> >
Quem foi Luís Carlos Prestes, 'cavaleiro da esperança' e um dos brasileiros mais influentes do século 20

Quem foi Luís Carlos Prestes, 'cavaleiro da esperança' e um dos brasileiros mais influentes do século 20

Criador da Coluna Prestes, movimento percorreu cerca de 25 mil km em 2 anos em todo o país, chegando a reunir 1,5 mil militantes.

Publicado em 20 de março de 2025 às 07:44

Ícone - Tempo de Leitura 11min de leitura
Imagem BBC Brasil
(Getty Images)

Edison Veiga

Ele é apontado como uma das personalidades políticas mais influentes do século 20, com uma trajetória pública que começou nos anos 1920, passou pelas ditaduras do Estado Novo e do regime militar e terminaria com sua morte, há 35 anos, em 7 de março de 1990 — com o Brasil redemocratizado.

Luís Carlos Prestes (1898-1990), militar e político comunista, soube como ninguém ziguezaguear no espectro ideológico do Brasil, sem nunca deixar de ser um homem de esquerda.

"Ele deixou um legado de atitude, assim eu vejo como biógrafo", diz à BBC News Brasil o historiador Daniel Aarão dos Reis, professor na Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do livro Luís Carlos Prestes - Um Revolucionário Entre Dois Mundos.

Contudo, a proximidade e afinidade de Prestes ao regime soviético faz sombra ao seu legado.

Não há consenso entre historiadores, mas o socialismo russo, por seu autoritarismo, deixou de 8 a 61 milhões de vítimas, sobretudo sob o comando de Josef Stalin (1878-1953), que chefiou a União Soviética de 1922 até sua morte.

"A proximidade de Prestes com a União Soviética fica muito intrínseca a partir dos anos 1930, quando ele passou quatro anos lá e voltou ao Brasil na perspectiva de desenvolver uma insurreição armada no país. Ele absorveu muito da estratégia stalinista de revolução armada", explica à BBC News Brasil o historiador Victor Missiato, pesquisador do Instituto Mackenzie e autor de tese de doutorado sobre o comunismo no Brasil e no Chile.

E era uma ideia que passava longe da democracia. "Evidentemente que essa luta armada envolvia políticas de repressão e perseguição através da lógica stalinista", diz o historiador. "O stalinismo também foi um movimento totalitário."

"Como ser humano sua trajetória revela uma pessoa sem ambições de natureza econômica, social e política", afirma à BBC News Brasil o historiador Paulo Henrique Martinez, professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

"Teria sido ministro, parlamentar ou governador de destaque, sem nenhuma dificuldade. Não foi. Permaneceu fiel aos ideários que abraçou em cada momento da vida nacional. Desta sempre participou com clareza e publicidade de sua opinião e da direção política que esposava."

"A história de Prestes se confunde em grande parte com a história política e social do Brasil ao longo do século 20. Ele é um personagem extremamente complexo e traz uma certa coerência. Por isso é visto como alguém que não se curvou aos desafios de seu tempo", comenta à BBC News Brasil o historiador Bruno Gaudêncio, professor na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e autor de tese de doutorado sobre Luís Carlos Prestes.

Martinez ainda destaca a personalidade política de Prestes de "férrea disciplina no combate ideológico e na defesa de suas ideias".

"Herança do pensamento positivista, sob o qual foi formado em casa, e pela educação militar", comenta ele, lembrando que o pai de Prestes era adepto do positivismo.

"Esta herança se compôs, fácil e rapidamente, com a rígida disciplina do movimento comunista da década de 1930, no enfrentamento do nazifascismo, na Europa e fora dela. E assim continuou."

"Como mito político, Prestes é um dos casos mais complexos e emblemáticos na história do Brasil", prossegue o historiador.

"A sua mitologia foi construída e alimentada em tempo real. A longevidade, a perseverança e a contundência de suas opiniões e posições consagraram 'o velho' como um militante incansável pela justiça social e a soberania nacional."

Coluna Prestes

Gaúcho de Porto Alegre, Prestes ganhou fama ao liderar a Coluna Prestes, também chamada de Coluna Miguel Costa-Prestes. Era um movimento que pretendia "corrigir" a política brasileira.

Ele tinha sólida formação militar e fazia parte do Exército desde 1916.

Naqueles anos 1920, quartéis em todo o país estavam em polvorosa. Os militares reclamavam de suas próprias condições de trabalho e demonstravam descontentamento com os rumos políticos. Nesse meio surgiu o chamado movimento tenentista, com revoltas famosas como o Levante do Forte de Copacabana, em 1922, e a Revoluta Paulista, de 1924.

Em 28 de outubro de 1924, um grupo de militares se organizou para uma nova mobilização. Sob a liderança do capitão Luís Carlos Prestes, então comandante do 1º Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, no noroeste do Rio Grande do Sul, os revoltosos marcharam até o oeste paranaense, angariando mais forças entre batalhões e cavalarias pelo caminho.

