Donald Trump seguiu o roteiro esperado ao encerrar a convenção republicana, na noite desta quinta-feira (27). O presidente aceitou formalmente a nomeação como candidato do partido à reeleição num discurso agressivo, diante de mais de 1.500 pessoas na Casa Branca, em que definiu Joe Biden como uma ameaça aos EUA que pode destruir os empregos e a grandeza americana caso vença em novembro.
"Joe Biden não é um salvador da alma dos EUA. Ele é o destruidor dos empregos dos EUA, com a chance de ser o destruidor da grandeza americana", afirmou Trump. Segundo o presidente, a eleição deste ano é a "mais importante da história" porque decidirá sobre o "futuro do sonho americano."
A classe trabalhadora, principalmente em estados como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, é considerada decisiva para a disputa deste ano -parte desses eleitores são independentes, que ora votam em democratas, ora em republicanos e, portanto, muitas vezes são definidores do pleito.
O republicano fez ataques sistemáticos ao adversário, a quem chamou de fraco, e disse que passou os últimos quatro anos "revertendo os danos que Biden causou ao país nos últimos 47" -o democrata foi senador por seis mandatos no Congresso americano e vice de Barack Obama, sucessor de Trump, de 2009 a 2017.
Trump citou Biden pelo nome dezenas de vezes no discurso de mais de uma hora. O democrata, por sua vez, não mencionou o nome do presidente nenhuma vez em seu pronunciamento na convenção de seu partido.
O presidente usou seu pronunciamento para cristalizar a mensagem que percorreu a convenção durante toda a semana, de que a eleição de novembro é uma escolha entre a manutenção dos valores conservadores americanos e a violência e o vandalismo que, segundo Trump, invadiriam o país sob os democratas.
Para Trump, Biden coloca em risco a segurança dos americanos e ninguém estará a salvo no governo do democrata. O presidente insiste na ideia de que Biden vai tirar dinheiro da polícia, uma das demandas dos ativistas antirracismo no país, mas o democrata já afirmou diversas vezes que é contra essa proposta.
"Em nenhum momento os eleitores enfrentaram uma escolha tão clara entre dois partidos, duas visões, duas filosofias ou duas agendas", disse Trump. "Apesar de toda a nossa grandeza como nação, tudo o que conquistamos agora está em perigo. Esta eleição decidirá se salvamos o sonho americano ou se permitimos que uma agenda socialista destrua nosso querido destino."
O presidente rebateu ainda parte do discurso de Biden durante a convenção democrata, na semana passada, em que o ex-vice de Obama se colocou como um "aliado da luz" que vai tirar os EUA de uma temporada de escuridão.
"Os EUA não são uma terra envolta em trevas. Os EUA são a tocha que ilumina o mundo inteiro", disse Trump.
"Biden diz que é um aliado da luz, mas sua agenda nos deixa completamente no escuro. Ele não tem a menor ideia", completou o presidente, acrescentando que a agenda do democrata "é conjunto de propostas mais extremistas já apresentado por um candidato [...] A agenda de Biden é made in China, enquanto a minha é made EUA".
Trump afirmou que Biden sempre esteve "do lado errado da história" e repetiu que o pleito deste ano "decidirá se protegemos os americanos que cumprem a lei ou se damos rédea solta aos violentos anarquistas, agitadores e criminosos que ameaçam nossos cidadãos."
Biden, por sua vez, é um líder do establishment democrata e tem conduzido uma campanha centrista sob um arco de apoio que vai desde progressistas até figurões republicanos cansados da retórica belicosa do atual presidente.
Nesta quinta (27), Trump quis mostrar união de seu partido e fez um raro aceno para além da sua base, formada principalmente por homens brancos e conservadores.
"O Partido Republicano avança unido, determinado e pronto para receber milhões de democratas, independentes e qualquer um que acredite na grandeza dos EUA e no coração justo do povo americano."
O gesto é considerado pouco usual para Trump, mas não mudou a rota principal de seu discurso, centrado no divisionismo e na narrativa de que Biden é um político de extrema esquerda.
A retórica voltada à guerra cultural serve para renovar a energia de seus apoiadores conservadores e amedrontar moderados que flertam com a candidatura do democrata.
"A China seria dona do nosso país se Biden fosse eleito", disse Trump sobre um tema caros aos americanos, cada vez mais anti-Pequim.
Apesar de ter o apoio do senador Bernie Sanders, por exemplo, ícone da esquerda americana, Biden não abraça completamente propostas que costumam assustar moderados, como o desmantelamento da polícia, a legalização da maconha e saúde e educação grátis para todos.
