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Reforma tributária concluída no Congresso: quando as mudanças nos impostos começam a valer?

Reforma tributária concluída no Congresso: quando as mudanças nos impostos começam a valer?

Promessa é que mudanças vão simplificar tributos e impulsionar economias, mas efeitos vão demorar anos

Publicado em 18 de dezembro de 2024 às 15:45

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Imagem BBC Brasil
(Getty Images)

O Congresso deu mais um passo importante para a implementação da reforma tributária com a aprovação do principal projeto de lei que regulamenta as mudanças nos impostos nesta terça-feira (17/12).

A Câmara dos Deputados aprovou um dos projetos que regulamentam a reforma e que trata de reduções e isenções de tributos a alguns setores; do imposto do "pecado"; e mecanismos de cashback (devolução de impostos) para pessoas de baixa renda, entre outras medidas. Agora, o texto segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O texto foi votado pela Câmara após alterações que haviam sido feitas no Senado.

A reforma foi aprovada no final de 2023, após trinta anos de discussão, com a alteração da Constituição brasileira pelo Congresso, mas detalhes do funcionamento do novo sistema foram definidos na regulamentação adotada agora.

Essa reforma busca simplificar a tributação sobre o consumo de bens e serviços e pode ter forte impacto positivo sobre o crescimento econômico, segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil.

Mas esse impacto ainda levará alguns anos, pois a previsão é que a unificação de impostos seja implementada gradualmente a partir de 2027, quando começa uma fase de testes, e entre em vigor integralmente apenas em 2033.

Após esse período, o Brasil deixará de ter cinco impostos (PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI), que serão unificados em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

O IVA brasileiro terá dois componentes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a ser cobrada pela União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a ser partilhado por Estados e municípios.

Além disso, será criado o Imposto Seletivo, também chamado de "imposto do pecado", que incidirá sobre produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como bebidas açucaradas, veículos automotores, bebidas alcoólicas e cigarros.

O objetivo é encarecê-los para desestimular seu consumo. A alíquota desse imposto ainda será definida em outro projeto de lei.

Outra questão ainda em aberto é qual será a alíquota do novo IVA, pois ela será calibrada durante a fase de testes dos novos impostos. Projeções indicam que poderá ser a maior do mundo, ficando perto de 28% ou mesmo acima disso.

Esse patamar ocorre por dois fatores:

  1. O sistema tributário brasileiro atual é muito concentrado na taxação de bens e serviços, e o novo imposto vai manter a carga tributária atual, para que União, Estados e municípios não percam receitas que bancam os serviços públicos;
  2. Muitos setores, como o de alimentos e saúde, foram beneficiados com exceções (descontos no IVA); com isso, o valor da alíquota tem que ser maior para manter o mesmo volume de arrecadação atual.

A regulamentação aprovada prevê uma "trava" para impedir que a alíquota do IVA ultrapasse 26,5%, mas isso dependerá de o Congresso reduzir as exceções concedidas.

Essa trava poderá ser acionada em 2031, durante o processo de implementação do novo imposto. Se for detectado que a alíquota ficará acima disso, o governo terá que enviar ao Congresso um projeto de lei com propostas de redução dos descontos concedidos a determinados setores.

Apesar de a reforma não ter como objetivo a redução da carga tributária, o governo Lula e economistas independentes dizem que as mudanças vão melhorar o ambiente de negócios e facilitar o crescimento da economia.

Já parlamentares de oposição defenderam ao longo da tramitação do projeto que a reforma aumentará a tributação e traz muitas exceções (redução de impostos para alguns setores). Boa parte dessas exceções, porém, foram incluídas na reforma pelo próprio Congresso.

Entenda a seguir, em cinco pontos, o que efetivamente muda com a reforma tributária.

1. Simplificação de impostos

A reforma tributária prevê a substituição de cinco tributos — PIS, Cofins e IPI, de competência federal; e ICMS e ISS, de competências estadual e municipal, respectivamente — pelo IVA.

O IVA é um imposto que incide de forma não cumulativa, ou seja, somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de um bem ou serviço, excluindo valores pagos em etapas anteriores.

O modelo acaba com a incidência de impostos em cascata, um dos problemas históricos do sistema tributário brasileiro.

Atualmente, mais de 170 países adotam o IVA, entre eles Canadá, Austrália, diversos países membros da União Europeia e emergentes como Índia, além de latino-americanos, como México, Colômbia, Chile e Argentina.

O IVA brasileiro seguirá um modelo chamado de IVA Dual, dividido em duas partes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de Estados e municípios.

Com a reforma, a cobrança de impostos deixará de ser feita na origem (local de produção) e passará a ser feita no destino (local de consumo), uma mudança que visa dar fim à chamada guerra fiscal — a concessão de benefícios tributários por cidades e Estados, com objetivo de atrair o investimento de empresas.

Pela proposta, produtos importados devem pagar o IVA da mesma forma que itens produzidos no Brasil; já exportações e investimentos serão desonerados.

Haverá uma alíquota padrão e outra diferenciada (com desconto), para atender a setores como a saúde.

2. Maior IVA do mundo?

Imagem BBC Brasil
Serviços de saúde pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. (Getty Images)

A futura alíquota do novo imposto, porém, virou alvo de polêmica. Críticos da reforma dizem que o IVA brasileiro vai elevar a carga tributária — o que é contestado por especialistas e pelo governo — e citam projeções de economistas indicando que a alíquota pode chegar a 28%, a maior do mundo.

Embora ainda não seja possível cravar qual será a alíquota do IVA brasileiro, defensores da reforma reconhecem que será alta para padrões internacionais.

