Na véspera do aniversário de primeiro ano da Guerra da Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, voltou a fazer ameaças nucleares contra o Ocidente ao prometer a entrada em serviço de um novo míssil dois dias depois de suspender a participação de seu país no último tratado de controle dessas armas.
O líder também disse que "dará atenção à tríade nuclear", jargão para os três meios de emprego de ogivas nucleares: mísseis em solo, bombardeiros e submarinos. E anunciou a produção em massa de 2 dos 3 modelos hipersônicos que já tem em operação, o Kinjal (lançado de caças) e o Tsirkon (usado em navios).
Com efeito, a primeira fragata russa equipada com o Tsirkon, a Almirante Gorchkov, aportou na quarta (22) na África do Sul para exercícios conjuntos com a Marinha local e com navios da aliada China, algo que não passou despercebido em Washington.
O anúncio, feito em mensagem pelo Dia do Defensor da Pátria na Rússia, deve ser lido no contexto do contencioso com Estados Unidos e seus aliados em especial acerca do novo míssil, já que há dúvidas técnicas acerca da capacidade russa de introduzir em grande quantidade no seu arsenal o RS-28 Sarmat, conhecido como Satã-2 no Ocidente.
O modelo é uma das "armas invencíveis" anunciadas por Putin em 2018. É o mais avançado modelo intercontinental do mundo, podendo levar de 10 a 15 ogivas nucleares ou 24 planadores hipersônicos Avangard, também com cargas atômicas, a alvos até 18 mil km distantes.
Ele já foi testado com sucesso, mas há fortes indícios de que um ensaio nesta semana fracassou. A Rússia havia emitido uma notificação de aeronavegabilidade informando a trajetória de um lançamento de foguete da base de Plesetsk (noroeste do país) até o campo de provas de Kura, em Kamtchatka (extremo oriente, a mais de 6.000 km de distância).
Era o desenho clássico de um teste de míssil intercontinental, previsto para qualquer momento do dia 17 ao 22. Nada aconteceu, e a rede americana CNN disse que o Sarmat foi lançado na segunda (20), quando o presidente Joe Biden fazia sua histórica visita a Kiev, mas falhou quando seu segundo estágio se separou.
A Folha ouviu a mesma história de um analista militar moscovita especialista em forças nucleares, que pediu anonimato. Questionado sobre o tema, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que o assunto era do Ministério da Defesa -que não fez comentários.
Seja como for, falhas em testes ocorrem e o Sarmat é uma realidade que serve à agressiva retórica de Putin ante o Ocidente, com quem o russo diz já estar numa guerra por procuração na Ucrânia. Até janeiro, Kiev recebeu o equivalente a dez vezes seu orçamento de defesa em ajuda militar, a maior parte dos EUA.
Na terça (21), Putin anunciou em discurso sobre o Estado da União ao Parlamento que havia suspendido a participação russa no Novo Start, o último dos tratados de controle de armas em vigor — os outros dois foram enterrados pelo governo Donald Trump.
Na prática, isso significa o fim de inspeções mútuas e trocas de documentos que já estavam travadas devido à guerra. Os russos dizem que vão respeitar a limitação de ogivas estratégicas operacionais (1.550 para cada lado) e meios de emprego previstos no tratado até sua expiração, em 2026.
Isso tem um motivo, segundo o analista russo: Moscou não teria como aumentar imediatamente sua capacidade de emprego de armas nucleares, ao contrário dos EUA. Putin tem um arsenal nominal maior do que o dos EUA, mas não há tantos mísseis capazes de carregar as ogivas em reserva.
Seja como for, o fim do Novo Start, assinado em 2010 e em vigor desde 2012, irritou os EUA por um motivo adicional. Sem um arcabouço pronto para negociações, a intenção de Washington de incluir a China em um futuro tratado fica ainda mais difícil -Pequim tem estimadas 320 ogivas operacionais, mas o Pentágono diz que em uma década poderá ter um nível semelhante ao russo e americano.
Desde as vésperas da invasão, quando fez um grande exercício de forças estratégicas, Putin lança mão de ameaças nucleares para lembrar o Ocidente acerca de sua condição de potência no setor. O discurso anunciando a guerra falou que interferências externas seriam punidas de forma inédita na história, um recado claro.
De lá para cá, houve testes de armas, inclusive um com o Sarmat, e muita saliva gasta por autoridades russas. De forma geral, o Ocidente tem sido cauteloso, aumentando o envio de armas a Kiev de forma escalonada.
De tempos em tempos, é especulado também que Putin poderia usar uma arma nuclear tática, de uso pontual contra tropas, na Ucrânia, mas o próprio presidente disse que isso seria inútil militarmente e politicamente.
A guerra, que o mundo acreditava que duraria poucas semanas, completará um ano na madrugada desta sexta (24). Na frente de batalha, os russos seguem apertando o cerco a pontos no leste, principalmente as ruínas da cidade de Bakhmut, visando controlar as áreas em mãos ucranianas das regiões que Putin anexou ilegalmente em setembro.
O movimento ocorre desde o fim do ano passado, com avanços de Moscou, mas não decisivos, apesar da melhora da posição russa com a entrada em combate de parte dos 320 mil reservistas mobilizados entre setembro e outubro. A guerra segue estagnada, sem nenhum dos lados ter perspectiva de derrotar completamente o outro.
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