Em meio à sétima onda de calor que o Brasil vive neste ano, o que acontece com o nosso corpo quando exposto a temperaturas extremas? Por que corremos mais riscos? E quais cuidados devemos tomar?
Com temperaturas entre 5 e 10 graus acima da média, o cenário fez com que o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitisse um alerta vermelho.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, mesmo que algumas regiões do Brasil frequentemente experimentem altas temperaturas durante o mês de novembro, e os brasileiros estejam geralmente mais adaptados ao calor em comparação com populações de outros países, a situação é particularmente perigosa devido à sua intensidade.
Quando o ar fica mais quente que a temperatura da pele, que normalmente é de 36°C a 37°C, ou se o suor não evapora, começamos a ganhar calor, e a temperatura central do nosso corpo sobe gradativamente.
No entanto, se esse aumento não for controlado e a temperatura corporal continuar subindo, respiração, pele, rins e coração podem ser afetados.
As consequências podem variar desde um simples mal-estar ou dor de cabeça até a morte, nos casos mais graves (veja recomendações sobre como se proteger ao fim desta reportagem).
Um estudo recente mostrou que países tropicais como o Brasil enfrentarão provavelmente condições "perigosamente" quentes quase diariamente até ao final do século.
"Perigoso", neste caso, refere-se à probabilidade de exaustão pelo calor, a perda excessiva de sais (eletrólitos) e líquidos devido ao calor.
A exaustão pelo calor não vai causar sua morte se você conseguir pará-la e desacelerá-la — ela é caracterizada por fadiga, náusea, batimentos cardíacos lentos e possivelmente desmaios.
Mas você já não pode trabalhar nessas condições.
O índice de calor indica quando é provável que uma pessoa atinja esse limite.
O Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos (NWS, na sigla em inglês) define como "perigoso" um índice de calor de 39,4°C e "extremamente perigoso" de 51,7°C.
Se uma pessoa atingir temperaturas "extremamente perigosas", pode sofrer insolação, uma condição muito séria.
Nesse nível, você tem algumas horas para procurar atendimento médico para esfriar seu corpo ou suas chances de morte aumentam consideravelmente.
"À medida que a temperatura externa aumenta, cresce a pressão sobre o nosso organismo para manter a temperatura interna, que gira em torno de 36,5°C. A frequência cardíaca aumenta como um mecanismo compensatório, assim como a pressão arterial", diz Lucas Albanaz, clínico geral, coordenador da clínica médica do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, e mestre em Ciências Médicas.
"Dependendo da gravidade do caso, pode ocorrer até a morte, seja pela desidratação extrema, por enfarto ou até mesmo por Acidente Vascular Cerebral (AVC ou derrame)", acrescenta ele.
Nosso corpo passa por uma série de ajustes para regular a temperatura interna quando está "em estresse térmico", ou seja, quando fica exposto a temperaturas extremas.
Quando exposto ao calor, a primeira reação do organismo é a transpiração e a dilatação dos vasos sanguíneos periféricos.
No entanto, em temperaturas muito altas, especialmente quando também está úmido, o mecanismo de resfriamento do suor se torna menos eficaz, levando ao superaquecimento corporal, insolação e possíveis danos aos órgãos.
Isso porque a umidade do ar influencia na transpiração — quando o nível da umidade relativa do ar (umidade atmosférica) está alto em um dia quente, o suor na nossa pele não consegue evaporar de forma eficiente no ar, sendo, portanto, mais difícil regular a temperatura corpórea.
Por essa razão, os efeitos do calor extremo no corpo tendem a ser diferentes dependendo da área onde você estiver.
"A atual onda de calor é bem ampla, vai atingir cerca de 15 estados. Se pensarmos numa característica básica, a onda de calor será mais seca, com baixos índices de umidade do ar, especialmente em áreas interioranas, longe do litoral, onde valores mais baixos de umidade predominam mais (interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Gross, por exemplo), já em áreas litorâneas, como na costa do Paraná, de São Paulo e no Rio de Janeiro, a umidade fica em bons níveis (acima de 60%)", diz à BBC News Brasil Carine Gama, meteorologista da Climatempo.
Ela ressalva, contudo, que "mesmo nas áreas interioranas, parte ou outra tem previsão de chuva mais isolada, o que aumenta a umidade. Vale lembrar que a mesma oscila muito ao longo do dia".
Albanaz também lembrou que os riscos são maiores para determinados grupos, especialmente crianças e idosos.
Os bebês e as crianças são particularmente vulneráveis, em parte porque perdem líquidos mais rapidamente do que os adultos e dependem de cuidadores para os ajudar a se resfriar.
Já as pessoas mais velhas tendem a ter maior probabilidade de ter problemas de saúde como a diabetes, o que as colocam em maior risco, e os seus corpos respondem ao calor de forma diferente do que os das pessoas mais jovens.
Os idosos produzem menos suor por glândula e os vasos sanguíneos mudam à medida que envelhecemos, o que torna mais difícil o bombeamento do sangue para a pele e o resfriamento corporal.
Mas pessoas com problemas de saúde pré-existentes, aquelas que fazem uso de medicações que, por algum motivo, as tornem mais vulneráveis ao calor e trabalhadores que estão expostos ao sol (como vendedores ambulantes) também precisam tomar cuidado extra.
Alguns antidepressivos e antipsicóticos podem afetar a produção de suor, enquanto medicamentos para tratamento de doenças cardíacas, como remédios contra a hipertensão, podem causar desidratação e afetar os rins.
Até atletas de alto nível, como jogadores de futebol profissionais, podem sofrer com o calor extremo — por essa razão, especialistas recomendam evitar qualquer exercício físico entre 12h e 16h.
Pesquisas também sugerem que o calor extremo também pode afetar a saúde mental.
Um estudo de 2018 publicado na revista científica Nature Climate Change constatou que o aumento da temperatura está ligado a taxas de suicídio mais elevadas: para cada aumento de 1° C na temperatura média mensal nos EUA, as taxas de mortalidade por suicídio aumentaram 0,7%.
Segundo os autores da pesquisa, as altas temperaturas podem induzir mudanças negativas no estado mental.
Outro estudo, publicado na revista científica JAMA Psychiatry em 2022, mostrou que as temperaturas mais elevadas aumentaram a probabilidade de visitas ao pronto-socorro para qualquer condição de saúde mental, incluindo transtorno por uso de substâncias, transtornos de ansiedade e esquizofrenia.
"A palavra de ordem é hidratação, que deve ser feita principalmente pela ingestão de líquidos. Também é indicado hidratar a pele, com cremes, as narinas, com soro fisiológico, e os olhos, com colírio. Essas partes do corpo também são afetadas", diz Albanaz.
Abaixo, destacamos dicas oferecidas pelos especialistas consultados na reportagem e divulgadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde):
Mantenha sua casa fresca
Evite o calor
Mantenha-se hidratado e fresco
Ajude outros
Cuidados em caso de mal-estar
A reportagem a seguir foi publicada originalmente em novembro de 2023 e atualizada em setembro de 2024.
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