Na quarta-feira, minutos depois de o presidente americano publicar uma incendiária propaganda de campanha eleitoral que falsamente acusava os democratas de inundarem os Estados Unidos com imigrantes indocumentados "assassinos", racistas virulentos começaram a celebrar nas redes.
"Eu amo isso. Deveríamos estar fazendo vídeos como esse", disse um deles. Outro internauta comparou o anúncio com o vídeo "With Open Gates" sobre os "perigos da imigração para a Europa", que viralizou em 2015 e agradou neonazistas e nacionalistas brancos. À época, grupos que lutam contra discursos de ódio condenaram o vídeo.
Essas publicações, que apareceram no fórum de política do 4chan, painel de mensagens on-line conhecido por agregar discursos e imagens extremistas, não eram um episódio isolado. Nas últimas semanas, enquanto Trump e seus aliados realizaram uma campanha de medo para levar os eleitores republicanos às urnas nas eleições legislativas de meio de mandato, que serão realizadas nesta terça-feira, comunidades de extrema direita na internet foram estimuladas. E suas visões, oxigenadas por líderes republicanos.
Esses grupos aplaudiram quando Trump sugeriu que o bilionário judeu George Soros poderia estar financiando secretamente a caravana de migrantes latino-americanos que se desloca pelo México uma referência subliminar a uma teoria de conspiração antissemita cultivada entre neonazistas e nacionalistas brancos há anos.
Eles expressaram sua aprovação quando Trump começou a provocar temores em relação ao que chamou de "multidões violentas e revoltadas da esquerda", bicho papão da extrema direita. E encontraram traços de suas ideias na retórica de Trump, incluindo menções feitas pelo presidente a um obscuro conflito sobre o direito à posse de terras envolvendo fazendeiros brancos na África do Sul e o fato de ele chamar de "invasores" imigrantes em busca de asilo.
DIÁLOGO IMAGINÁRIO COM TRUMP
Desde a eleição de 2016, as comunidades de extrema direita entraram numa espécie de diálogo imaginário com o presidente. Elas criam e disseminam slogans e gráficos para depois comemorar quando esses materiais aparecem na conta de Trump no Twitter alguns dias ou semanas mais tarde. Elas cuidadosamente dissecam as declarações do presidente, procurando pistas de que as influenciaram. E quando elas encontram essas pistas, as consideram uma prova de que Trump é "ourguy" ("um dos nossos", em inglês). Trata-se de um rótulo que os extremistas da internet usam para aqueles que, segundo acreditam, compartilham seus pontos de vista, mas são incapazes de dizê-lo diretamente em público.
"Há um ciclo retroativo entre o Twitter de Donald Trump e movimentos de extrema direita", diz Sophie Bjork-James, professora assistente de antropologia da Universidade Vanderbilt. "Eles não são todos apoiadores de Trump, mas a linguagem dele lhes dá ideias que circulam em espaços das mídias sociais ocupados pelo extremismo".
A assessoria de imprensa da Casa Branca não respondeu a vários pedidos de comentários.
Extremistas de direita uma categoria abrangente para uma confusa constelação de neonazistas, nacionalistas brancos, criptofascistas, niilistas e trolls que buscam atenção - variam amplamente em estilo e ideologia. Alguns se reúnem em público, em fóruns como o 4chan e o Reddit, além de plataformas públicas como o Gab, a rede social do Twitter usada pelo suspeito de abrir fogo e matar 11 pessoas numa sinagoga de Pittsburgh. Outros se comunicam em canais privados da Discord, uma plataforma de bate-papo, ou em aplicativos de mensagens criptografadas como Telegram ou Wire. Alguns são fervorosos defensores de Trump, enquanto outros se opõem a ele, alegando que não é radical o suficiente.
O que eles têm em comum é um sentimento de poder. Uma sensação de que os limites para discursos serem considerados aceitáveis estão se ampliando na era Trump. E uma suspeita de que quando eles falam, Trump, ou aqueles com acesso a ele, possam estar ouvindo.
É difícil quantificar quantos extremistas de direita existem nos Estados Unidos. Muitos operam anonimamente ou pseudonimamente online, e poucos encontros acontecem no mundo real. Mas alguns canais privados para neonazistas e outros grupos extremistas têm milhares de membros, e espaços tradicionais da direita como um fórum pró-Trump no Reddit, o "r/the_donald", que tem mais de 600 mil membros amplificaram as mensagens extremistas.
'GUERRA MEMÉTICA'
Trump pode não estar conscientemente incitando esses esforços. Mas especialistas em extremismo on-line dizem que sua relutância em refrear os elementos radicais de sua base criou uma abertura para ideias mais extremas se espalharem. Talvez essa relutância nunca tenha sido tão bem expressa quanto pelo seu posicionamento depois do protesto de extremistas "Unite the Right" em Charlottesville, no estado da Virgínia, no ano passado.
Joan Donovan, pesquisador do instituto de pesquisa Data & Society, que estuda o extremismo de direita on-line, diz que os cantos mais distantes da internet geralmente servem como um campo de testes para mensagens políticas que levam as ideias marginais ao centro da esfera pública.
"Eles incubam (essas ideias) em vídeos do YouTube e artigos, espalhados através de influenciadores, e lentamente elas se divorciam de suas raízes politizadas", diz Donovan.
A capacidade dos extremistas on-line de impulsionar, adaptar e amplificar as mensagens políticas os transformou numa força poderosa na era da política da internet, à medida que candidatos e autoridades eleitas buscam o que é popular nas redes para moldar suas próprias mensagens.
"Eu não acho que Trump esteja definindo a agenda aqui", diz Donovan. "Ele está surfando numa onda de atenção que está acontecendo on-line. Ele não teria a capacidade de lançar essas políticas se não houvesse um quórum de pessoas se preparando para apoiá-lo e impulsionar essas ideias em várias plataformas".
Mesmo quando Trump denuncia o extremismo, muitos de seus seguidores on-line vêem isso como uma concessão forçada, em vez de uma expressão de suas verdadeiras crenças. No último fim de semana, enquanto Trump falava sobre os perigos do antissemitismo após o tiroteio em massa na sinagoga Árvore da Vida,em Pittsburgh, os fanáticos da internet garantiam uns aos outros que Trump ainda estava do lado deles.
Nem todo extremista on-line tem o objetivo de moldar o pensamento de Trump em questões quentes, é claro. Para alguns, apenas ser notado é o prêmio.
"Eu estou tão contente por ter alcançado o objetivo que estipulei para mim mesmo há dois anos: conseguir que o presidente retuitasse um meme que eu fiz", escreveu um usuário do Reddit que não quis ser entrevistado, a menos que o "The New York Times" lhe pagasse US$ 200 por hora pelos seus "serviços de consultoria de guerra memética".
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