Nove pessoas foram apontadas pela Polícia Federal (PF) como participantes do assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, mortos em junho de 2022 na terra indígena Vale do Javari, no Amazonas.
Apenas um dos acusados foi apontado como mandante: Rubén Dario da Silva Villar, conhecido como Colômbia, acusado pela PF de também ser traficante de drogas e chefe de uma organização criminosa que pratica pesca e caça ilegal.
Colômbia estava preso desde dezembro de 2022, quando descumpriu medidas cautelares impostas pela Justiça para que aguardasse a investigação em liberdade.
Ele era suspeito do crime desde junho de 2022, quando foi preso pela primeira vez ao apresentar uma identidade falsa ao ser chamado para depor na sede da Polícia Federal em Tabatinga (AM).
Bruno e Dom foram mortos em 2022 quando viajavam juntos pela Amazônia para que o jornalista britânico coletasse dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta — ele já havia realizado diversas viagens para a Amazônia, onde fez reportagens sobre desmatamento e crimes.
A PF concluiu sua investigação sobre o caso na sexta-feira (1º) e apresentou o inquérito à Justiça, que agora vai decidir sobre o andamento do processo criminal contra os indiciados.
"O grupo criminoso gerou impactos socioambientais, ameaçando servidores de proteção ambiental e populações indígenas”, afirmou a PF em um comunicado. Segundo a PF, a investigação confirmou que os assassinatos foram motivados pelas “atividades fiscalizatórias promovidas por Bruno Pereira na região”.
“A vítima atuava em defesa da preservação ambiental e na garantia dos direitos indígenas”, disse a PF em um comunicado. Bruno era servidor licenciado da Funai e atuava como consultor da associação indígena Univaja.
Os nomes dos outros oito acusados no inquérito concluído na sexta não foram divulgados.
No entanto, três pessoas já haviam sido apontadas como executoras do crime pelo Ministério Público em 2022: os réus Amarildo da Costa Oliveira, o "Pelado"; Oseney da Costa de Oliveira, o "Dos Santos", e Jefferson da Silva Lima, o "Pelado da Dinha". Eles foram acusados de duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver.
A BBC News Brasil não conseguiu contato com a defesa dos acusados.
Rubén Dario da Silva Villar é, segundo a PF, o nome verdadeiro de Colômbia, que apresentou diversas identidades falsas à Polícia.
O homem é peruano e se apresentava como empresário aos moradores da cidade de Benjamin Constant, no interior do Amazonas, onde morava.
Ele também tinha uma casa na cidade de Islândia, no Peru.
Ao investigá-lo pelas mortes de Bruno e Dom, a Polícia Federal constatou que Villar já era suspeito de chefiar uma quadrilha de pesca ilegal na terra indígena do Vale do Javari - que fica na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
Segundo a PF, Villar pagava as contas de pescadores que atuam ilegalmente na região e também tinha envolvimento com o tráfico de drogas. Quadrilhas lideradas por ele escondiam cocaína em carregamentos de peixe, diz a PF.
O jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira desapareceram na Amazônia quando viajavam a poucos quilômetros do Vale do Javari, que é a segunda maior reserva indígena do Brasil — um território com área equivalente à de Portugal onde vivem cerca de 6 mil indígenas de sete povos diferentes.
Dias antes, Phillips havia viajado para o extremo oeste da Amazônia acompanhado de Pereira para coletar dados para um livro que estava escrevendo sobre como salvar a floresta. Bruno e Dom eram amigos e já haviam viajado juntos à Amazônia em outras ocasiões profissionais.
A região do Vale do Javari é conhecida por intensos conflitos entre diversos grupos criminosos (como quadrilhas de madeireiros e pescadores ilegais). Alguns estudos sugerem que existe ligação entre essas atividades e o narcotráfico, que está presente na região desde os anos 1970.
Em 2019, o trabalhador da Funai o trabalhador da Funai (Fundação Nacional do Índio) Maxciel Pereira dos Santos foi morto na mesma região em que Bruno e Dom. Seu homicídio segue sem solução.
O jornalista e o indigenista viajavam de barco pelos mais de 70 km que ligam o lago do Jaburu ao município de Atalaia do Norte.
Na última vez que foram vistos, em 5 de junho de 2022, eles pararam na comunidade de São Rafael, às 6h, onde tinham uma reunião marcada com o líder pescador Manoel Vitor Sabino da Costa, conhecido como Churrasco.
Dali, eles seguiram seu caminho pelo rio. A dupla deveria ter chegado a Atalaia do Norte duas horas depois, mas desapareceu. Quem soou o alerta foram os indígenas da associação indígena Univaja.
Segundo a associação, Bruno e Dom viajavam em uma lancha em bom estado e com combustível suficiente para a viagem. Indígenas começaram a realizar diversas buscas pela região, que seriam reforçadas em seguida por integrantes das Forças Armadas e das polícias estadual e federal.
