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Por que parte do Vale do Silício está assumindo apoio a Trump

Por que parte do Vale do Silício está assumindo apoio a Trump

O candidato republicano está formando novas alianças à medida que sua campanha avança

Publicado em 13 de agosto de 2024 às 14:25

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Imagem BBC Brasil
Nicholas Longo, do setor de criptomoedas, diz que precisou manter em silêncio seu apoio a Donald Trump nas eleições de 2020. (BBC)

Natalie Sherman

A passagem pela Casa Branca transformou Donald Trump em um pária para grande parte do mundo empresarial. Agora, no entanto, enquanto tenta traçar seu caminho rumo a um possível segundo mandato, o ex-presidente americano vem angariando novos apoios na área de tecnologia.

Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo, é no momento o nome de maior peso a apoiar Donald Trump e a se envolver no trabalho de arrecadar fundos para a campanha.

O movimento coroou as últimas semanas, marcadas por um crescente apoio do mundo da tecnologia ao candidato republicano. Influentes investidores e líderes do setor de tecnologia entraram publicamente na campanha de Trump – como a ex-doadora democrata Allison Huynh, os investidores Marc Andreessen e Ben Horowitz e os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss, ativos no mundo das criptomoedas.

O apoio a Trump no setor empresarial está longe de ser universal. Mas os recentes avanços marcam uma reviravolta em relação a poucos anos atrás, quando as empresas se distanciavam abertamente de Donald Trump, nas semanas que se seguiram aos ataques ao Capitólio, em janeiro de 2021.

E esta mudança é ainda mais surpreendente por vir do Vale do Silício. Afinal, o apoio à proibição de casamento homoafetivo, defendida por republicanos, já custou o emprego do executivo da Mozilla (responsável pelo navegador Firefox) Brendan Eich.

No evento de criptomoedas realizado na Convenção Nacional Republicana em Milwaukee, no Estado americano de Wisconsin, Nicholas Longo, da empresa de gestão financeira Fortuna Investors, declarou que, quando votou em Trump quatro anos atrás, ele sentiu uma certa estigmatização.

"Em 2020, teria sido desaconselhável expressar meu apoio a Donald Trump", disse ele. Mas, hoje, segundo ele, tudo mudou.

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O apoio dos empresários de tecnologia alavancou a arrecadação de fundos da campanha de Donald Trump nos últimos meses. (Getty Images)

As mudanças dos ares da política ficaram evidentes há muito tempo nas redes sociais. Musk e o investidor David Sacks são alguns dos que costumavam expressar seu desdém contra o presidente Joe Biden.

Mas a decisão de abrir as carteiras em favor da campanha de Trump pode expandir significativamente sua influência para além do círculo tradicional, com fortes consequências para as eleições de novembro.

O apoio dos líderes da tecnologia já ajudou Trump a aumentar sua arrecadação, reduzindo a diferença que o mantinha atrás de Joe Biden há alguns meses.

"Ele estava muito atrás e com dificuldades no final de abril", afirma Sarah Bryner, diretora de pesquisa da organização sem fins lucrativos OpenSecrets. "Nas últimas oito semanas, sua campanha é completamente outra."

Bryner afirma que o apoio dos empresários enviaram um forte sinal de que as ondas estão mudando. Ela destaca que indicações de vitória nas urnas, muitas vezes, ajudam a fazer com que possíveis doadores desçam do muro.

"O sucesso gera sucesso", explica ela.

Dados da organização OpenSecrets mostram que os democratas receberam a maior parte das doações de investidores de risco nas últimas eleições. E espera-se que a desistência de Biden atraia ainda mais interesse do setor.

Mas os novos amigos de Trump mantêm seu compromisso com a campanha do candidato republicano.

O The Wall Street Journal divulgou, no início deste mês, que Elon Musk prometeu US$ 45 milhões (cerca de R$ 247 milhões) por mês para a campanha de Trump. Estes valores fariam de Musk um dos maiores doadores das eleições deste ano.

O bilionário confirmou seu trabalho para arrecadar fundos para a campanha de Trump, mas negou o montante informado pelo jornal. Ele declarou que suas contribuições irão ficar em "nível muito mais baixo".

