Preocupado com a subida do Brasil no ranking dos países com mais casos do novo coronavírus, o Uruguai está desestimulando a tradicional participação de brasileiros na colheita da cana-de-açúcar, que começa nesta quarta-feira (20) e dura cinco meses.
Todos os anos, cerca de 1.500 trabalhadores cortam cana na safra na cidade de Bella Unión, no norte uruguaio, que faz fronteira com a gaúcha Barra do Quaraí, a 608 km de Porto Alegre, e com Monte Caseros, na Argentina.
Na safra de 2019, cerca de 160 brasileiros atuaram no país vizinho, de acordo com Luis Rolin, secretário geral da União de Trabalhadores Açucareiros de Artigas (UTAA). Neste ano, a expectativa é que o total de brasileiros não chegue a 40 -uma redução de 75%.
No início do mês, o ministro da Saúde, Daniel Salinas, visitou a cidade de Artigas, capital do departamento ao qual pertence Bella Unión, e anunciou um protocolo sanitário para evitar a proliferação do novo coronavírus pelas fronteiras.
Isso por conta dos números da pandemia: enquanto o Brasil somava 271.628 casos de contaminação e 17.971 mortes até quarta-feira (20), o Uruguai contava apenas 738 diagnósticos e 20 mortes.
Barra do Quaraí ainda não tem registro da doença, mas cidades brasileiras mais próximas como Quaraí e Uruguaiana somavam 21 casos até quarta.
De acordo com o novo protocolo, os brasileiros precisam ficar pelo menos seis dias em quarentena assim que chegam às fazendas onde ficarão alojados durante a temporada.
Depois desse período de isolamento, os trabalhadores são testados para o novo coronavírus -e, claro, apenas aqueles com resultado negativo podem trabalhar. Além disso, somente os "cortadores", como são chamados, que já possuem autorização de trabalho no país vizinho e que já trabalharam em safras anteriores poderão ser contratados, o que restringe ainda mais a entrada dos brasileiros.
"Evitando, na medida do possível, que se incorpore funcionários novos vindos do Brasil", diz o texto do protocolo, assinado pela médica Karina Rando, da coordenação do ministério.
Além disso, as saídas das fazendas para retornar ao Brasil e visitar as famílias, antes autorizadas a cada 15 dias, agora serão liberadas apenas a cada 30 dias durante os cinco meses de colheita. E a cada retorno ao Uruguai a quarentena deve ser repetida.
Mais do que dificultar a entrada dos trabalhadores, há quem defenda que os produtores radicalizem e não contratem brasileiros de jeito nenhum, para evitar qualquer risco de contaminação.
"O protocolo é justamente para nossa proteção porque não há nenhum caso aqui. Fizemos uma recomendação aos produtores de cana para não chamar brasileiros porque entendemos que há o risco da fronteira. Onde vivemos não há casos", disse Djelil Brysk, presidente da Associação dos Plantadores de Cana-de-Açúcar (Apcanu) de Bella Unión.
Segundo Brysk, nem todos produtores deixarão de contratar brasileiros. Mas ele aposta numa redução de pelo menos 50%. Os trabalhadores ganham até R$ 120 por dia, dependendo da quantidade colhida.
Do lado brasileiro, o prefeito de Barra do Quaraí, Iad Choli (PSB), resigna-se com a situação. "Os protocolos do Uruguai são mais rígidos do que o do Brasil. Eles cobram mais. O brasileiro que entra no país tem que se submeter às regras deles. Se estão dispostos a seguir, pronto", diz.
A reportagem procurou o Itamaraty para comentar as mudanças no protocolo do Uruguai, mas não teve resposta.
O avanço da disseminação do novo coronavírus no Brasil acendeu alertas nos países vizinhos, que se preocupam com os reflexos da crise brasileira em seus territórios.
"Se o Brasil espirra, nós pegamos pneumonia", escreveu no Twitter o diretor de vigilância da saúde do Paraguai, Guillermo Sequera, no início do mês.
Em março, o Exército já havia cavado, a pedido do governo, uma vala na principal rota de entrada para a cidade fronteiriça de Pedro Juan Caballero.
A ideia é dificultar que pessoas vindas do Brasil a pé, via Ponta Porã (MS), entrem por ali e circulem. A fronteira para veículos está fechada desde o início da quarentena no país, em 10 de março.
No dia 8, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, disse que "nem passa pela nossa cabeça abrir as fronteiras" com o Brasil. "Isso é uma grande ameaça para nosso país", afirmou durante uma visita à região de Misiones.
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