Desde que a Rússia anunciou, ainda na noite de quarta-feira (23), o início de uma operação militar na Ucrânia, os brasileiros vêm comentando (e fazendo memes) nas redes sociais sobre a possibilidade de o Brasil entrar no conflito. O presidente Jair Bolsonaro, que visitou o presidente russo Vladmir Putin recentemente, ainda não se manifestou a respeito da escalada de violência militar, apenas falou sobre a preocupação com os brasileiros que estão no país ucraniano
Mais cedo, o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, afirmou que o país não ficará neutro. "O Brasil não está neutro. O Brasil deixou muito claro que ele respeita a soberania da Ucrânia. Então, o Brasil não concorda com uma invasão do território ucraniano. Isso é uma realidade, disse na manhã desta quinta-feira (24). O Itamaraty também condenou a tensão.
Mas, quais seriam os ritos necessários para que o Brasil entre em alguma guerra?
A Gazeta ouviu dois especialistas em Relações Internacionais que explicaram o passo a passo previsto na Constituição Federal para uma declaração de guerra. Há dois caminhos para se entrar em um conflito armado.
Um deles pode ocorrer caso o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) resolva entrar em alguma disputa e convide o país a ceder militares para apoiar operações de paz. Foi o que ocorreu no Haiti, em 2004, quando o Brasil fazia parte do conselho como membro não-permanente. Outra possibilidade é declarar guerra a algum outro país, como aconteceu em 1942, após navios brasileiros serem torpedeados por submarinos alemães e italianos. Nos dois casos, contudo, a decisão parte do presidente, que precisa do aval do Congresso para enviar as tropas brasileiras para a guerra.
Segundo o artigo 49 da Constituição Federal de 1988, é de competência exclusiva do Congresso Nacional autorizar o presidente tanto a declarar guerra quanto a celebrar a paz, ou ainda "permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente", descreve a Carta Magna. A entrada na guerra deve ser aprovada por maioria absoluta mais que a metade dos parlamentares em votação na Câmara dos Deputados e em outra no Senado.
O envio de tropas para uma guerra sem autorização do Congresso ou até mesmo a provocação de um presidente brasileiro contra um governo estrangeiro que provoque alguma hostilidade contra a República, são considerados crime de responsabilidade previstos na Lei do Impeachment, de 1950.
Com uma guerra declarada, o Executivo pode solicitar o estado de sítio, que também precisa ser aprovado pelo Congresso. Se a solicitação ocorrer durante o período de recesso parlamentar, os congressistas são convocados para votar a medida em até cinco dias. Caso o presidente receba o aval dos parlamentares, as garantias constitucionais são suspensas até o fim do conflito, como explica o doutor em Relações Internacionais e professor da Faap-SP Vinícius Rodrigues Vieira.
"O estado de sítio tem a possibilidade de suspender garantias constitucionais, mas não se diz (na lei) quais delas podem ser suspensas. Isso dá margem ao governo, após ser legitimado pelo Legislativo, suspender alguns pontos. Como não passamos por uma situação dessas, não está claro como funcionaria. Há a interpretação de que cláusulas pétreas (a forma federativa do Estado, o voto direto e secreto, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais) não poderiam ser suspensas. O que a Constituição pontua é que o Congresso não poderá ser fechado, de maneira que não permita que o presidente se torne um ditador", afirmou.
Para o cientista político e professor de Relações Internacionais da UNICAP-PE Thales Castro, o estado de beligerância, ou seja, quando o Brasil declara guerra a um outro país, aumenta os poderes do Executivo.
Em caso de guerra declarada, os primeiros a serem convocados são os militares da ativa. Em segundo momento, são chamados os militares da reserva que tenham deixado as Forças nos últimos cinco anos. Somando esse contingente, já seria cerca de 500 mil pessoas. Em um terceiro momento, aqueles que serviram às Forças e possuem até 45 anos de idade. Apenas esgotadas essas três possibilidades, seriam convocados os civis considerados aptos.
Segundo a Lei do Serviço Militar, qualquer brasileiro pode ser convocado a defender o país. A legislação prevê que o governo federal determine um limite de idade, analisando "as circunstâncias da ocasião".
As mulheres civis, que não se alistaram nas Forças Armadas, podem ser mobilizadas, mas não vão para zonas de operações, ou seja, onde há conflitos. A lei, que é de 1939, descreve que elas atuem em "encargos compatíveis com a sua situação e natureza, seja nos hospitais, indústrias ou trabalhos correlatos com as necessidades de guerra". Eclesiásticos padres, pastores, bispos, pais de santo e demais líderes religiosos não integram as tropas, mas também podem exercer outras funções. Alguns cidadãos podem pedir a isenção por deficiência física ou "moléstia incurável" para não serem incorporados às Forças Armadas. Contudo, em tempo de guerra, o governo tem a prerrogativa de revisar essas isenções.
A pena para insubmissão em tempos de guerra é de dois a cinco anos de prisão com trabalho e proibição para exercer qualquer função ou cargo público entre cinco a dez anos.
O término do conflito e as negociações de paz também precisam passar pelo Legislativo. Também compete ao Congresso designar uma comissão de cinco membros para acompanhar e fiscalizar as ações e medidas tomadas durante o estado de sítio, caso seja decretado. Ao fim da guerra, também são cessados os efeitos do estado de sítio. Não há nenhum tipo de anistia prevista e os executores e agentes do governo podem ser responsabilizados por atos ilícitos que tenham sido cometidos durante o período.
A versão original desta matéria tratava sobre a tensão entre os Estados Unidos e o Irã. O material foi atualizado para contextualizar com o atual cenário, de conflito entre Rússia e Ucrânia.
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