"Acredito nos Estados Unidos que potencializam o mérito e a liberdade individual", escreveu Musk na sua plataforma X, antigo Twitter, depois da desistência de Biden. "Costumava ser [com] o Partido Democrata, mas, agora, o pêndulo se voltou para o Partido Republicano."

Analistas afirmam que o apoio de figuras importantes do mundo da tecnologia seria uma indicação de que Trump estaria ampliando seu apelo.

"Ele convenceu os republicanos de que não é tão ruim quanto eles dizem... e, agora, estamos vendo essa ampliação", afirma Sal Russo, veterano consultor republicano do Estado da Califórnia.

"Se eu acho que ele irá vencer o condado de Santa Clara [na Califórnia, onde fica o Vale do Silício]? Não, mas vai se sair melhor", acredita ele.

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Elon Musk e outros empresários se reuniram com Trump em 2017. (Getty Images)

No caminho de Trump: Elon Musk

Líderes do setor de tecnologia afirmaram que estão preocupados com a repressão do governo Biden às criptomoedas e sua cautela em relação à inteligência artificial.

Uma recente ordem do executivo, por exemplo, exige que as empresas atendam aos padrões governamentais de segurança de IA.

"As más políticas governamentais, agora, são a ameaça n° 1 para as pequenas empresas de tecnologia", escreveram recentemente Andreessen e Horowitz.

A empresa deles investe em start-ups e participa ativamente do mercado de criptomoedas e inteligência artificial. "Chegou o momento de nos defendermos", segundo eles.

A decisão de Musk de apoiar Trump pode parecer uma mudança surpreendente para alguém que, historicamente, evitou fazer doações políticas. Conta-se que, certa vez, ele esperou seis horas na fila para apertar a mão do ex-presidente Barack Obama e, em 2018, Musk se descreveu como politicamente moderado.

Em 2017, ele foi um dos primeiros a sair de uma reunião de negócios na Casa Branca, ao discordar de Trump sobre políticas relativas às mudanças climáticas. Sua empresa Tesla fabrica carros elétricos, que Trump criticou repetidamente como sendo caros e inviáveis.

Mas Musk se irrita há muito tempo com a fiscalização dos órgãos reguladores financeiros.

Ele intensificou suas críticas ao presidente Biden dois anos atrás, quando não foi convidado para uma reunião de negócios na Casa Branca. A indelicadeza o levou a dizer à rede de TV americana CNBC que ele se sentia injustamente "ignorado".

Nas redes sociais, ele se envolveu cada vez mais em outros debates sobre os lockdowns da pandemia, a guerra na Ucrânia, a política chinesa e questões transgênero.

A empresa fabricante de foguetes de Musk, SpaceX, mantém bilhões de dólares em negócios com o governo americano. E precisa levar em conta o relacionamento entre o empresário e um possível governo Trump no futuro próximo.

Interesses próprios

Os democratas afirmam que a mudança no mundo da tecnologia foi motivada pelo interesse próprio. Eles destacam que o governo Biden propôs novos impostos sobre os multimilionários e sobre ganhos de capital não realizados.

Biden também fez com que alguns empresários se afastassem devido ao seu apoio aos sindicatos e às disputas com as empresas de tecnologia no combate aos monopólios, entre outras questões.

O empresário Mark Cuban, que apoia os democratas, sugeriu que a gravitação em torno de Trump seria uma "jogada com bitcoins" – uma aposta que o valor das criptomoedas poderá ser impulsionado pela alta da inflação e pelo caos político que, segundo os democratas, surgiriam com um novo mandato de Trump.

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O investidor de risco David Sacks esteve entre as pessoas que criticaram o presidente americano Joe Biden. (Getty Images)

Guinada à direita

Professor da Escola de Negócios de Stanford, no Estado americano da Califórnia, Neil Malhotra estudou as opiniões políticas dos fundadores das empresas de tecnologia.

Para ele, seria um erro associar as "pessoas mais ativas no Twitter" ao setor de forma geral – ou mesmo às suas elites, cujas opiniões se dividem historicamente entre os dois partidos.

Uma pesquisa de 2017 realizada por ele e seus colegas concluiu que, coletivamente, os líderes da tecnologia se alinham com os democratas em questões como o casamento homoafetivo, o aborto e até como os impostos. Mas eles concordam com os republicanos na sua forte oposição às regulamentações.