No entanto, ressaltam que isso reflete o fato de o Brasil ter uma grande parte da sua arrecadação sobre produção e consumo — diferentemente de outros países com IVA menor, que arrecadam mais sobre renda e propriedade.

A ideia, destacam os apoiadores da mudança, é que o novo IVA arrecade exatamente o que hoje os cinco impostos — IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS — rendem às três esferas do poder público — sem, portanto, elevar a carga tributária atual.

O objetivo de manter a mesma arrecadação é não desfalcar o caixa dos governos, já que esse dinheiro é usado para bancar serviços públicos, como escolas, hospitais e o funcionamento das polícias.

Entusiastas da reforma dizem ainda que a reorganização e a simplificação do sistema, por meio da unificação dos impostos, impulsionarão o crescimento e ampliarão o poder de compra da população.

"Como a futura alíquota será correspondente à carga tributária de hoje, então o Brasil já tem esse maior IVA do mundo. Só que o novo sistema trará muito mais transparência", defendeu a especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá, ao conversar com a reportagem no final de 2023, quando a reforma foi aprovada.

Melina explicou ainda que a alíquota base do IVA também ficará mais alta no Brasil devido aos descontos dados na reforma a alguns setores.

Serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia.

No caso dos alimentos, alguns itens serão isentos e outros terão alíquota de 40%.

Hoje, o maior IVA do mundo é o da Hungria (27%). Os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm alíquota média de 19,2%.

Dos 38 integrantes da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA.

Para Melina Rocha, porém, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem levar em conta o sistema tributário de cada um deles.

"Não dá para comparar a alíquota nominal padrão de um país com outro, justamente porque esses outros países, que têm uma alíquota menor do IVA, têm uma alíquota muito maior sobre renda", argumentou.

Segundo um relatório da Receita Federal com dados de 2020, a carga tributária média dos países da OCDE estava em 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB) naquele ano, enquanto a brasileira era de 30,9% do PIB.

3. 'Imposto do pecado'

O Imposto Seletivo, também conhecido como "imposto do pecado", será uma espécie de sobretaxa que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

Entre esses produtos estão cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, veículos, embarcações e aeronaves.

O Imposto Seletivo será de competência federal, com arrecadação dividida com os demais entes da federação.

A Câmara reverteu uma alteração do Senado e voltou a incluir as bebidas açucaradas, como refrigerantes, no Imposto Seletivo.

Já o item armas não foi incluído no imposto seletivo, o que, na prática, vai reduzir a carga tributária sobre esse produto quando a reforma entrar em vigor.

A proposta de tributar mais os armamentos chegou a ser debatida no Senado e na Câmara, mas não foi aprovada.

Imagem BBC Brasil
O 'imposto do pecado' será de competência federal, com arrecadação dividida com os demais entes da federação. (Reuters)

4. Cesta básica e cashback

A reforma tributária prevê ainda a criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, com itens que ficaram isentos de IVA ou terão desconto no tributo. E também institui o cashback, a devolução total ou parcial do imposto para os mais pobres.

A lista de itens isentos na cesta básica inclui arroz, feijões, macarrão, carnes, peixes, ovos, manteiga, margarina, raízes e tubérculos, frutas, aveias, sal, açúcar, café, leite, fórmulas infantis, queijos, mate, óleo de babaçu, grão de milho e farinhas de trigo, mandioca e milho.

Já a lista com desconto de 60% do IVA inclui itens como mel natural, massas alimentícias recheadas, pão de forma, extrato de tomate, cereais em grão e óleos de soja, palma, girassol, cártamo, algodão, canola e coco.

Nesse segundo grupo, entraram também os sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar, adoçantes ou conservantes, e as polpas de frutas sem adição de açúcar, adoçante ou conservante.

Já no caso do cashback, a regulamentação prevê devolução de 100% da CBS e de ao menos 20% do IBS nas faturas de energia, água, gás e telecomunicações para pessoas de baixa renda.

Essa devolução vai beneficiar famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) com renda familiar mensal por pessoa declarada de até meio salário mínimo. As regras valerão a partir de janeiro de 2027 para a CBS e a partir de 2029 para o IBS.

A proposta inicial do governo não previa isentar itens da cesta básica, pois esse tipo de desconto beneficia pessoas de todas as rendas.

Para o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, o melhor seria adotar apenas o cashback para os mais pobres, mantendo o imposto para as outras classes.

A ideia é que isso permitiria ter uma alíquota padrão de IVA menor.

Essa proposta foi defendida também por alguns especialistas, como Melina Rocha, da York University, e o ex-auditor da Receita Federal Eduardo Fleury, sócio da área tributária do escritório FCR Law.

Já a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) fez campanha por uma ampla lista de desoneração de itens de alimentação.

O Congresso acabou optando por manter a cesta básica, mas com uma lista menor do a defendida pelo setor.

5. Tempo de transição

Segundo o texto da reforma tributária, o período de transição para unificação dos tributos vai durar sete anos, entre 2026 e 2032.

A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. A transição foi prevista para não haver prejuízo de arrecadação para Estados e municípios.

Pelo cronograma proposto, em 2026, haverá uma alíquota teste de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre Estados e municípios).

Em 2027, PIS e Cofins deixarão de existir e a CBS será totalmente implementada. A alíquota do IBS permanecerá em 0,1%.

Entre 2029 e 2032, deve haver uma redução paulatina das alíquotas do ICMS e do ISS e elevação gradual do IBS, até a vigência integral do novo modelo em 2033.

Já a transição da cobrança de impostos da origem para o destino deve acontecer em 50 anos, de 2029 até 2078.

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