraco negro. Para isso, vamos considerar que você esteja em uma espécie de espaçonave mágica que protege contra a "espaguetificação" – o estiramento mortal que acontece com tudo o que se aproximar demais de um buraco negro.
Durante a queda, você não irá notar nenhuma diferença na passagem do tempo para você ou para o ambiente à sua volta. Olhando para o seu relógio ou sentindo seu pulso, você irá perceber o mesmo batimento estável, segundo após segundo, enquanto se aproxima da catástrofe quase inevitável.
Mas, se os instrumentos da sua espaçonave permitirem olhar para trás e observar o Universo fora do buraco negro, você poderá notar algo de estranho – eventos lá fora que parecem estar se acelerando.
Se fosse possível olhar para a Terra por um telescópio, você veria o futuro do nosso planeta, com seus moradores correndo como em um filme acelerado para sua diversão. Se você pudesse sintonizar os sinais de rádio ou televisão, poderia acompanhar todas as transmissões restantes da humanidade até que o Sol evoluísse e se tornasse uma gigante vermelha que engoliria o planeta – tudo de forma acelerada.
Vamos agora mudar a perspectiva. Imagine que você esteja em uma estação espacial em órbita a uma distância segura do buraco negro, acompanhando a queda de um valente, mas infortunado, colega.
A extremidade do buraco negro é o horizonte de eventos – o ponto em que até os objetos que viajam à velocidade da luz não podem escapar. Parece razoável esperar que o nosso amigo irá atingir esse ponto durante a queda e, então, desaparecer.
Mas o que você realmente observaria é ainda mais estranho. Se ele estivesse acenando para nós, você o veria acenar cada vez mais lentamente, à medida que ele cai no poço gravitacional do buraco negro.
E um relógio instalado no lado externo da sua espaçonave iria parecer andar mais devagar, em comparação com outro instalado com segurança na nossa estação.
Este efeito é explorado no filme Interestelar (2014). Nele, os astronautas que exploravam um planeta perto de um buraco negro emergem em um Universo alterado que evoluiu sem eles.
O filme deixa claro que não faz sentido perguntar se o tempo que passa perto ou longe do buraco negro é o tempo "correto". Afinal, a teoria da relatividade nos ensina que isso não existe.
Nunca conseguiremos observar este fenômeno do lado externo, mas o nosso viajante acabará cruzando o horizonte de eventos do buraco negro – a fronteira além da qual nada, nem mesmo a luz, consegue escapar.
Este é o ponto de não retorno. Além dele, o viajante seria levado à força em direção ao centro do buraco negro.
Com isso, sua experiência do tempo pode ser completamente alterada – e ele pode até conseguir se mover para frente e para trás no tempo. Por que isso acontece?
Na nossa vida comum e segura fora do buraco negro, nós podemos nos mover como bem entendermos nas três dimensões do espaço, mas somos obrigados a nos movimentar incessantemente para frente na quarta dimensão: o tempo.
Ocorre que, dentro do horizonte de eventos de um buraco negro, tudo anda para trás. Ali, o astronauta seria forçado a viajar incessantemente no espaço, em direção ao centro do buraco negro. Isso faz com que algumas pessoas acreditem que ele seria capaz de se movimentar no tempo.
Neste sentido, os buracos negros podem agir como uma máquina do tempo, permitindo que qualquer pessoa com coragem suficiente para entrar neles viaje para épocas muito anteriores ao momento em que ela cruzou o horizonte de eventos – até chegar à própria criação do buraco negro.
O único detalhe é que, até onde sabemos, não haveria forma de sair do buraco negro. Por isso, nenhum viajante do tempo do futuro pode usar este artifício para vir nos visitar aqui na superfície da Terra do século 21.
Mas compreender as possibilidades – e analisar como os buracos negros manipulam o espaço e o tempo à sua volta – pode oferecer aos físicos os testes mais precisos sobre as teorias de Einstein e levar a uma compreensão mais profunda daquilo que chamamos de tempo.
Certamente é melhor do que dar em volta ao mundo em um avião, com um relógio atômico preso ao assento vizinho.
* Chris Lintott é professor de astrofísica da Universidade de Oxford e do Gresham College, no Reino Unido, e coapresentador do programa de TV "The Sky at Night", da BBC. Seu recente livro "Our Accidental Universe: Stories of Discovery from Asteroid to Aliens" ("Nosso Universo acidental: histórias de descoberta, de asteroides até alienígenas", em tradução livre) será lançado em breve.
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