Em novembro, um político da oposição de Singapura fez uma postagem em seu Facebook com críticas a investimentos feitos pelo fundo soberano local. Dias depois, Brad Bowyer se tornou a primeira pessoa do país a ser enquadrada em uma nova lei contra fake news.
Assim como a cidade-Estado asiática, outras 15 nações do planeta também criaram nos últimos anos legislações próprias para combater a disseminação de desinformação nas redes sociais, segundo levantamento feito pelo americano Instituto Poynter, que pesquisa o assunto.
O alcance e as regras de cada uma dessas leis, porém, varia bastante. Na Alemanha, por exemplo, o projeto aprovado em 2017 estabelece que redes sociais com mais de 2 milhões de usuários (o que inclui plataformas como o Facebook e o Twitter) têm até 24 horas para retirar do ar postagens com conteúdo "obviamente ilegal" --a definição inclui, por exemplo, ameaças de crimes ou acusações infundadas contra uma pessoa.
Devido ao grande número de postagens já bloqueadas pelo mecanismo, o país debate uma revisão da lei.
O foco é bastante diferente da regra aprovada na Tailândia, que vive sob o comando de uma junta militar desde 2014. No país, quem fizer acusações contra as Forças Armadas ou a família real que sejam classificadas como fake news pode ser preso.
Para Cristina Tardáguila, diretora-adjunta da IFCN (Rede Internacional de Fact-Checking) e fundadora da Agência Lupa, uma das maiores dificuldades nesse tipo de legislação é conseguir definir com precisão o que é uma fake news.
No caso de Singapura, por exemplo, Bowyer (que nasceu no Reino Unido, mas tem a cidadania local), teve que mudar seu post para acrescentar uma mensagem avisando que a afirmação não era verdadeira com um link para um comunicado do governo após receber uma ordem do Ministério da Fazenda local de que estava divulgando uma informação errada.
Uma grande inscrição com a palavra "false" (falsa) em letras vermelhas também foi incluída em cima da publicação. Ele corria o risco de ser preso se não cumprisse a ordem. O país tem um governo considerado autoritário, e o mesmo partido está no poder desde a independência da Malásia, nos anos 1960.
O caso chamou a atenção porque a Ásia é o lugar do planeta na qual as leis contra fake news têm ficado mais comuns. Vietnã, China, Mianmar e Sri Lanka, entre outros, já têm legislações do tipo.
Para Tardáguila, a região entrou em um caminho sem volta. Na Índia, onde a divulgação de boatos via WhatsApp causou uma série de confrontos étnicos, a população tem demonstrado apoio a essas regras desde que elas sejam utilizadas sem fins políticos.
Esse é um dos grandes desafios dessas leis, de acordo com o advogado Björnstjern Baade, que pesquisa o tema na Universidade Livre de Berlim.
"O dilema da legislação legítima de fake news é que ela busca proteger a liberdade e a integridade do discurso democrático o restringindo", afirma.
Assim, ele considera que em alguns casos as leis podem ser úteis, principalmente em países democráticos como a Alemanha e a França (onde a norma de 2018 obriga as plataformas a aumentar a transparência de anúncios eleitorais).
"Com certeza é legítimo que Estados proíbam a disseminação em larga escala de afirmações falsas através de contas falsas de Twitter", afirma Baade. "Obrigar as mídias sociais a ajudarem a resolver essa questão é uma forma sensata de fazer com que as obrigações legais sejam implementadas na prática".
Por outro lado, muitos regimes autoritários têm usado as novas leis para perseguir a oposição e jornalistas que tentam investigar e denunciar os governos locais.
O maior exemplo disso é no Egito, diz Courtney Radsch, diretora do CPJ (Comitê para a Proteção dos Jornalistas). O país, que vive sob a ditadura comandada por Abdel Fattah el-Sisi desde 2014, tem usado uma nova lei contra fake news para ordenar a prisão de opositores.
Segundo o CPJ, dos 30 jornalistas atualmente presos no mundo por disseminar notícias falsas, 21 estão no Egito. A entidade registrou a primeira detenção do tipo no planeta apenas em 2012 e desde então o número vem aumentando todos os anos.
"Então, quando as pessoas me perguntam se essas leis têm funcionado, eu digo que depende", diz Radsch. "Como forma de conter a disseminação de fake news, elas não têm sido eficientes. Mas se o objetivo é permitir que os governos controlem a discussão online e ataquem a liberdade de expressão, elas tem funcionado muito bem."
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta