A Rússia ameaçou diretamente os Estados Unidos com um ataque nuclear maciço caso algum submarino americano faça um lançamento de míssil, independentemente de ele carregar ou não ogivas atômicas.
O recado inusual foi dado pelo Ministério das Relações Exteriores e, se pode ser lido como uma afirmação de força em meio à pandemia do novo coronavírus, é reposta a uma escalada promovida pelo governo de Donald Trump.
No começo do ano, os EUA anunciaram ter equipado um primeiro submarino lançador de mísseis balísticos Trident com uma nova ogiva de potência reduzida -5 kilotons, ou um terço da força da bomba que arrasou Hiroshima em 1945.
Segundo a nova doutrina nuclear americana, implantada por Trump em 2018, o uso dessas armas táticas, que visam anular alvos militares restritos, seria aceitável em algumas circunstâncias. A alegação é que os russos já tinham tal arma, embora não admitissem.
Segundo a porta-voz do ministério russo, Maria Zakharova, o movimento "aumenta o risco de um conflito nuclear". "Eu gostaria de enfatizar que qualquer ataque de um submarino americano de mísseis balísticos, independentemente de suas características, será percebido como um ataque com armas nucleares".
"De acordo com a nossa doutrina militar, uma ação dessas será considera motivo para o uso retaliatório de armas nucleares pela Rússia", completou, em entrevista na quarta (29).
A decisão de Trump de colocar em uso a ogiva W76-2 no submarino USS Tennessee já havia provocado críticas de parlamentares russos, mas agora a discussão subiu um degrau importante.
O presidente Vladimir Putin tem criticado sistematicamente os movimentos de Trump, dizendo que ele aumenta o risco de uma guerra nuclear. Por outro lado, o russo está na vanguarda do desenvolvimento de novas armas estratégicas, como mísseis hipersônicos e novos ICBMs (mísseis intercontinentais pesados).
Os dois países são as potências indiscutíveis no campo, herança da Guerra Fria: têm 92% das ogivas no mundo, mais do que o suficiente para inviabilizar a civilização.
Moscou tem, segundo a Federação dos Cientistas Americanos, 1.600 dessas armas prontas para uso. Washington, 1.750. As lançadas por submarinos americanos usualmente têm 455 kilotons, enquanto mísseis intercontinentais disparados de silos ou lançadores podem chegar a mais de 1 megaton.
Como lembram observadores dessa realidade, como o diplomata brasileiro Sérgio Duarte, se o mundo está sofrendo com a Covid-19 e suas até aqui mais de 200 mil mortes, um embate nuclear seria impossível de lidar com eficácia.
Obviamente ninguém espera que as duas potências entrem em conflito, mas especialistas alertam que as ações americanas de fato tornam maior o risco de algum acidente acontecer.
Isso porque há certo consenso de que Trump considera, de fato, o uso de armas de baixa potência em caso de conflito com outros adversários: a Coreia do Norte e o Irã. Mas a fala de Zakharova sugere que qualquer ataque poderia merecer uma reação, e os dois países rivais dos EUA têm laços com a Rússia.
Em fevereiro, o Pentágono inclusive fez uma rara divulgação de um exercício de guerra nuclear no qual os russos atacavam primeiro, com uma bomba de baixa potência, um alvo da Otan (aliança militar ocidental) na Europa.
A crise da Covid-19 também aumentou a tensão entre americanos e seus rivais. Norte-coreanos testaram mísseis de cruzeiro, e a China tem feito exercícios navais no momento em que os EUA estão com os dois porta-aviões na região do Pacífico desabilitados devido a infecções por pela doença entre as tripulações.
Na semana passada, num movimento ainda não explicado, os EUA retiraram a sua força de bombardeiros estratégicos de Guam, território que possuem no Pacífico e que é central para quaisquer operações na região.
Lá se alternavam modelos B-52, B-1B e eventualmente os furtivos B-2. Todos voltaram para bases nos EUA, levando à especulação de que Washington já não considera a região segura ante eventuais ataques balísticos de chineses ou até de norte-coreanos.
Além de carregarem eventualmente armas nucleares, esses aviões seriam a linha de frente em qualquer ataque contra Pyongyang, por exemplo. O Pentágono afirma que a mudança visa dar flexibilidade a seu uso, uma explicação pouco convincente.
A questão que fica é: os EUA irão desguarnecer Guam? Além da base aérea de Anderson, na ilha há uma grande base naval -onde, aliás, está o porta-aviões USS Theodore Roosevelt, evacuado devido à Covid-19.
Há questões subsidiárias. Se Guam está vulnerável, o que dizer do Japão, localizado ao lado da China e da Coreia do Norte e onde está o maior contingente de forças americanas no exterior, 55,6 mil militares?
A Rússia, por sua vez, segue com a rotina de exercícios militares inalterada, com ações semanais em diversas regiões. Patrulhas aéreas também continuam sendo feitas.
Caças da Finlândia, Suécia, Polônia e Dinamarca tiveram de interceptar dois bombardeiros com capacidade de ataque nuclear Tu-160 que fizeram uma patrulha nesta semana sobre o mar Báltico. Cada um desses enormes aviões pode levar até 12 mísseis de curto alcance com armas nucleares ou 6 versões de cruzeiro.
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