Embora o atual presidente dos EUA, Donald Trump, venha se recusando a aceitar publicamente a derrota na eleição para o democrata Joe Biden, o discurso nos corredores da Casa Branca e nos círculos internos do Partido Republicano é mais comedido -e um tanto preocupado.
Reportagem publicada na quarta (11) pelo jornal The Washington Post reúne relatos de funcionários e conselheiros da Presidência, membros do partido de Trump e doadores de campanha. Segundo os depoimentos, o presidente já estaria preparando terreno para concorrer a um novo mandato, em 2024.
Ainda não se fala em reconhecer abertamente a vitória de Biden, mas segundo o jornal, o republicano tem "discutido com naturalidade" a possibilidade de uma campanha para o próximo pleito presidencial -"Uma indicação de que ele sabe que seu tempo como presidente está chegando ao fim, pelo menos por agora".
"Só vou concorrer em 2024. Vou concorrer de novo", teria dito Trump, de acordo com um alto funcionário do governo americano que falou em condição de anonimato ao jornal.
Parte da frustração do presidente e de seus aliados mais próximos é baseada na incapacidade de a campanha republicana reunir evidências da suposta fraude eleitoral que alimenta o discurso de que Biden só foi declarado vencedor porque os processos de votação e apuração foram corrompidos.
Sem elementos concretos para sustentar as acusações, Trump levantava a possibilidade de "golpe dos democratas" mesmo antes do período de votação antecipada e há meses da eleição, em 3 de novembro.
O principal alvo do republicano era o voto por correio, modalidade utilizada há décadas pelos americanos e com baixíssimos índices de fraude. Conforme os resultados parciais da apuração nos estados eram divulgados, o atual presidente subia o tom nas redes sociais, enquanto membros do seu partido começavam uma enxurrada de ações judiciais para tentar interromper as contagens.
Trump considera fraude o fato de ter liderado o começo da contagem em diversos estados, até que os votos por correio começaram a ser contabilizados. Republicanos tendem a votar presencialmente, enquanto democratas costumam recorrer ao serviço postal, movimento intesificado em meio à Covid-19.
Não há nada de irregular no processo -mas o republicano diz que é um roubo.
Nesta quarta-feira (11), Trump publicou em seu perfil no Twitter um vídeo que contém imagens de uma multidão sem máscaras durante um comício de sua campanha, acompanhado de um discurso motivacional e uma legenda "NÓS VENCEREMOS" que reforça a atitude de contestar os resultados.
Outros notáveis esforços para manter essa retórica combativa vieram do vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e do secretário de Estado americano, Mike Pompeo. Na segunda (9), Pence disse que a eleição "não acaba até acabar" e que Trump vai "continuar lutando até que cada voto legal seja contado".
Um dia depois, Pompeo falou em "transição suave para um segundo mandato Trump" e se negou a reconhecer a vitória de Biden, repetindo a tese de que é preciso contar "todo voto legal".
No vocabulário republicano, não está claro o que está sendo considerado um "voto legal", já que as autoridades eleitorais do país não encontraram evidências de ação ilícita sistêmica no pleito.
Nos bastidores, por outro lado, segundo um conselheiro ouvido pelo Post, Trump tem passado os dias ao telefone, "tentando encontrar pessoas que lhe deem boas notícias". Em algumas das conversas, o presidente indicou que entende que precisará deixar a Casa Branca em janeiro.
Entre os doadores de campanha, os relatos são de que há pessoas assinando cheques polpudos para financiar a empreitada de questionamentos na Justiça, embora nem todos o façam com muita convicção.
"Muito provavelmente, encontrarão alguma fraude, mas não o bastante para justificar a desqualificação de votos que façam Trump vencer em estados suficientes e, consequentemente, a Presidência", disse Doug Deason, um dos doadores convidados para a festa na Casa Branca no dia da eleição, ao Washington Post.
Para ele, investigar as supostas fraudes apontadas pelos republicanos pode não reverter o cenário, mas daria aos apoiadores do presidente "o conforto de que Biden ganhou de forma justa". Segundo Tim Murtaugh, um porta-voz da campanha do atual presidente, os milhões de americanos que votaram em Trump "merecem saber que a eleição foi justa e segura, assim como todos os que votaram em Joe Biden".
"O objetivo é garantir que os votos legais sejam contados e os ilegais descartados, não apenas para esta eleição, mas para todas as eleições futuras", disse Murtaugh. "Este será um processo metódico, e cada passo que dermos nos aproxima de nosso objetivo de reeleger o presidente."
Ainda de acordo com pessoas do entorno de Trump ouvidas pela reportagem, o humor do presidente não está em seus melhores dias. Desde o anúncio da vitória de Biden, no último sábado, enquanto o republicano jogava golfe, sua expressão denotava irritação e mesmo cansaço.
Trump passou os últimos dias evitando aparições públicas, embora tenha mantido a assiduidade nas redes sociais. Quebrou o jejum nesta quarta, ao participar de uma cerimônia do Dia dos Veteranos no Cemitério Nacional de Arlington, na Virgínia, em homenagem a soldados enterrados sem identificação.
Com aparência abatida, ele participou de um rito no qual entregou uma guirlanda, ouviu o hino nacional e prestou continência, mas não discursou.
O clima de incerteza na Casa Branca também se traduz pela ausência de alguns dos principais conselheiros da Presidência, infectados pelo coronavírus. São os casos de Mark Meadows, chefe de gabinete de Trump, David Bossie, consultor externo que comanda a empreitada judicial da campanha, e Brian Jack, diretor político da Casa Branca.
Há, segundo o Washington Post, funcionários da residência oficial do presidente atualizando currículos para procurar novos trabalhos. "Mas eles também vivem com medo, já que o conselheiro sênior de Trump, Johnny McEntee, promete demitir qualquer pessoa que for pega procurando emprego", diz o jornal.
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