"[Prestes] Era um dos revoltados contra aquela república liberal, excludente", pontua Reis. Eles eram contra o governo federal de Artur Bernardes (1875-1955) e o modelo conhecido como "café com leite", em que havia alternância no poder do país entre oligarcas paulistas e mineiros. Lutavam ainda pelo voto secreto e clamavam por ensino público universal, além de outras pautas como o fim da miséria e da injustiça social.

Nos dois anos do movimento, a coluna percorreu cerca de 25 mil quilômetros em todo o país, chegando a reunir 1,5 mil militantes. O movimento acabou por desgaste dos próprios integrantes.

"Prestes e seus companheiros foram perseguidos pela repressão movida sob o Estado de Sítio do governo do presidente Artur Bernardes", diz Martinez. Dali saíram figuras influentes na política brasileira.

Prestes se tornava uma liderança nacional. A essa altura já tinha sido apelidado de "cavaleiro da esperança", epíteto eternizado em biografia romanceada que Jorge Amado (1912-2001) escreveu sobre ele e publicou em 1942.

Imagem BBC Brasil
Prestes (D) seria um dos líderes da chamada Intentona Comunista. (Arquivo Biblioteca Nacional)

O partidão

Em 1928, Prestes estava na Bolívia, exilado depois do fim da coluna. Lá conheceu o marxismo e se tornou um estudioso das ideologias de esquerda, aproximando-se de militantes sul-americanos e dirigentes da organização Internacional Comunista (IC).

Depois de ser convidado e recusar participar da Revolução de 1930 ao lado de Getúlio Vargas (1882-1954), mudou-se para a União Soviética. Lá, aproximou-se dos líderes do regime socialista, atuou como engenheiro e estudou os caminhos possíveis para a esquerda.

Em 1934, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) o aceitou como filiado. No mesmo ano, Prestes retornou como clandestino ao Brasil. Já vivia com a militante comunista alemã Olga Benário (1908-1942), também integrante da IC.

Prestes seria um dos líderes da chamada Intentona Comunista, também conhecida como Revolta Comunista de 1935, Levante Comunista ou Revolta Vermelha. Foi uma tentativa fracassada de golpe contra o governo de Vargas, em novembro de 1935. O movimento, encabeçado por militares em nome da Aliança Nacional Libertadora, tinha apoio do PCB.

"A intentona fracassou, logo em seguida veio o Estado Novo. Mas durante algumas décadas o Prestes iria tentar equilibrar a ideia de uma via mais reformista, por parte do PCB. Só que até a denúncia dos crimes cometidos por Stalin, em 1956, ele manteve a defesa da linha stalinista, inclusive com manifestos escritos ou autorizados por ele, divulgados pelo partido, preservando a perspectiva de luta armada", lembra Missiato.

Em março de 1936, Prestes foi preso — amargaria o cárcere por nove anos. Sua companheira Olga estava grávida e também foi presa. Judia, ela foi deportada por Vargas para a Alemanha — morreria em câmara de gás durante a 2ª Guerra.

"No período da cadeia, Prestes reviu suas posições e passou a defender uma perspectiva de frente ampla, inclusive incluindo o próprio Getúlio Vargas, que havia sido o homem que deportou sua mulher", comenta Reis.

"Isso provocou grande escândalo na época entre os seus partidários, mas ele raciocinava que, politicamente, era preciso construir uma frente nacional contra o nazifascismo."

Política

Prestes acabou anistiado com o fim do Estado Novo. E entrou para a política convencional. Foi membro da Constituinte de 1946, comandando a chamada "bancada comunista", que tinha 14 nomes em suas fileiras. Elegeu-se deputado federal e senador — renunciou ao primeiro posto e ocupou a cadeira do Senado a partir de 1946.

Mas o breve período de legalidade de seu partido, o PCB, acabaria em 1947. No ano seguinte, por conta disso, seu mandato foi cassado e novamente ele voltou à clandestinidade.

Ao longo dos anos 1950 ele e outros militantes de esquerda debruçaram-se sobre um projeto do que eles acreditavam ser um desenvolvimento possível do país. "Quando houve a Declaração de Março de 1958 [do PCB], ele foi um dos signatários", afirma Missiato.

Nessa época, conforme explica o biógrafo Reis, Prestes era uma voz que liderava uma nova perspectiva de mudança: "mais para a transição pacífica para o socialismo", explica.

Com o golpe de 1964, o primeiro Ato Institucional cassou os direitos de Prestes por dez anos. Novamente perseguido, o político exilou-se na União Soviética. Durante o período da ditadura, segundo conta Reis, ele "buscou construir uma terceira via entre os partidários da luta armada e os partidários da conciliação com a ditadura".

"Sem sucesso, foi perdendo a liderança inquestionável que tinha no partido", acrescenta o historiador. Voltou ao Brasil somente com a anistia, em 1979. No ano seguinte publicou uma carta rompendo com o PCB.

Ao longo dos anos 1980, foi uma voz um tanto dissonante no movimento da redemocratização. Chegou a ser muito assediado por militantes de esquerda para que liderasse um novo grupo partidário, mas manteve a sua postura de que essa luta deveria ser oriunda da força popular.

"Na campanha pelas Diretas, ele sempre dizia: 'vocês estão resumindo a luta a escolher o presidente, mas a gente quer escolher o presidente para fazer o quê, exatamente?'". "Ele defendia a necessidade de as esquerdas terem um programa de mudança para o país", conta Reis.

