SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A cinco dias das eleições na Venezuela, o regime do ditador Nicolás Maduro bloqueou o acesso a sites de notícias independentes, de acordo com uma ONG e um sindicato da imprensa venezuelana.
A VE Sin Filtro, que documenta casos de censura, afirmou que as restrições foram impostas nas principais operadoras de internet estatais e privadas venezuelanas contra os sites Tal Cual, El Estímulo, Runrunes, Analítico e Mediaanálisis, além do site da própria organização.
Ainda de acordo com a ONG, o bloqueio teria começado por volta das 12h locais (13h de Brasília) de segunda-feira (22). O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa (SNTP) endossou as informações.
Segundo a imprensa local, a ordem partiu da Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações). Os sites foram bloqueados para IPs (espécie de registro de endereço de conexão à internet) na Venezuela. A Folha de S.Paulo conseguiu acessar todos os portais que estão bloqueados no país.
O VE Sin Filtro é um braço da ONG Conexión Segura, que atua com direitos digitais na Venezuela. A organização tem entre seus projetos um aplicativo que permite o acesso a sites bloqueados, driblando a censura.
A mídia venezuelana afirma também que, entre os sites com restrições, há pelo menos três que checam notícias falsas - Espaja.com, Cazadores de Fake News e Observatorio Venezolano de Fake News. Os dois primeiros teriam sido bloqueados no início da campanha eleitoral.
Com as restrições impostas nesta segunda, passa de 60 o número de meios de comunicação bloqueados pelas principais operadoras do país, de acordo com o VE Sin Filtro - muitos deles já tinham restrições antes mesmo da corrida eleitoral.
Em relatório divulgado no início do mês, o chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, disse estar preocupado com o aumento de bloqueios de sites no país. Na ocasião, eram pelo menos 50 portais com restrições, afirmou ele, seis a mais do que no período do relatório anterior.
"Incentivo as autoridades a suspender as restrições ao espaço cívico, protegê-lo e garantir processos eleitorais totalmente transparentes, inclusivos e participativos, em conformidade com os padrões internacionais", afirmou Turk, que alertou também para "dez novos casos de encerramentos indevidos de rádios". O documento foi publicado quase cinco meses depois da expulsão do escritório do comissário do país, em fevereiro.
De acordo com a ONG Repórteres Sem Fronteiras, o cerceamento ao pluralismo da imprensa aumentou na Venezuela nos últimos anos.
"Desde que chegou ao poder, em 2013, Nicolás Maduro seguiu a política de 'hegemonia comunicacional' implementada por seu antecessor, Hugo Chávez", afirma a organização em seu site. "Devido ao monopólio oficial das importações de papel e dos fornecimentos de impressão, as edições em papel de uma centena de jornais desapareceram. Uma política opaca de atribuição e revogação de concessões de frequências fez com que 200 estações de rádio fechassem as portas. Além disso, o governo venezuelano está empenhado em bloquear o conteúdo de notícias na internet."
A Venezuela ocupa a 156ª posição no ranking de liberdade de imprensa organizado pela entidade, que avalia 180 países.
O cerco à imprensa faz com que grande parte da população perca acesso ao jornalismo. O Atlas do Silêncio, projeto do Ipys (Instituto Imprensa e Sociedade, na sigla em espanhol), mostra que, dos cerca de 31 milhões de pessoas que moram no país, 7 milhões vivem em um "deserto de notícias", ou seja, não têm acesso a jornalismo local de qualidade. Outros 8 milhões vivem em "desertos de notícias moderados".
Maduro, que tem aumentado o tom de seus discursos nos últimos dias, chamou os meios de comunicação internacionais de lixo em um comício na última sexta (19), citando as agências CNN em espanhol, EFE, AFP e AP. "Eles têm planos para gritar 'fraude'. Estão tentando manchar o processo eleitoral", afirmou.
Em nota publicada no dia seguinte, a Associação de Imprensa Estrangeira na Venezuela pediu respeito ao trabalho de meios de comunicação e agências internacionais e rechaçou agressões ao trabalho jornalístico por parte de autoridades e atores políticos no país. A associação pediu ainda que a imprensa internacional não fosse envolvida no debate político nem em acusações infundadas.
No domingo (21), o coordenador de campanha de Maduro, Jorge Rodriguez, exigiu "respeito à verdade sobre a Venezuela e aos resultados eleitorais" do pleito. Ele afirmou que "a extrema direita, o fascismo, a ultradireita venezuelana estão preparados para não reconhecer a verdade e para não reconhecer o resultado eleitoral".
"Respeitem a verdade, sobretudo. Eles vêm inventar coisas, vêm alimentar uma fantasia que não tem outro objetivo que não reconhecer o resultado das eleições", disse.
Não é apenas na retórica que o líder tem avançado - as ações contra a oposição nos últimos meses também se intensificaram, à medida que as eleições presidenciais do próximo domingo (28) se aproximam. De acordo com institutos de pesquisa, o principal adversário do ditador, o diplomata Edmundo González, lidera as intenções de voto.
González saiu como candidato após a principal figura da oposição, María Corina Machado, ser impedida de concorrer e sua primeira alternativa, Corina Yoris, também não conseguir inscrever sua candidatura.
A Plataforma Unitária Democrática principal coalizão de oposição e à qual pertencem González e Machado criticou o bloqueio em mensagem n X. "Seguir censurando meios é uma medida que busca restringir o acesso à informação diante do 28 de julho, mas os venezuelanos a esta altura já têm claro o seu voto."
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