Sediada em Portugal, uma quadrilha internacional especializada na aplicação de golpes financeiros contra brasileiros foi desmantelada na segunda-feira (6), em uma megaoperação conjunta entre autoridades dos dois países. Três brasileiros e uma portuguesa foram detidos em Lisboa, e há outros mandados de captura em andamento.
Batizada de "Difusão Vermelha", a operação da Polícia Civil identificou um esquema elaborado de fraudes com forte inspiração no filme "O Lobo de Wall Street", onde o protagonista interpretado por Leonardo DiCaprio enriquece com investimentos irregulares e leva um estilo de vida extravagante.
A versão luso-brasileira do golpe usava uma empresa de fachada. Oficialmente registrado como agência de publicidade e marketing, o escritório funcionava na verdade como uma falsa operadora financeira, vendendo investimentos na bolsa de valores através de agências fraudulentas de corretagem.
A companhia abordava as vítimas através de chamadas telefônicas, seduzindo os potenciais clientes com ofertas de lucros vultuosos. A falsa operadora empregava "centenas de brasileiros" e tinha call centers em quatro sedes diferentes. Segundo a polícia, os funcionários eram sobretudo imigrantes irregulares que, sem outra opção de trabalho, acabavam por embarcar na fraude.
A contratação exclusiva de cidadãos do Brasil também acontecia porque era obrigatório que os atendentes falassem o "português brasileiro", uma vez que as vítimas em potencial estavam sempre do outro lado do Atlântico.
Para não terem a localização geográfica revelada pelos identificadores de chamada, o que poderia levantar suspeitas sobre o esquema, os criminosos utilizavam um programa que mascarava o número internacional, mostrando no lugar um DDD de Brasília (61).
Os golpistas ofereciam opções de investimento do tipo Day Trade e Forex, convencendo as vítimas a fazerem aplicações que supostamente gerariam altas rentabilidades com garantia.
"As vítimas enganadas passavam a investir nas ações indicadas pelos criminosos, mas diferentemente do prometido, sempre perdiam tudo investido", diz a Polícia Civil, em nota. "Tomados pelo desespero das perdas, eram incentivados a fazer novos investimentos com esperança de reverter o prejuízo. Ocorre que os novos investimentos também geravam outras perdas, alimentando uma bola de neve."
Com o intuito de aumentar a aparência de legitimidade dos investimentos fraudulentos, os golpistas se dedicaram ainda à montagem de websites falsos, criando páginas para diversas empresas fictícias. Entre as já identificadas estão: Paxton Trade, Ipromarkets, Ventus Inc, Glastrox, Fgmarkets, 555 Markets, ZetaTraders.
"Esses websites eram muito bem montados, dando a impressão de serem empresas idôneas. As vítimas faziam cadastros nessas páginas e depois usavam um aplicativo para poder fazer os supostos investimentos", diz a Polícia Civil.
A investigação mostrou que esses "investimentos" jamais chegavam ao mercado de valores. O dinheiro, em vez de ser aplicado, era diretamente desviado para contas pessoais dos criminosos. "As vítimas pensavam que tinham perdido tudo na bolsa de valores e muitos sequer sabiam que se tratava de um golpe".
Já foram identificadas pelo menos 945 vítimas do esquema, mas as autoridades afirmam que o número real é bem maior.
De acordo com a polícia, a escolha de sediar as operações criminosas em Portugal, mas direcionando os golpes apenas para pessoas no Brasil foi intencional.
"Uma vez que eles estavam sediados em Portugal e todas as vítimas estavam localizadas apenas no Brasil, as autoridades portuguesas ficavam de mãos atadas, pois sem vítimas para comprovar as alegações, a investigação ficava obstaculizada", afirmam.
A investigação diz que a escolha de atuar apenas com brasileiros também se baseou na expectativa de que a polícia do Brasil jamais conseguiria alcançá-los. "Eles sabiam que caso atuassem contra cidadãos portugueses, de outros países da União Europeia ou dos EUA, a operação teria sido desarticulada com maior facilidade."
O líder da organização criminosa seria um cidadão da República Tcheca residente em Portugal. Mesmo depois de saber da investigação, a polícia diz que o homem continuou expandindo o esquema, "abrindo outros três escritórios e contando com mais de 150 brasileiros contratados".
As autoridades afirmaram que a quadrilha se inspirava no modus operandi relatado no filme "O Lobo de Wall Street".
"A investigação obteve diversas provas do ambiente sociopático existente dentro da empresa. A figura de Jordan Belfort [protagonista de O Lobo de Wall Street] era venerada. Em festas da empresa havia premiações aos melhores vendedores e grande ostentação de riqueza. Nos grupos de WhatsApp, gerentes incentivavam os vendedores a verem o filme e eram sistematicamente induzidos ao mesmo comportamento. O lema da companhia era: Pensem em vocês e em suas famílias, esqueçam as vítimas", diz a polícia.
Para desbaratar as operações do grupo, as autoridades brasileiras contaram com auxílio da Polícia Judiciária e do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) de Portugal.
Uma das técnicas utilizadas pela Polícia Civil foi justamente inspirada nas ações dos criminosos. Os policiais também usaram o software para driblar o identificador de chamada e simular que estavam ligando de números de telefone portugueses. "Isso fazia com que os funcionários da empresa atendessem às ligações da polícia, oportunidade em que eram intimados a prestar esclarecimentos via videoconferência."
A partir dos depoimentos, as autoridades brasileiras montaram o quebra-cabeças do esquema fraudulento.
Em nota, o SEF, órgão migratório de Portugal, afirma que os três brasileiros detidos, serão apresentados ao Tribunal da Relação de Lisboa para o primeiro interrogatório judicial e para aplicação de medidas com vista à extradição.
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