Malhotra observou que, desde a pesquisa, novas questões sociais ganharam importância, como a atuação da polícia, a educação e os direitos transgêneros. E São Francisco, na Califórnia, é um importante campo de batalha nestes debates, que conduz a reação do mundo da tecnologia.

"A suspeita é que a maior parte das pessoas no capital de risco ainda é de centro-esquerda", afirma Malhotra. Mas "certamente existe um movimento em direção ao Partido Republicano."

Mudanças de Trump

Para o consultor Evan Swarztrauber, do think tank (centro de pesquisa e debates) Fundação para a Inovação Americana, os líderes do setor de tecnologia apostam que Trump estaria mais aberto à não intervenção nas criptomoedas e na inteligência artificial. Mas esta aposta não está livre de riscos.

Quando foi presidente, Trump ganhou elogios da comunidade empresarial, eliminando impostos, nomeando autoridades antitrabalhistas a cargo dos direitos do trabalho e se afastando das regulamentações de forma geral.

Mas ele também adotou uma abordagem nos setores da economia e da tecnologia que foi consideravelmente mais intervencionista do que nos governos anteriores. Ele começou uma guerra comercial com a China, ordenou a proibição do TikTok e iniciou algumas das ações antimonopólio que estão em andamento contra as empresas de tecnologia.

Desde então, ele conduziu o Partido Republicano ainda mais nessa direção. Por outro lado, Trump ficou mais moderado e até reverteu sua posição sobre questões como a proibição do TikTok e as criptomoedas.

Jennifer Huddleston, membro sênior em política tecnológica do Instituto Cato, de orientação libertária, afirma que Trump pode estar revendo sua posição em algumas questões referentes ao setor de tecnologia. Ela destaca que ele próprio, agora, é dono de uma plataforma de rede social.

Já J. D. Vance – o escolhido de Trump para vice-presidente na sua chapa – trabalhou no setor de capital de risco. Ele conseguiu o apoio fundamental de Peter Thiel, do PayPal, na sua campanha ao Senado em 2022.

Mas Huddleston destaca que será difícil diferenciar os interesses das "grandes" e das "pequenas" empresas de tecnologia na hora de governar.

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O candidato a vice-presidente da chapa de Trump, J. D. Vance, já trabalhou como investidor no setor de tecnologia. (Getty Images)

O professor de ciências políticas David Broockman, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, afirma que Trump teve sucesso no mundo empresarial ao se apresentar como mais moderado que outros membros do seu partido em questões sociais, como o aborto.

Depois de se vangloriar de estar "orgulhoso por ser a pessoa responsável" por retirar a proteção ao aborto concedida pelo caso Roe x Wade, em 2022, Trump rejeitou alegações de que ele iria promover a proibição nacional defendida por muitos conservadores. Ele declarou que a decisão deverá permanecer com os Estados.

Mas Broockman destaca que Trump também realizou uma campanha relativamente moderada em 2016 e adotou políticas mais extremistas quando chegou ao poder. Estas políticas reduziram sua aprovação pública e chegaram a enfraquecer os laços entre os republicanos e Wall Street, que é uma fonte de apoio tradicional do partido.

"Os líderes das empresas de tecnologia e de outros setores estão realmente apostando que as ideias políticas mais excêntricas de Trump... não irão se realizar", afirma Broockman. "Mas, na verdade, elas podem acontecer."

Fora do setor de tecnologia, Trump apoiou mudanças radicais, que incluem deportações em massa de imigrantes sem documentos, redução significativa do funcionalismo do governo e uma tarifa de 10% sobre todos os produtos importados pelo país.

Garrett Johnson, um dos criadores da Fundação para a Inovação Americana e, agora, executivo de uma empresa de tecnologia financiada por capital de risco, acredita que mais elites dos negócios e da tecnologia se aproximaram das visões de Donald Trump.

"Trump sozinho fez com que a ameaça que a China representa ao nosso país se tornasse um tema nacional", explica ele. "Ele estava certo e todos tiveram que concordar."

"Por isso, certamente acho que esta é parte da dinâmica, da mudança de vibração", conta Johnson. "Será que ele estava certo sobre tudo? Não, mas, sobre muitas questões importantes, Trump tinha razão."

* Com colaboração de Jude Sheerin, na Convenção Nacional Republicana.

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