O argumento de que democratas são anarquistas que vão abolir subúrbios e prejudicar a classe trabalhadora, repetido por Trump, remete a seus ataques à oposição durante os protestos antirracismo e contra a violência policial que tomaram após o assassinato de George Floyd, e tiveram o apoio de Biden.
As manifestações, porém, eram quase sempre pacíficas, com casos pontuais de violência e depredação.
Trump tenta convencer moradores dos subúrbios, principalmente mulheres escolarizadas, de que sua segurança estará em risco em um eventual governo democrata.
Nesta semana, os atos antirracismo ganharam novos e graves contornos depois que Jacob Blake, um homem negro morador do estado de Wisconsin, foi baleado pelas costas por um policial branco. Um adolescente branco de 17 anos foi preso suspeito de matar dois ativistas que saíram às ruas após o episódio.
Nesta quinta, o presidente disse que fez muito mais por pessoas negras do que Biden -que tem o apoio de cerca de 80% desse eleitorado no país- mas não se pronunciou diretamente sobre o caso Blake ou endereçou soluções para a questão de desigualdade racial.
Em seu primeiro mandato, Trump inverteu a lógica da Presidência, utilizando o governo a serviço de seus interesses públicos e privados. O cruzamento da linha entre governo e campanha teve seu ápice no discurso desta quinta, quando aceitou sua candidatura de dentro da Casa Branca.
Em dezembro de 1979, durante a crise dos reféns no Irã, Jimmy Carter declarou que disputaria a reeleição em uma pequena cerimônia na Casa Branca.
Dezenas de manifestantes protestaram em frente à sede do Poder Executivo, durante a fala de Trump, que contou com uma plateia de mais de 1.500 pessoas que, em sua maioria, não usava máscara e não respeitava o distanciamento social -Washington permite reuniões de, no máximo, 50 pessoas ao ar livre por causa do coronavírus.
Ao fim do discurso de uma hora e dez minutos, houve uma queima de fogos e um show de um tenor de ópera ao vivo na Casa Branca.
Em razão da pandemia, parte da convenção republicana tem sido feita de maneira remota, e os discursos são transmitidos por vídeo.
Trump acredita que é possível repetir a fórmula do medo que utilizou para vencer Hillary Clinton em 2016, e seu discurso nesta quinta mostrou que o presidente decidiu dobrar a aposta.
Há quatro anos, porém, Trump se apresentava como outsider e faturava sobre os eleitores cansados da política tradicional após oito anos de governo Obama.
Agora, o republicano é o presidente no cargo em um cenário de pandemia que já matou quase 180 mil pessoas no país, uma crise econômica que fez a taxa de desemprego saltar de 3,5% para 13%, além dos protestos antirracismo, sobre os quais Trump tem reagido com truculência.
Ele insiste que a economia americana ia bem antes do coronavírus e que será capaz de reconstruir o país depois da crise.
A postura do presidente diante da pandemia foi errática e ineficaz, mas Trump costuma maquiar ou ignorar essa realidade e aposta na melhora do quadro nos estados-chave até às vésperas da eleição, inclusive prometendo uma vacina para a Covid-19 até o fim do ano.
"O planeta inteiro foi atingido por um novo e poderoso inimigo invisível, como aqueles bravos americanos antes de nós, estamos enfrentando esse desafio, estamos entregando terapias que salvam vidas e iremos produzir uma vacina antes do final do ano, ou talvez até mais cedo", disse nesta quinta.
O presidente avalia que é possível fazer com que mais gente decida votar nele em novembro, principalmente da classe trabalhadora de áreas rurais do país.
Em desvantagem nas pesquisas nacionais, Trump sabe que pode perder no voto popular, como há quatro anos, e faz sua investida sobre grupos específicos -pessoas brancas e conservadoras- em estados que podem garantir sua vitória no Colégio Eleitoral, sistema de voto indireto que escolhe o chefe da Casa Branca.
Segundo o site Five Thirty Eight, que compila as principais pesquisas do país, Biden tem hoje 50,6% ante 42,2% de Trump.
Um dos presidentes mais populares nas fileiras do Partido Republicano, Trump monopolizou a convenção e fez aparições em todos os dias do evento, guardando para esta quinta sua fala mais importante.
Durante a abertura, fez um discurso de quase uma hora, em que repetiu habituais ataques e disse que os democratas "estão usando a Covid-19 para roubar as eleições".
Na terça, em um movimento sem precedentes, levou atos de governo para a convenção, misturando mais uma vez Presidência e campanha. Na penúltima noite, apareceu ao lado do vice-presidente, Mike Pence, depois que seu companheiro de chapa terminou discurso também marcado por ataques a Biden.
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