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'Tragédia agrava crise e tensão política no Líbano', diz cientista político

"Tragédia agrava crise e tensão política no Líbano", diz cientista político

Na avaliação do cientista político Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard, a explosão agrava a tensão política, porque ocorre em um momento de questionamento das lideranças

Publicado em 5 de agosto de 2020 às 11:54

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Explosão em Beirute, no Líbano deixa ao menos 10 mortos
Explosão em Beirute, no Líbano deixou dezenas de mortos e milhares de feridos na capital. (Reprodução/Vídeo)

No mesmo dia em que o governo enfrentava protestos nas ruas de Beirute, uma explosão deixou dezenas de mortos e milhares de feridos na capital, agravando ainda mais a tensão em um país que vive dura recessão econômica desde o ano passado. Com a inflação corroendo os salários, a desvalorização da libra libanesa (moeda local) e a pandemia de Covid-19 agravando a pobreza, a estimativa é que o PIB caia 12% este ano.

Na avaliação do cientista político Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard, a explosão agrava a tensão política, porque ocorre em um momento de questionamento das lideranças e às vésperas do veredicto do assassinato do ex-premiê Rafic Hariri. A seguir, trechos da entrevista.

Após a explosão, surgiu a desconfiança de que pudesse ser um atentado dado o histórico de violência do país. Por que essa conexão?

  • O Líbano tem uma história trágica. Diversas autoridades importantes foram assassinadas nas últimas décadas, com violência, bombas, explosivos. Já houve atentados contra ex-presidentes, primeiros-ministros, lideranças do Exército. Então, toda vez que ocorre uma explosão de grande magnitude, a tendência é inferir que é um atentado contra alguém importante ou que está relacionado a algum objetivo.

A explosão ocorreu nas vésperas do veredicto do ex-primeiro-ministro Rafic Hariri, ele mesmo assassinado em um atentado. Há alguma relação?

  • Acredito que não há nexo causal de uma coisa com a outra. A decisão do tribunal se arrasta há quase uma década e todo mundo sabe qual vai ser. Estranho seria se quem foi acusado durante dez anos for inocentado. Tudo indica que foi acidental o motivo da explosão.

O Líbano viveu um dia de protestos em Beirute. Qual o contexto desses atos contra o governo?

  • O país está quebrado economicamente. Declarou falência e não tem como pagar as dívidas com as instituições financeiras internacionais. Isso também é parte das restrições econômico-financeiras impostas ao país, que aprofundaram a crise, elevando ainda mais a taxa de desemprego, que já era alta. Há impacto nas cadeias de suprimento, o Líbano é um país que importa praticamente tudo, tem poucos recursos. Então, são muitas as limitações. O novo governo tenta fazer um ajuste econômico, mas por mais que seja feito, implica em reforma do Estado, reforma tributária, corte de salários. Isso não é suficiente se o bloqueio econômico e o estrangulamento financeiro seguirem em curso.

Que consequências imediatas essa explosão pode trazer?

  • O local do acidente, o porto de Beirute, é um ponto importante. É de onde muitos produtos que entram e saem do país são escoados. Em uma situação em que o Líbano está imerso em uma gravíssima crise, ter um porto daquela importância inoperante tende a agravar os contornos da crise e elevar a tensão política.

Há perspectiva de mudança no curto e médio prazos?

  • O governo tem muito pouco tempo (começou em janeiro). Não dá para tirar um país imerso endemicamente na corrupção assim. A classe política esteve envolvida nos mais variados crimes de caráter financeiro. Não tem como solucionar todo esse funcionamento da dinâmica institucional que está carcomido pela corrupção. É muito difícil em um governo de pouco tempo encontrar soluções. E é preciso lembrar que boa parte dos políticos permanece em posições de força no poder.

Como estão as investigações contra os políticos acusados de corrupção?

  • O Judiciário do Líbano não é independente, não há uma efetiva separação dos poderes. O Poder Judiciário obedece à dinâmica de ser fracionado em grupos partidários vinculados a determinadas lideranças. Ele não prima pela transparência. Não há um caso de corrupção em qualquer tribunal em qualquer instância que esteja investigando e operando para condenar quem ao longo de décadas destruiu a economia por meio do desvio de recursos públicos.

Que peso você atribui às manifestações ocorridas nesta semana contra o governo. Elas podem provocar mudanças?

  • Não consigo enxergar no momento mudanças efetivas como resultado dessas manifestações. Primeiro, as demandas são as mais variadas. Alguns querem mudança no formato do processo eleitoral, outros querem a exclusão da classe política inteira, o seu banimento nas próximas eleições. É difícil harmonizar esses pedidos e anular as forças políticas existentes, pois elas têm uma base popular importante, uma representatividade e um reconhecimento. Como efetuar reformas sem elas? Antes da covid-19, a cidade viveu manifestações durante quase um mês e, mesmo assim, isso não alterou o sistema político. Cortaram um privilégio aqui e outro ali, mas não é isso que vai restaurar a economia do país.

No início também se falou que essa explosão pudesse estar ligada ao Hezbollah, que negou. Qual o peso desse grupo hoje na política libanesa?

  • É uma força política como todas as outras, tem uma expressividade grande dentro do país e não tem como tangenciar. Toda vez que você tenta excluir um grupo representativo, imobiliza o sistema político. O próprio governo hoje tenta alterar, fazer mudanças efetivas em vários sentidos e não consegue. Há forças políticas, algumas que não estão no governo, que não querem transformações. A chave é achar um ponto de equilíbrio para trazer todas as frentes a um ponto comum.

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