O Talibã quer reaver a frota de caças brasileiros A-29 Super Tucano que escapou no fim de semana passado da tomada final de poder do grupo fundamentalista que havia governador o Afeganistão de 1996 a 2001.
Não só ele: os Estados Unidos fazem movimentos junto ao Uzbequistão para que os aparelhos, comprados da Embraer pela Força Aérea Americana e depois doados para os afegãos, sejam repatriados.
O pedido do Talibã é explícito, feito numa entrevista à agência Reuters pelo membro da cúpula Waheedullah Hashimi nesta quarta (18), que disse esperar o retorno de todos os aviões e helicópteros que pousaram em países vizinhos enquanto o grupo se aproximava de Cabul.
O grupo já controla o restante da Força Aérea afegã, criada pelos EUA na esteira da invasão de 2001, mas não tem nenhum piloto.
Já a gestão americana está sob as sombras da diplomacia, segundo a Folha ouviu de pessoas do governo americano. Além da questão política, os EUA desembolsaram quase US$ 560 milhões (sem correções) em dois contratos por 26 aviões da Embraer, 23 dos quais estavam no Afeganistão quando o Talibã tomou o poder, no domingo (15).
O destino dos Super Tucano é uma das sagas paralelas à avassaladora ascensão do Talibã, que retomou o controle do país após meras duas semanas de ofensiva contra centros urbanos - nas duas décadas de ocupação militar ocidental, o grupo sempre controlou áreas no país.
Comprados a partir de 2011 pelos americanos para ser a ponta de lança da nova Força Aérea Afegã, os aviões foram feitos nos EUA pela Embraer e entregues por meio de uma parceira local da fabricante brasileira.
O último lote, com três aeronaves, teve sua entrega aprovada pelos EUA em julho. A operação afegã começou em 2016.
Aparelho especializado e armado para atividades de contra insurgência a baixo custo, já que é um monomotor turboélice e não um jato bimotor como o F-15 amplamente usado pelos americanos no país, o Super Tucano simbolizou a tentativa dos EUA de emancipar militarmente os afegãos.
Quando havia apenas 14 dos caças no país, em 2019, eles chegaram a ser responsáveis por um terço das bombas despejadas sobre alvos talibãs. Mas isso foi minguando, dada a falta de reposição de munição para Cabul e um problema humano.
O Talibã, que nunca operou aeronaves e não tinha mísseis antiaéreos capazes de derrubar os Super Tucano, passou a matar os pilotos e suas famílias. Pelo menos 7 de cerca de 30 aviadores formados nos EUA foram atingidos.
Agora, Hashimi diz que é para esquecer o passado. "Nós contatamos vários pilotos e pedimos eles para se unir a nós, seus irmãos, seu governo", afirmou.
Parece algo otimista, dado que pelo menos 14 pilotos e um número incerto de copilotos, já que o Super Tucano tem dois lugares, podem ter voado para o Uzbequistão. Um dos aviões caiu na fuga, ou derrubado por fogo antiaéreo ou num choque com um caça de escolta, a depender da versão.
Além do mais, não basta ter os pilotos. Um avião como o Super Tucano depende de minuciosas inspeções para operar, e basta apagar o software de controle de armas que ele não irá disparar um tiro - se houver quem saiba municiá-lo e se as armas estiverem disponíveis.
Não se sabe exatamente quantos ficaram para trás e se os afegãos os desabilitaram. Apenas uma foto emergiu de combatentes talibãs em torno de um dos modelos, ao lado da versão armada do antigo Cessna Caravan, na base aérea de Mazar-i-Sharif.
Os americanos querem seus aviões, de resto doados a um governo que não mais existe, de volta. O Uzbequistão é uma ex-república soviética que busca uma posição de destaque na Ásia Central, com bons laços com os EUA e a China, além de obviamente a Rússia.
O caminho parece aberto para um gesto de boa vontade com os americanos, mas se Tachkent reconhecer o Talibã como governo, a história muda.
Há interesses outros em pauta: está em curso a construção de uma linha de 200 km ligando a uzbeque Surkhan à afegã Puli-Khumri, um negócio de US$ 110 milhões que aumentará em 70% a exportação energética de Tachkent para o vizinho.
Até aqui, os uzbeques mantiveram o apoio logístico a aliados dos EUA e fizeram exercícios militares liderados por russos no Tadjiquistão, visando intimidar transbordamentos de conflitos do Afeganistão.
Além dos Super Tucano, voaram para longe do Talibã ao todo 22 aviões e 24 helicópteros. Para trás ficaram pelo menos 91 dessas aeronaves de asas rotatórias, que, sem manutenção, terão o destino dos aparelhos soviéticos abandonados na retirada de 1989: carcaças para crianças brincarem.
Se essas armas mais sofisticadas demandam atenção especial, por outro lado o Talibã está com um acesso inédito a armamento para uso em solo do qual nunca dispôs, como 775 peças de artilharia, centenas de veículos e blindados, fuzis e pistolas modernas, equipamento de visão noturna.
Boa parte disso estava nas mãos do Exército afegão e outra, em depósitos que os americanos não tiveram tempo de esvaziar ante o espraiamento da ofensiva talibã. Os mercados de armas das áreas tribais paquistanesas logo estarão inundados com antigos fuzis AK-47 usados pelo Talibã.
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