Nos últimos anos, tornou-se apoiador, de forma crítica, das candidaturas de Leonel Brizola (1922-2004).

"Mesmo que ziguezaguendo, ele mantinha uma posição crítica. Acho importante considerar como seu legado essa ideia de dar ao país uma sociedade justa socialmente, igualitária, aqueles padrões que eram próprios do comunismo tradicional", comenta Reis.

Ziguezagues

Para os especialistas, Prestes conseguiu se manter relevante dentro do espectro ideológico da esquerda brasileira porque soube ler o seu tempo e adaptar seu discurso e suas crenças a cada momento, sem, contudo, perder o cerne condutor daquilo que acreditava ser uma sociedade ideal.

"Prestes mudou. Em pelo menos três momentos as mudanças foram decisivas", argumenta Martinez.

"Primeiro, quando cedeu aos apelos do liberalismo democrático, que aceitava a insurreição revolucionária como a saída contra a tirania e os maus governos. Rompeu com a ordem institucional da caserna e constitucional. Engajou-se nas rebeliões militares dos anos 1920, liderando a coluna que percorreu o território brasileiro pregando a moralização da política nacional e a reforma eleitoral."

O segundo momento, explica o historiador, foi quando ele abandonou o liberalismo político e "vinculou-se ao movimento comunista internacional, na conjuntura da revolução de 1930". "Recusou-se a ser o líder militar do movimento", pontua, lembrando que este foi o período mais longo de sua trajetória política.

"Manteve-se como dirigente comunista por quase meio século. Nesta condição enfrentou o Estado Novo e a ditadura militar. Viveu na clandestinidade, quase uma década na prisão, consagrou-se, depois, como liderança civil, na eleição para o Senado, em 1946, atuou na Assembleia Constituinte e amargou o exílio após 1964", recapitula o historiador.

Por fim, o terceiro ato prestista foi quando rompeu com o PCB, no início dos anos 1980. "Este é o Prestes mais próximo de nossa época", diz Martinez. "Adotou uma crítica frontal ao papel conservador, de submissão internacional e de violência sistemática contra a população, tão tristemente desempenhado pela elite econômica do Brasil."

Missiato concorda que Prestes foi "se transformando" com o passar do tempo. "Ele começou como tenentista, depois, assim como Vargas, tinha um projeto de modernização para o Brasil. Quando não aderiu ao projeto varguista da Revolução de 1930, já estava ligado às ideias comunistas", contextualiza.

"O que eu vejo é que, apesar de um alinhamento com a base do comunismo brasileiro, da estratégica comunista brasileira do final da década de 1920 até 1980, o Prestes moldou seu projeto revolucionário de acordo com diferentes projetos de modernização da sociedade brasileira", analisa. "Por isso ele vigorou durante muito tempo. Conseguiu dialogar com as transformações que ocorriam."

Missiato vê como negativo o fato de Prestes seguir se fiando em uma "perspectiva revolucionária em nome de uma ideologia, de um projeto de poder que fracassou ao longo do século 20". "Portanto, seguidores de um prestismo estão dialogando com um impossível, um improvável e até com uma ausência da realidade", comenta.

Mas ele elogia sua capacidade de adaptação estratégica política. "Ensinou muito à esquerda como atuar em diferentes momentos com suas capacidades, se manter presente, pressionar e colocar parte de suas pautas em jogo", enaltece.

"Ele não abandonou a ideia da luta armada e da via revolucionária como instrumento de luta política. Por isso o PCB perdeu cada vez mais energia no momento da redemocratização", analisa.

"Apesar de Prestes ter se tornado um político da via institucional, ele nunca deixou de defender a luta armada", completa Missiato.

O biógrafo Reis acredita que o fato de Prestes ter sido o homem-forte do PCB ao longo de tantas décadas contribuiu muito para que ele tenha sido "relevante na história do Brasil". "O partido era uma instituição que, apesar de muito perseguida e de ter existido quase sempre na clandestinidade, tentou elaborar alternativas junto a outros grupos ao desenvolvimento capitalista que o Brasil ia assumindo", contextualiza. "E o Prestes firmou-se como o grande líder do partido que era a maior organização de esquerda [do Brasil]".

"Foi um homem do seu tempo. Defendeu instransigentemente suas ideias até o fim, que as esquerdas devessem superar a conciliação e se comprometerem com um programa de mudanças", afirma Reis. "Ele sempre foi um homem fiel a suas convicções, mesmo tendo mudado as convicções ao longo do tempo. Cada vez que assumia uma posição ele assumia todas as consequências. Foi um exemplo de homem decidido, muito corajoso."

O historiador Gaudêncio acredita que o grande legado de Prestes está no "seu modo de liderar". "Foi mais do que uma pessoa, foi uma ideia", comenta.

"Até hoje, 35 anos depois da sua morte, ele é muito destacado. Porque sua vida se confundiu muito com a história política brasileira. Embora ele não tenha sido um protagonista, suas ideias sempre estiveram em evidência", conlcui.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais