Donald Trump, magnata do ramo imobiliário, não conseguiu construir o muro na fronteira dos EUA com o México como prometeu. No entanto, seus quatro anos de governo ergueram uma barreira legal invisível, formada por políticas restritivas a imigrantes legais, ilegais, requerentes de asilo e refugiados, afetando até os que já vivem no país.
Trump transformou o sistema de imigração. Relatório do Migration Policy Institute aponta que a mudança ocorreu de maneira abrangente e em pequenos detalhes técnicos em todo o portfólio de imigração. Segundo o instituto, elas deverão perdurar por muito tempo e ficarão como grande emaranhado de regras que um eventual sucessor terá dificuldade de desfazer.
O relatório, assinado pelas especialistas Sarah Pierce e Jessica Bolter, destaca que foram mais de 400 mudanças na política migratória feitas sem passar pelo Congresso. Elas explicam que, por serem frutos de decretos e ordens presidenciais, um eventual sucessor ou o próprio Trump, em um segundo mandato, poderia, em teoria, desfazer muitas delas. "No entanto, o ritmo acelerado para realizar mais de 400 mudanças pode ter garantido a longevidade delas."
No site da Casa Branca, o governo defende a construção do muro e outras medidas para proteger o trabalhador americano. "Os EUA devem adotar um sistema de imigração que atenda ao interesse nacional. Para restaurar o estado de direito e proteger a fronteira, Trump está empenhado em construir um muro e garantir a remoção rápida das entradas ilegais".
Para o professor e fundador do Centro de Comunicação e Marketing Hispânico da Florida State University, Felipe Korzenny, as medidas de Trump moldaram a política migratória para ser nacionalista e excludente, em um esforço para agradar à sua base, e não para proteger empregos dos americanos.
"Em sua tentativa de agradar àqueles que são isolacionistas e etnocêntricos (racistas) como ele, Trump tentou difamar qualquer um que não se parecesse com aqueles de herança europeia branca. O muro era apenas um símbolo de exclusão, independentemente de sua logística ilógica, especialmente em tempos de tecnologia avançada", afirmou Korzenny.
O relatório do Migration Policy Institute destaca que o governo Trump reduziu consideravelmente as entradas ilegais na fronteira sul dos EUA e renovou esforços para fiscalizar internamente os imigrantes em situação irregular, dentro do que ficou conhecido como a "política de tolerância zero".
Em 2018, enquanto milhares de famílias da América Central cruzavam a fronteira sul dos EUA em busca de asilo, o Departamento de Justiça ordenou a prisão de qualquer pessoa que entrasse sem autorização. Isso forçou a separação de centenas de famílias e a remoção de crianças, em alguns casos de colo, de seus pais. Mais de 5 mil crianças, incluindo brasileiras, foram separadas e hoje pelo menos 545 continuam em centros de detenções sem que suas famílias tenham sido localizadas.
Após apresentar grande número de opções para lidar com o aumento das chegadas na fronteira com o México, em 2019, o Departamento de Segurança Interna instituiu uma combinação de políticas interligadas que limitaram o asilo na fronteira e, em conjunto com o aumento da fiscalização no México - após ameaças de tarifar seus produtos -, reduziram as entradas ilegais nos EUA.
As políticas bloquearam o acesso ou elegibilidade para a grande maioria dos requerentes de asilo nos EUA. E, embora as apreensões na fronteira sul, em 2019, tenham atingido o nível anual mais alto em 12 anos, a partir de junho daquele ano as apreensões caíram drasticamente. Neste ano, a pandemia deu ao governo a oportunidade de fechar ainda mais a fronteira.
Além dos latinos, cidadãos de países de maioria muçulmana foram afetados pela política. Trump conseguiu autorização da Suprema Corte para aprovar seu veto aos muçulmanos com severas restrições à entrada de residentes de 13 países. Embora a Casa Branca tenha usado como argumento a falta de segurança nesses países, a medida reduziu o programa de refugiados, que caiu de 110 mil admissões no governo anterior para 15 mil.
As medidas, segundo Korzenny, têm funcionado como mensagem aos seguidores de Trump, por acreditar que elas ajudam o país. "Mas, em grande parte, eles desconhecem a importância do trabalho e das contribuições que os imigrantes trazem para os EUA."
Em paralelo, Trump trabalhou para reduzir a migração legal. Segundo o New York Times, o governo ameaçou demitir 70% dos funcionários dos Serviços de Cidadania e Imigração, culpando a pandemia, mas o verdadeiro problema seriam as políticas restritivas e atrasos nos pedidos de visto, que reduziram a receita das taxas de processamento que financiam a agência.
Os pedidos de residência permanente também diminuíram desde que o governo anunciou, em agosto de 2019, que rejeitaria pedidos de vistos temporários e de residência para quem tenha rendimento abaixo de certos níveis ou receba auxílios públicos. Entre os beneficiados pelo green card antes da medida, 69% tinham pelo menos uma dessas características, segundo o Migration Policy Institute.
Para especialistas, a promessa de Trump de reduzir a imigração foi alcançada, ainda que seu emblemático muro não tenha passado de 5 km construídos. Desde o início, sua ideia de fazer o México pagar pela obra pouco convenceu os americanos, com exceção de seus seguidores.
O México praticamente ignorou a alegação, e mesmo Trump parece ter abandonado a ideia. O projeto que custaria US$ 21,5 bilhões ficou ainda mais distante após os democratas retomarem a maioria na Câmara, em 2018, e se posicionarem contra. No fim daquele ano, a oposição rejeitou liberar US$ 5 bilhões do orçamento para o muro. A saída encontrada por Trump, ainda questionada legalmente, foi redirecionar dinheiro da Defesa e de outros fundos para a obra.
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