No ano em que "a Terra parou", o dia mundial do meio ambiente, celebrado nesta sexta (5), passou a contar com um ar mais limpo, cidades menos ruidosas, flagrantes de animais circulando mais próximos das ocupações humanas, e dados fora da curva da emissão de gases-estufa, causadores do aquecimento global.
A diferença nos níveis de poluição durante a quarentena adotada em todo o mundo para combater o coronavírus é atestada por satélite e também ao vivo, pelos moradores das grandes cidades. Nos últimos dois meses, eles passaram a compartilhar nas redes sociais fotos de um céu mais limpo, depoimentos sobre o ar mais leve e vizinhanças mais silenciosas.
A poluição do ar está ligada à morte de cerca de 7 milhões de pessoas por ano, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), e também pode agravar as crises respiratórias causadas pelo coronavírus.
Um estudo da Universidade Harvard (EUA) mostrou que a letalidade da Covid-19 é 8% maior em regiões onde a concentração de material particulado inalável (MP 2,5) é maior que um micrograma por metro cúbico (1 ?g/m3).
Desde que a quarentena começou na região metropolitana de São Paulo, em 24 de março, até o fim de maio, a Cetesb registrou 48 dias com qualidade do ar classificada como "boa" em todas as estações de monitoramento. Apenas três dias marcaram qualidade do ar ruim em uma ou mais estações.
No início de abril, a concentração de monóxido de carbono e também de poluentes de veículos pesados, como óxidos de nitrogênio e material particulado, chegaram a cair aproximadamente pela metade. Em maio, a diferença em relação aos índices do ano passado foi menor, o que a Cetesb atribui à falta de chuvas nesse mês em relação a 2019, quando houve maior dispersão de poluentes.
A experiência de viver em uma cidade com menos poluição tem inspirado movimentos da sociedade que buscam formas de manter o benefício ambiental após o período de quarentena.
Nesta sexta, 24 ONGs reunidas na Coalizão Respirar lançam o manifesto "Queremos respirar no 'novo agora'", pedindo ao poder público que a retomada econômica inclua condicionantes ambientais, principalmente nos pacotes de ajuda ao setor privado.
O manifesto sugere seis medidas: veículos mais limpos; incentivo ao transporte individual ativo, como planejamento de vias urbanas para pedestres e ciclistas; frota de ônibus não-poluente e de qualidade; atualização dos padrões de monitoramento da qualidade do ar; aprovação da Política Nacional de Qualidade do Ar (PL 10.521/2018); e, por fim, combate ao desmatamento e a queimadas.
As queimadas na Amazônia aumentam a poluição em cidades da região Norte. Diante de um recorde em agosto do ano passado, a fumaça chegou ao Sudeste e escureceu o céu em uma tarde em São Paulo.
Como a pandemia não inibe o desmatamento no país, o ciclo de desmate e queimadas na Amazônia também deve contribuir para o aumento das emissões de carbono do Brasil, que neste ano devem crescer de 10% a 20% em relação às emissões de 2018, segundo estimativa do Observatório do Clima.
No mundo, de acordo com o Global Carbon Project, as emissões de carbono devem cair entre 4% e 7%, principalmente devido à queda de 50% nas emissões de transportes superficiais ao redor do globo.
Ao contrário do Brasil, que tem no desmatamento a principal causa das emissões de gases-estufa, o restante do mundo tem no setor de energia e combustíveis o principal desafio para reduzir emissões.
Se a taxa for mantida anualmente, por meio de políticas de retomada econômica verde, o mundo poderia cumprir o Acordo de Paris e evitar as consequências mais trágicas do aquecimento global, como o desaparecimento de países-ilha.
Outra fonte poluente em queda durante a quarentena é a sonora. Embora seja menos perceptível, ela também é letal. Um estudo da OMS em cidades europeias calculou que o barulho do trânsito nas cidades influencia a pressão sanguínea e ataques cardíacos, reduzindo os anos de expectativa de vida das pessoas.
Segundo medição da associação ProAcústica, que mantém um mapa do ruído da cidade de São Paulo, a percepção de ruído chegou a cair 50% na região da av. Nove de Julho, próximo ao Masp.
Além da redução no trânsito, o desligamento de aparelhos de ar-condicionado em prédios comerciais contribuiu, segundo Marcos Holtz, vice-presidente de atividades técnicas da ProAcústica.
"Como o mascaramento dos ruídos dos veículos diminui, você consegue perceber outros sons, de obras, de animais e pássaros que estavam ali, como as maritacas aqui no meu bairro", diz Holtz.
Para os moradores vizinhos do Minhocão, no centro de São Paulo, a quarentena não representou um alívio. "Com a cidade silenciosa, o som dos carros passando pelo Minhocão fica ampliado para nós", diz Felipe Rodrigues, morador da região e diretor da Associação Parque Minhocão, que defende a construção de um parque urbano no lugar da via. A associação pediu que o atalho fosse fechado durante a quarentena, mas não teve retorno da prefeitura.
"Uma das etapas de retorno da quarentena poderia testar o fechamento do Minhocão", sugere o arquiteto Pedro Lira, sócio do escritório Natureza Urbana.
Para ele, é preciso combinar soluções estruturais de longo prazo com outras medidas mais rápidas e baratas, como a restrição do espaço para automóveis e incentivos a calçadões e bicicletas. "É preciso ter coragem para intervir no espaço urbano. A solução do veículo elétrico vai eliminar a poluição, mas não o trânsito."
Na China, que já experimenta a retomada das atividades econômicas, as emissões de poluentes também voltaram a crescer em maio e atingiram os níveis pré-pandemia, movidas principalmente por fontes industriais, após uma queda de mais de 40% em fevereiro e março.
Apesar dos discursos de líderes políticos e empresários em favor de uma retomada econômica sustentável em todo o mundo, ainda há poucos sinais de elaboração de políticas que garantam um novo rumo.
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