Pela primeira vez na história, uma mulher vai liderar uma das principais instituições religiosas do Vaticano.
Trata-se de Simona Brambilla, de 59 anos, nomeada na segunda-feira (6/1) pelo Papa Francisco para comandar o Dicastério para a Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, uma organização da Santa Sé.
Como prefeita (título usado pela Igreja Católica), Brambilla será a autoridade máxima de uma instituição religiosa cuja missão é supervisionar as ordens religiosas, tanto masculinas como femininas, e as relações com seus fiéis.
"Peço ao Senhor a graça para que possamos abrir cada vez mais nossos corações para receber esse sopro e deixar que ele nos transforme como pessoas, como comunidade, como Igreja e como humanidade", disse Brambilla em dezembro.
Esta nomeação confirma o desejo expresso pelo Papa Francisco de abrir às mulheres um lugar de destaque em posições de liderança na Igreja Católica.
No entanto, o Papa nomeou o cardeal Ángel Fernández Artime como pró-prefeito para acompanhá-la na tarefa, suscitando dúvidas pelos especialistas sobre a divisão de responsabilidades e a possível redução do papel da freira.
A agência de notícias AP observa que, teologicamente, parece que Francisco acreditava que a nomeação de Fernández era necessária, uma vez que a chefia do órgão deve poder celebrar missas e desempenhar outras funções sacramentais que atualmente só podem ser desempenhadas pelos homens.
"A nomeação de Brambilla é a confirmação de uma realidade que está presente há muito tempo, que é a superioridade numérica das mulheres na Igreja em todas as instâncias", disse a doutora em Ciências Sociais, Sol Prieto, pesquisadora e professora de Sociedade e Religião na Universidade de Buenos Aires (Argentina).
Segundo o Anuário Estatístico da Igreja 2022, publicado pelo Vaticano, há mais religiosas do que sacerdotes e diáconos. As quase 600 mil religiosas professas — ou freiras — excederam o número de sacerdotes em todo o mundo em quase 47%.
"Mas esse reconhecimento não passa apenas pelas estatísticas. Além disso, tem a ver com o diálogo dentro do mundo religioso. É um gesto ligado ao processo de sinodalidade que a Igreja atravessa, ou seja, ao momento de discussão que está acontecendo na Igreja Católica nos chamados sínodos", acrescenta Prieto.
Os Sínodos são reuniões nas quais os hierarcas católicos discutem questões importantes que afetam a Igreja, como a família, o casamento ou o sacerdócio.
Uma reforma que o Papa Francisco introduziu foi a participação de sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e leigas em igualdade de condições com os bispos.
Sobre esse ponto, Brambilla disse no mês passado que o Sínodo "é um sopro, um sussurro, um movimento que transforma, liberta, une e harmoniza, sem nunca achatar" e pediu "abrir cada vez mais os nossos corações para receber este sopro e deixar que ele nos transforme como pessoas, como comunidade, como Igreja e como humanidade".
Há pouco mais de um ano, Brambilla ocupa o cargo de secretária no dicastério que agora dirigirá, ou seja, é a número dois.
Por esta razão, a sua nomeação é interpretada pelos especialistas como uma promoção fundamental que pode abrir portas a outras nomeações e, em última análise, a uma mudança crucial no papel das mulheres nas instituições católicas.
Nascida na cidade de Monza, na Itália, Simona Brambilla estudou enfermagem antes de entrar no Instituto das Irmãs Missionárias da Consolata, que dirigiu de 2011 a 2023, e tem experiência como missionária em Moçambique.
O cargo que ocupará, em termos de organograma, é o de autoridade mais importante depois do Papa no que diz respeito às definições da Igreja Católica relativamente à vida religiosa, segundo a pesquisadora.
"Mas atenção, os institutos de vida religiosa, embora façam parte da Igreja, são espaços com muita autonomia, pois não se regem pela mesma lógica vertical do clero secular", esclarece Prieto, autor do livro El fin del mundo. El fenómeno del papa Francisco desde la sociología (em tradução livre: O Fim do Mundo. O fenômeno do Papa Francisco a partir da sociologia).
A designação não surpreendeu, pois responde a um processo progressivo de incorporação das mulheres nos órgãos de decisão das estruturas da Santa Sé.
Até antes de 2019, todos os membros do Dicastério para a Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica eram homens, o que gerou algumas críticas internas devido à ausência de mulheres em cargos de decisão.
Mas naquele ano, Francisco nomeou pela primeira vez sete mulheres como membros do dicastério, e Brambilla foi mais tarde eleita primeiro como sua secretária e agora como a líder do dicastério.
Desde o início do pontificado de Francisco, a presença de mulheres no Vaticano tem aumentado.
Em 2016, Barbara Jatta foi nomeada diretora dos Museus do Vaticano e, em 2022, Raffaella Petrini foi nomeada secretária-geral do Interior, cargo normalmente atribuído a um bispo.
Segundo o Vatican News, a porcentagem de mulheres passou de 19,2% em 2013 para 23,4% em 2023.
Para isso, foi necessária a reforma da Constituição da Santa Sé de 2022, que permitiu que leigos, incluindo mulheres, dirigissem um dicastério e se tornassem prefeitas.
Embora as mudanças sejam graduais, a nomeação da italiana foi lida como uma confirmação da vontade de Francisco de expandir o espaço às religiosas, uma decisão com resistência nos setores mais conservadores da Igreja Católica.
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