SÃO PAULO - Dois dias depois do audacioso ataque à ponte da Crimeia, que liga a península anexada em 2014 ao território russo, as forças de Vladimir Putin fizeram, nesta segunda-feira (10), o mais amplo ataque a cidades da Ucrânia em mais de três meses.
Ao menos 75 mísseis, segundo o Exército ucraniano, atingiram alvos nos 11 principais centros urbanos do país, como Kiev, Kharkiv e Lviv. A capital registrou ao menos quatro explosões, no primeiro ataque desde o dia 26 de junho — ao menos 11 pessoas morreram e 64 ficaram feridas.
A ação é uma retaliação do Kremlin à explosão — atribuída a um caminhão-bomba, mas ainda mal explicada — ocorrida no sábado (8), na gigantesca obra que Putin inaugurou em 2018 como uma das principais de seu governo de mais de duas décadas.
Após confirmar em uma reunião do Conselho de Segurança da Rússia a natureza do ataque desta manhã de segunda, Putin prometeu novas reações. "Se continuarem as tentativas de realizar ataques terroristas em nosso território, as respostas da Rússia serão duras e correspondentes ao nível de ameaça criado", afirmou.
O presidente russo classificou o episódio, que destruiu uma das pistas da ponte, de "ataque terrorista contra infraestrutura civil crítica". Ele afirmou ter atingido centros de comando e o sistema energético ucraniano, uma mudança de tom: até então, Putin só falava em alvos das Forças Armadas.
Em um sinal da escalada, na TV estatal russa, o termo usado para designar os alvos desta segunda foi infraestrutura civil.
"Se tivéssemos feito isso todos os dias desde o início da operação, tudo teria acabado em maio", afirmou, no Telegram, o premiê da Crimeia anexada, Serguei Aksionov. Em Kiev, um míssil caiu nas proximidades de uma universidade, matando motoristas em seus carros, no primeiro bombardeio na região central da cidade desde o começo da guerra, em fevereiro.
"Putin é um terrorista que fala por meio de mísseis", afirmou o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, no Twitter. Uma das explosões na capital foi captada durante uma transmissão ao vivo da rede britânica BBC, com o repórter no local, o brasileiro Hugo Bachega, buscando abrigo logo em seguida. O metrô da cidade virou o abrigo preferencial na hora do rush matinal (madrugada no Brasil).
Os ataques foram condenados por líderes do Ocidente horas depois. O presidente da França, Emmanuel Macron, reafirmou seu apoio, inclusive militar, a Kiev, enquanto os ministros das Relações Exteriores do Reino Unido e da Itália descreveram o episódio como "inaceitável" e "vil", respectivamente, no Twitter.
Na mesma plataforma, o presidente Volodimir Zelenski afirmou que o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, havia concordado com uma reunião urgente do G7 para discutir o caso. O secretário-geral da ONU, António Guterres, denunciou o que chamou de "escalada inaceitável".
Já a Otan (aliança militar ocidental) condenou o episódio como "horrendo", e a China, maior aliada da Rússia, pediu para que ambos os lados trabalhem para conter o agravamento da crise". A Índia, que transita entre Moscou e Washington, falou o mesmo.
"A vida estava praticamente normal, mas agora parece que voltamos no tempo", disse por aplicativo de mensagem Oleh Makienko, jornalista independente que trabalha na capital, que foi pego de surpresa pelos ataques na rua, correndo para se esconder em uma estação subterrânea.
Parte dos mísseis foi lançada de bombardeiros estratégicos voando no mar Cáspio. A retaliação é uma reação não só à humilhação na ponte perto de Kertch, na Crimeia, mas também à série de derrotas em campo nas últimas semanas: perdeu territórios ocupados em Kharkiv e viu tropas ucranianas romperem suas defesas em Kherson (sul) e Donetsk (leste).
Essas duas regiões, assim como Lugansk (leste) e Zaporíjia (sul), foram anexadas na semana retrasada por decreto de Putin, apesar de suas forças não as controlarem totalmente. Diferentemente do que ocorreu na Crimeia em 2014, quando havia um senso de fato consumado no Ocidente da absorção sem conflito, agora tudo indica uma escalada na guerra.
Putin ficou sob pressão da linha dura de seu entorno. Além de decretar a anexação e uma mobilização impopular de 300 mil reservistas, o russo agora elevou a intensidade de seus ataques com efeito psicológico. No mesmo sábado em que a ponte foi atacada, o Kremlin trocou o comandante geral das operações no país vizinho.
Parte da linha dura tem advogado publicamente o uso de armas nucleares táticas, de potência limitada, contra os ucranianos. Um de seus mais vocais representantes, o líder tchetcheno Ramzan Kadirov, postou no Telegram que "finalmente estou satisfeito" com a condução da guerra, que ele havia criticado na semana passada.
Pelas imagens disponíveis, foram empregados pela primeira vez em meses diversos mísseis de cruzeiro Kalibr, que aparentemente estão sendo poupados pelo Kremlin após uso intensivo no início da guerra.
São armas caras e sofisticadas, e segundo observadores haveria dificuldade em repô-las também pela escassez de chips ocidentais utilizados nelas. Em compensação, Moscou tem feito ataques com mísseis menos precisos e também com drones suicidas que tem comprado do Irã.
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