O futuro do presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, está em jogo após uma noite caótica em que ele declarou lei marcial de forma dramática e a suspendeu de forma igualmente repentina, mergulhando o país em uma crise.
Yoon, que foi eleito em 2022 por uma margem pequena de votos após uma eleição acirrada, já era profundamente impopular e estava sob crescente pressão desde que perdeu as eleições parlamentares em abril, consideradas como um voto de confiança em seu mandato.
Ele também tem sido atormentado por problemas pessoais. No mês passado, ele se desculpou em um discurso televisionado à nação por uma série de controvérsias envolvendo sua esposa, como por ter supostamente aceitado uma bolsa de luxo da marca Dior e suspeitas de manipulação de ações.
Agora, ele está sofrendo uma forte pressão para renunciar, e os parlamentares pediram seu impeachment.
Políticos de oposição apresentaram nesta quarta-feira (4/12) uma moção pedindo o impeachment do presidente Yoon Suk Yeol, depois que ele tentou impor a lei marcial que colocaria a nação sob controle dos militares.
A breve tentativa de impor lei marcial na noite de terça-feira (3/12) pegou todos de surpresa.
A medida fez com que os parlamentares corressem para a Assembleia Nacional, em Seul, para fazer uma votação para derrubar o decreto. Do lado de fora, a polícia estava a postos, enquanto milhares de manifestantes em fúria se reuniam.
A mesma multidão explodiu em aplausos quando Yoon voltou atrás em poucas horas — e declarou que revogaria a ordem de lei marcial.
O fato de ele fazer uma aposta de alto risco e depois recuar com tanta facilidade foi uma surpresa para os sul-coreanos e para o resto do mundo.
Yoon era relativamente novo na política quando chegou à presidência. Ele havia se tornado conhecido nacionalmente como promotor do processo de corrupção contra a ex-presidente Park Geun-hye em 2016, que levou a seu impeachment.
Em 2022, o político novato derrotou seu oponente liberal, Lee Jae-myung, por uma margem de menos de 1% dos votos — a eleição mais acirrada desde que a Coreia do Sul começou a realizar eleições diretas em 1987.
Em uma época em que a sociedade sul-coreana estava enfrentando divisões cada vez maiores em relação a questões de gênero, Yoon atraiu eleitores jovens do sexo masculino ao concorrer com uma plataforma contra o feminismo.
As pessoas tinham "grandes expectativas" em relação a Yoon quando ele foi eleito, de acordo com Don S Lee, professor de administração pública da Universidade Sungkyunkwan, na Coreia do Sul.
"Aqueles que votaram em Yoon acreditavam que o novo governo buscaria valores como princípio, transparência e eficiência."
Yoon também defendia uma postura agressiva em relação à Coreia do Norte. O Estado comunista foi citado por Yoon na noite de terça-feira, quando ele tentou impor a lei marcial.
Ele disse que precisava se proteger contra as forças norte-coreanas e "erradicar os elementos antiestatais", embora tenha ficado claro desde o início que seu anúncio tinha menos a ver com a ameaça do norte e mais com seus problemas domésticos.
Yoon é conhecido por gafes, que não ajudaram em seus índices de aprovação. Durante a campanha eleitoral de 2022, ele teve que voltar atrás em um comentário, depois de afirmar que o presidente autoritário Chun Doo-hwan, que declarou lei marcial e foi responsável pelo massacre de manifestantes em 1980, tinha sido "bom em termos de política".
Mais tarde, naquele ano, ele foi forçado a negar ter insultado o Congresso dos EUA em comentários feitos após um encontro com o presidente americano, Joe Biden, em Nova York.
Um microfone que ainda estava ligado e uma câmera captaram ele aparentemente chamando os parlamentares dos EUA de uma palavra coreana que pode ser traduzida como "idiotas" — ou algo muito mais forte. A gravação rapidamente se tornou viral na Coreia do Sul.
Yoon obteve algum sucesso na política externa, sobretudo melhorando a relação historicamente tensa do seu país com o Japão.
O governo de Yoon foi marcado por uma série de escândalos — grande parte envolvendo a primeira-dama, Kim Keon Hee, que foi acusada de corrupção e tráfico de influência, especialmente por supostamente ter aceitado uma bolsa da grife Dior dada por um pastor.
Em novembro, Yoon pediu desculpas em nome da esposa e rejeitou os pedidos de investigação sobre suas atividades.
