Nem todos choraram a morte de Diego Armando Maradona na Argentina.
Muitos viram no relaxamento das regras de combate à pandemia de Covid-19 para o multitudinário evento de despedida ao ex-jogador organizado por um governo que considera reuniões com mais de 10 pessoas imoralidade e contravenção penal uma imensa hipocrisia. Também consideram a politização da cerimônia algo recriminável.
"Com que cara o governo vai justificar, amanhã, que as escolas não podem abrir, quando vimos crianças amassadas na fila para ver Maradona sem que nenhum policial interviesse? Com que autoridade o governo vai dizer que não podemos nos reunir com nossa família no Natal, enquanto permitiu que um milhão de pessoas se aglomerasse sem distanciamento no meio da pandemia?", questiona o analista político Osvaldo Bazán.
Segundo as atuais regras da quarentena, reuniões de pessoas em espaços abertos não podem exceder o número de 10 indivíduos.
Há menos de uma semana, o país comoveu-se com o caso de Abigail, uma garota de 12 anos que tem câncer nos ossos e não pôde fazer o trajeto entre Tucumán, província onde faz quimioterapia, e Santiago del Estero, onde vive, por conta da demora burocrática na fronteira.
O pai de Abigail acabou abandonando o carro e cruzando a fronteira a pé, com a menina nos braços, numa imagem que virou ilustração e viralizou nas redes.
As fronteiras entre províncias na Argentina estão fechadas e vigiadas desde março. Só é possível atravessar de uma a outra com permissão emitida pelo governo. A mesma medida proibiu também que o pai de Solange Musse, que vive em Neuquén, cruzasse a fronteira da província de Córdoba para dar um último beijo em sua filha, que morreu aos 35 anos, vítima de câncer.
"Não pude ir ao funeral do meu avô, mas os barras bravas (torcedores organizados) podem depredar a cidade porque isso é parte da 'homenagem a Diego'? A Argentina é um país doente por permitir assimetrias assim", desabafou Eugenia Lacunza, 54, funcionária de uma livraria do bairro de Colegiales.
As cenas de vandalismo na Casa Rosada, na tarde de quarta-feira (26), também causaram preocupação. O busto do ex-presidente Hipolito Yrigoyen (1852-1933) foi um dos que tombaram e acabaram pichados, assim como outras partes do edifício histórico.
O partido União Cívica Radical, hoje oposição ao atual governo peronista, ao qual pertencia Yrigoyen, pediu, por meio de comunicado, que o monumento fosse restaurado e recolocado em seu lugar esta última parte já ocorreu. Ele é considerado dos principais ex-líderes da nação, derrubado por um golpe militar em 1933.
A preocupação com o coronavírus pareceu ausente do velório, em que havia um cartaz recomendando uso de máscara. Ao lado dele, uma imensa tela mostrava os gols de Maradona ao longo da carreira.
Líderes da oposição, como a ex-ministra de Defesa de Mauricio Macri, Patricia Bullrich, alertaram para uma "falta de responsabilidade" na organização do evento.
O país, após ter visto um aumento da curva de contaminação do coronavírus em setembro e outubro, estava começando a vê-la descer, principalmente na capital federal, a partir de novembro. Em termos de letalidade, porém, a Argentina ainda está entre os países mais afetados do mundo.
O presidente Alberto Fernández, que compareceu à cerimônia, disse que "se nós não tivéssemos organizado o velório seria muito pior".
O médico e jornalista Nelson Castro afirmou: "Em um par de semanas, vamos saber qual foi o impacto do velório desorganizado de Maradona na pandemia na Argentina".
O governo nacional também enfrentou o governo da cidade, comandado pela oposição. Afirmou, por meio do ministro do Interior, Wado de Pedro, que os tiros de bala de borracha e as bombas de gás lacrimogêneo que tentaram dispersar a multidão que pulava as cercas da Casa Rosada haviam sido ordenadas pela administração local.
O chefe de governo da capital, Horacio Rodríguez Larreta, é do partido de Mauricio Macri.
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