Os corpos do jornalista e do indigenista foram encontrados dez dias depois do desaparecimento, em 15 de junho, após a confissão dos três primeiros acusados.
A perícia da PF apontou que Dom Phillips foi morto por um tiro disparado por uma arma de caça e Bruno Pereira, por três tiros, um deles no rosto.
Um ano após as mortes, em 2023, a viúva de Dom disse à BBC News Brasil que nada havia mudado no Vale do Javari.
"Costumo dizer que a justiça só será completa quando o Vale do Javari estiver protegido das organizações criminosas que destroem, ameaçam e matam quem se coloca na defesa da floresta", afirmou a designer baiana Alessandra Sampaio.
Nascido em Bebington, a oito quilômetros de Liverpool, no Reino Unido, Dominic Mark Phillips chegou ao Brasil em 2007 e foi morar em São Paulo. Como repórter freelancer, escreveu para jornais dos EUA e do Reino Unido, como The Washington Post, The New York Times e The Guardian.
Em 2012, Dom se mudou para o Rio de Janeiro, onde conheceu Alessandra numa festa em Santa Teresa, zona sul da cidade.
Juntos, gostavam de andar de bike, fazer trilha na mata e praticar stand-up paddle. r compartilhado minha vida com ele por quase 10 anos. Não tenho apenas uma lembrança dele, lembro da nossa rotina simples e feliz. Dom era um cara legal. Muito legal mesmo. Ele vive em mim.
"Moraram no Rio até 2020 quando, depois de sofrerem um assalto a faca, resolveram se mudar para Salvador.
Na capital baiana, o casal sonhava em adotar duas crianças. "Lembro todos os dias do Dom, grata por ter compartilhado minha vida com ele por quase 10 anos. Não tenho apenas uma lembrança dele, lembro da nossa rotina simples e feliz. Dom era um cara legal. Muito legal mesmo. Ele vive em mim."
Bruno da Cunha de Araújo Pereira era indigenista e servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele estava licenciado do cargo e assessorando a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), principal associação indígena local, num projeto para coibir invasões ao território indígena.
Bruno era considerado uns dos maiores especialistas em indígenas que vivem em isolamento ou de recente contato do país.
Bruno Pereira entrou na Funai na turma de 2010, um dos últimos concursos públicos feitos pelo órgão. Criado em Pernambuco, deixou o nordeste em meados dos anos 2000 para realizar um sonho: trabalhar na Amazônia.
"O primeiro emprego dele na Amazônia foi numa empresa terceirizada que atuava próximo à hidrelétrica de Balbina, no Amazonas. Não demorou muito e ele começou a prestar serviços para a Funai. Quando veio o concurso, ele passou e, em 2010, começou a trabalhar para o órgão", contou à BBC News Brasil Beto Marubo, da Univaja.
Pouco depois de tomar posse, ele passou uma temporada acompanhando o trabalho do indigenista Rieli Franciscato na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. Franciscato morreu em 2020 atingido por uma flecha durante uma expedição ao território de indígenas isolados.
"Ele foi para Rondônia e fez uma ou duas viagens. O Franciscato foi uma espécie de grande professor para todo mundo que queria aprender sobre os povos isolados e o Bruno aprendeu muito com ele. Quando ele sai de Rondônia e volta para o Amazonas, ele já era um grande conhecedor do assunto", disse Carlos Travassos, que chefiou a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai entre 2011 e 2016.
A coordenação é a responsável por implementar políticas de proteção e monitoramento aos povos isolados e foram contactados recentemente no Brasil. Essas populações se encontram na Amazônia e são consideradas vulneráveis tanto ao avanço de atividades ilegais quanto do agronegócio, que pressiona a fronteira agrícola do país cada vez mais ao norte.
De acordo com a Funai, há 114 registros de povos isolados no país. Oficialmente, a política do governo brasileiro é de evitar o contato com esses indígenas e garantir a proteção às terras onde eles vivem.
Pouco depois de tomar posse, ele passou uma temporada acompanhando o trabalho do indigenista Rieli Franciscato na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. Franciscato morreu em 2020 atingido por uma flecha durante uma expedição ao território de indígenas isolados.
"Ele foi para Rondônia e fez uma ou duas viagens. O Franciscato foi uma espécie de grande professor para todo mundo que queria aprender sobre os povos isolados e o Bruno aprendeu muito com ele. Quando ele sai de Rondônia e volta para o Amazonas, ele já era um grande conhecedor do assunto", disse Carlos Travassos, que chefiou a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai entre 2011 e 2016.
"Bruno tinha a postura de um líder. No serviço público, é muito comum a gente encontrar pessoas com um perfil mais conciliador, que evita conflito. Ele não era assim. Ele se posicionava de forma bastante clara quando via alguma coisa errada", lembrou o antropólogo Fernando Vianna, que preside a organização Indigenistas Associados (INA), que reúne servidores da Funai.
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