O presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse na quarta-feira (6), que o descontrole da pandemia de coronavírus no Brasil é um risco para toda a região. Em entrevista à Rádio Con Vos, de Buenos Aires, ele afirmou que o assunto vem sendo tema frequente de conversas entre chefes de governo de países vizinhos. "Já falei com Piñera (presidente do Chile) e com Lacalle (presidente do Uruguai). É claro que o Brasil representa um risco", disse Fernández.
Desde o início da pandemia, o presidente argentino adotou uma política oposta à do governo brasileiro. O primeiro caso de coronavírus no país foi confirmado no dia 3 de março, quando um homem de 43 anos, que havia voltado da Itália, testou positivo. Os casos seguintes também foram de pessoas que haviam chegado da Europa. Em 15 de março, Fernández impôs uma quarentena obrigatória para todos que regressavam à Argentina, com multa de até 100 mil pesos (cerca de R$ 8,5 mil) e prisão de 6 meses a 2 anos.
Em 20 de março, quando as autoridades argentinas registravam 128 casos e 3 mortes, Fernández endureceu ainda mais o isolamento, decretando uma quarentena compulsória e fechando as fronteiras. Foi a primeira medida radical no combate à pandemia, adotada no momento em que o Brasil contabilizava quatro mortes e o presidente Jair Bolsonaro tentava minimizar o problema.
Assim como no caso brasileiro, Fernández enfrentou resistência de alguns setores da economia. Grupos ligados à oposição convocaram para hoje uma marcha para violar a quarentena imposta pelo governo. A senadora Felicitas Beccar Varela e Patricia Bullrich, que foi ministra de Segurança Pública do ex-presidente Maurício Macri, acusam Fernández de usar o coronavírus como desculpa para fechar a economia.
Sempre que foi questionado, o presidente argentino rebateu. "Da morte não se volta, mas a economia se recupera", declarou, no dia 30 de março. Duas semanas depois, ele defendeu o isolamento, alegando que a escolha entre quarentena e economia era "um falso dilema". "Prefiro 10% a mais de pobres do que 100 mil mortos pelo coronavírus na Argentina."
O rígido distanciamento social parece ter dado resultados. Até ontem, as autoridades de saúde da Argentina registravam 5 mil casos e 264 mortes - 6 óbitos em cada milhão de habitantes. Enquanto isso, a disseminação do vírus avançou um pouco mais no Brasil, ultrapassando 120 mil casos e 8 mil mortes - 38 óbitos em cada milhão de pessoas.
Na entrevista de ontem à Rádio Con Vos, Fernández voltou a dizer que a preocupação do governo argentino passa pelo desleixo com o qual o Brasil trata a pandemia. "Eu não entendo como (o Brasil) age com tanta irresponsabilidade", disse o presidente. "O Brasil faz fronteira com toda a América do Sul, menos com Chile e Equador. Na Argentina, entram muitos caminhões brasileiros que vêm de São Paulo, que é o lugar mais infectado do Brasil."
No dia 30 de março, Fernández já havia criticado a estratégia de Bolsonaro em relação ao coronavírus. "Lamento muito que não se entenda a dimensão do problema", disse o presidente argentino, ao ser questionado sobre o esforço do governo brasileiro para retomar a atividade econômica. "Temo que, com esta lógica, o Brasil entre no mesmo espiral de contágios em que entraram Espanha, Itália e EUA, que declararam a quarentena quando já era tarde."
A preocupação de Fernández é compartilhada por outros vizinhos. Na terça-feira (5), Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai, mandou reforçar os controles sanitários na fronteira com o Brasil. Álvaro Delgado, secretário da presidência, disse que via com "preocupação" a disseminação de casos do lado brasileiro. "O governo do Uruguai está preocupado com a situação em algumas cidades do lado brasileiro", disse Delgado, após reunião de emergência do gabinete de Lacalle Pou, para tratar do assunto.
O Paraguai adotou medidas parecidas. Na segunda-feira, o presidente Mario Abdo Benítez esteve em Ciudad del Leste para supervisionar o controle na fronteira. Segundo o governo, 85% dos 2.810 paraguaios que voltaram ao país após o início da pandemia vieram do Brasil e foram responsáveis pela maior parte da disseminação da Covid-19 no país. Em Pedro Juan Caballero, o Exército colocou arame farpado e cavou valas em alguns trechos da fronteira com o Mato Grosso do Sul.
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil não respondeu aos pedidos de entrevista feitos pelo jornal O Estado de S. Paulo.
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