O presidente do Líbano, Michel Aoun, nomeou nesta segunda-feira (31) o embaixador Mustapha Adib como o novo primeiro-ministro do país depois de sua indicação ter sido aprovada pela maioria dos parlamentares libaneses.
Adib, 48, era o chefe do posto diplomático do governo de Beirute na Alemanha desde 2013 e foi conselheiro e chefe de gabinete do ex-premiê Najib Mikati, mas não tem grande experiência política -ele é advogado e professor universitário.
Agora, deve assumir o novo cargo com a missão de reconstruir o governo após a crise política que se agravou com a explosão catastrófica que atingiu mais da metade da capital libanesa, no início de agosto.
Além de deixar ao menos 190 mortos, 6.000 feridos e danos bilionários, a tragédia desencadeou uma onda de protestos e acusações contra o governo, mergulhado em uma crise econômica profunda e em um cenário político instável.
Em um discurso no palácio presidencial após a nomeação, o novo premiê falou sobre formar um novo governo em tempo recorde -o processo costuma demorar meses- e pediu reformas imediatas como um passo para garantir um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Dezenas de países anunciaram doações e envio de assistência médica e humanitária ao Líbano. Em contrapartida, os doadores pedem que o país realize reformas há muito adiadas para acabar com a corrupção e o desperdício do Estado.
"A oportunidade para nosso país é pequena e a missão que aceitei é baseada no reconhecimento de todas as forças políticas", disse Adib, que é considerado desconhecido pelo grande público.
O novo premiê é o terceiro nome a assumir o cargo em menos de um ano. Em outubro de 2019, Saad Hariri renunciou à posição dizendo ter chegado a um "beco sem saída" depois de um levante que ficou conhecido como "revolução do WhatsApp".
Seu sucessor, Hassan Diab, assumiu o governo em janeiro e anunciou sua renúncia seis dias após a explosão na zona portuária de Beirute. Até que o novo governo seja formado, ele continua no cargo como premiê interino.
A indicação de Adib ao Parlamento libanês recebeu apoio dos principais grupos políticos do país, como o Movimento Futuro, maior partido sunita do Líbano, chefiado por Hariri, o xiita Hizbullah e o cristão Movimento Patriótico Livre, do presidente Aoun.
Dos grandes partidos, apenas um grupo cristão, o Forças Libanesas, não apoiou a indicação de Adib. Para eles, a melhor opção seria o também diplomata Nawaf Salam, que representava o Líbano nas Nações Unidas, em Nova York. O nome de Salam, entretanto, foi fortemente contestado pelo Hizbullah.
O presidente da França, Emmanuel Macron, teve um papel importante na negociação política que resultou na indicação de Adib, de acordo com fontes ouvidas pela agência de notícias Reuters. Nesta segunda-feira, o francês deve visitar o Líbano pela segunda vez desde a explosão.
Na primeira ocasião, dois dias após a tragédia, Macron encontrou os libaneses em um misto de luto e raiva. Ao caminhar pelas ruas de Beirute, foi cercado por uma multidão que pedia que ele não colaborasse com a elite política corrupta do Líbano.
Nesta segunda-feira (31), mais um pedido de Macron ganhou força entre os principais líderes libaneses. Nabih Berri, presidente do Parlamento há 28 anos, defendeu uma reforma política total e disse que o sistema confessional do Líbano é a "fonte de todos os males".
"Na véspera do centenário do Grande Líbano [comemorado em 1º de setembro], a catástrofe portuária revelou que o edifício do sistema político e econômico desabou completamente", disse Berri em um discurso transmitido por emissoras de TV libanesas.
Segundo ele, que é xiita, o sectarismo na política libanesa "cria terreno fértil para um retorno à anarquia e desperta demônios adormecidos de células terroristas".
No domingo (30), o presidente Aoun e o líder do Hizbullah, Hassan Nasrallah, também fizeram discursos semelhantes.
Aoun defendeu que "só um Estado laico é capaz de proteger o pluralismo, preservá-lo e transformá-lo em unidade verdadeira". Nasrallah, por sua vez, disse que está disposto a discutir "um novo pacto político".
O posicionamento dos três líderes soa como uma resposta alinhada com a visão de Macron. Na última sexta (28), o presidente francês disse que o sistema confessional levou o Líbano a "uma situação em que praticamente não há regeneração política e na qual é quase impossível aplicar reformas".
No Líbano, cada grupo religioso tem direitos políticos específicos. O presidente é sempre um cristão maronita, enquanto o premiê é muçulmano sunita e o líder do Parlamento é muçulmano xiita. As tensões entre os grupos, contudo, são constantes no país.
A crise no Líbano após a explosão em Beirute ganhou novos contornos que vão além da tensão política e assumem caráter humanitário.
De acordo com um relatório da ONU divulgado neste domingo (30), mais da metade da população do país pode ter dificuldades para conseguir comida devido ao agravamento da crise econômica. Autoridades locais também estimam que, só em Beirute, mais de 300 mil pessoas ficaram desabrigadas.
A explosão foi causada por um incêndio em um enorme depósito que armazenava cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, um composto químico usado para a produção de fertilizantes e de explosivos.
O governo prometeu responsabilizar os culpados, mas poucos cidadãos estão convictos de que isso acontecerá. Os primeiros relatórios da investigação apontam negligência dos líderes libaneses e afirmam que Aoun e Diab foram alertados sobre o risco de explosão em julho.
Informações preliminares indicam que o material estava no porto havia cerca de seis anos, trazido por um navio que fez uma parada em Beirute e acabou retido devido às más condições de manutenção.
A embarcação foi então abandonada pelos donos e pela tripulação, e o governo recolheu a carga para um depósito. Após a explosão, o governo ordenou a prisão domiciliar de ao menos 16 autoridades do porto.
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