Mas sua popularidade como presidente permaneceu instável. No início de novembro, seus índices de aprovação caíram para 17%, uma queda recorde desde que assumiu o cargo.
Em abril, o Partido Democrático, de oposição, venceu a eleição parlamentar com uma vitória avassaladora, derrotando Yoon e seu Partido do Poder Popular.
Yoon foi relegado ao papel de um presidente com os dias contados no poder, que se resumia a vetar projetos de lei aprovados pela oposição, uma tática que ele usou com "frequência sem precedentes", segundo Celeste Arrington, diretora do Instituto de Estudos Coreanos da Universidade George Washington, nos EUA.
Nesta semana, a oposição reduziu o orçamento que o governo e o partido governista haviam apresentado — e o projeto de lei orçamentária não pode ser vetado.
Ao mesmo tempo, a oposição estava se movimentando para destituir membros de seu gabinete, sobretudo o chefe do departamento de auditoria do governo, por não ter investigado a primeira-dama.
Colocado contra a parede diante dos desafios políticos, Yoon optou pela opção mais drástica e declarou lei marcial -— uma medida que poucos, se é que alguém, poderia ter previsto.
"Muitos analistas estavam preocupados nas últimas semanas com uma crise política devido ao confronto entre o presidente e a Assembleia Nacional controlada pela oposição", afirmou Arrington.
"Mas poucos previram uma medida tão extrema como a declaração da lei marcial."
A declaração de lei marcial por parte de Yoon foi um "exagero jurídico e erro de cálculo político", de acordo com Leif-Eric Easley, professor de estudos internacionais da Universidade Ewha Womans, em Seul.
"Com um apoio extremamente baixo da população e sem um forte apoio dentro de seu próprio partido e governo, o presidente deveria saber quão difícil seria implementar seu decreto noturno", acrescentou Easley à BBC.
"Ele parecia um político sitiado, fazendo um movimento desesperado contra os escândalos crescentes, a obstrução institucional e os pedidos de impeachment, que agora vão se intensificar."
Yoon atraiu a ira de políticos de ambos os lados, já que parlamentares reunidos às pressas — incluindo alguns do partido de Yoon — votaram a favor da suspensão da lei marcial na noite de terça-feira (03/11).
O Partido Democrático, da oposição, quer o impeachment do presidente, e até mesmo a liderança do próprio partido de Yoon exigiu que ele se retirasse do partido.
Os assessores de alto escalão de Yoon se ofereceram para renunciar em massa nesta quarta-feira, informou a agência de notícias Yonhap.
O líder da oposição, Lee, está demonstrando otimismo, dizendo aos jornalistas que a "declaração ilegal de lei marcial" por parte de Yoon é uma "oportunidade decisiva para quebrar o ciclo vicioso e voltar à sociedade normal".
As repercussões da noite de terça-feira devem ultrapassar as fronteiras sul-coreanas. O anúncio de Yoon abalou os aliados do país.
Autoridades dos EUA, um importante aliado, disseram que foram pegas de surpresa pelo anúncio do presidente — e estão pedindo à Coreia do Sul que resolva a crise "de acordo com o Estado de direito".
O Japão afirmou, por sua vez, que está monitorando a situação na Coreia do Sul com "preocupações excepcionais e graves".
Enquanto isso, a Coreia do Norte, que acirrou a tensão com o Sul nos últimos meses, pode "tentar explorar as divisões em Seul", observa Easley.
A raiva ainda toma conta da Coreia do Sul. Nesta quarta-feira (4/12), manifestantes saíram às ruas condenando Yoon.
Um dos maiores sindicatos do país, com mais de um milhão de membros, está convocando os trabalhadores a entrarem em greve até que ele renuncie.
Não se sabe ao certo o que Yoon planeja fazer. Ele ainda não fez nenhuma aparição pública desde o fiasco.
"Ele se tornou cada vez mais impopular pela maneira como lidou com os problemas criados por sua própria conduta e pela conduta da primeira-dama", disse o ex-ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Kang Kyung-wha, ao programa Newsday, da BBC.
"A bola está no campo do presidente agora para encontrar uma maneira de sair desta enrascada em que ele se meteu."
Mas não importa como Yoon decida agir, a desastrosa declaração de lei marcial já pode ter sido a gota d'água para acabar com seu frágil governo.
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