Conhecido por ser um país sereno, com belas paisagens, mas também um polo tecnológico mundial, o Japão vive em um equilíbrio entre a tradição, traço cultural marcante que acompanha o país do sol nascente desde o tempo dos samurais, e da modernidade, principalmente após o milagre nipônico nos anos 1980. No país, é possível ver tanto as marcas ocidentais advindas da globalização, quanto os fortes hábitos cultivados há séculos de um povo que se agarra fortemente à sua cultura.
Pós-doutorando Edelson Geraldo Gonçalves, que faz parte do Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), explicou que isso aconteceu por conta dos rumos que tomaram a modernização do país. Edelson detalhou que o Japão resistiu à ocidentalização e conseguiu equilibrar as novas culturas do processo de globalização com as tradições milenares. A natureza, a arte e a utilidade são aspectos que demonstram essa resistência à aculturação.
“Um traço nativo notável é o equilíbrio na estética japonesa entre o belo e o útil, como podemos ver na arquitetura, na jardinagem e na culinária japonesas. Diferente do Ocidente, que separa uma coisa e outra, no caso, artes e ofícios. Outro traço importante é a reverência pela natureza, vinda tradição religiosa do xintoísmo, que atribui espiritualidade a todas as coisas, e da qual podemos ver a expressão em locais marcantes, como os santuários e mesmo o Monte Fuji. E não apenas isso, mas também no próprio ambiente familiar, em que a manutenção da família e o culto aos ancestrais tem uma importância central na espiritualidade nativa”, contou.
O pesquisador ainda destacou as próprias Olimpíadas como traço cultural do país. O Japão já sediou o evento em 1984 e, para Edelson, isso mostra uma abertura do país aos traços ocidentais. "Afinal, um esporte olímpico de destaque é de origem japonesa: o judô. E as Olimpíadas de 1964 foram a grande vitrine para que os japoneses pudessem mostrar ao mundo seu país reconstruído, após a derrota na Segunda Guerra Mundial em 1945, notavelmente marcada pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki”, detalhou.
As guerras enfrentadas pelos japoneses ao longo dos anos também contribuíram para a construção da cultura do país. Edelson explicou que os processos de reconstrução após as guerras foram marcados pelo sacrifício da população, mas com auxílio de outros países. O Japão foi um importante aliado dos próprios Estados Unidos na missão de impedir que o comunismo se alastrasse na Ásia durante a Guerra Fria.
“A reconstrução se deu através de muito sacrifício e privações para a população, mas também com ajuda externa, principalmente dos EUA, que no pós-guerra viam o Japão como um importante ponto estratégico para a contenção do avanço do comunismo na Ásia, durante a Guerra Fria. Eu diria que um traço importante da cultura japonesa para lidar com a destruição e a reconstrução vem da influência do Budismo sobre a sociedade, principalmente na noção de impermanência, a ideia de que nada é eterno, que a destruição e a morte fazem parte da vida tanto quanto o nascimento e a construção”, argumentou.
Para as Olimpíadas de 2021, porém, os japoneses terão de enfrentar outro desafio: a pandemia da Covid-19. Dados do Centro de Pesquisa do Coronavírus, da Universidade Johns Hopkins, do Reino Unido, apontam que o país possui um baixíssimo percentual de vacinação: apenas 16.87% da população está plenamente imunizada. São 57.350.224 vacinas administradas na primeira dose e 21.296.599 pessoas que obtiveram a imunização plena com as duas doses. Ao todo, o país tem 814.319 casos confirmados de coronavírus e 14.865 mortes em decorrência da doença.
Edelson explicou que, assim como todos os países do mundo, o Japão também sofrerá com os impactos da pandemia. O pesquisador relatou, porém, que os japoneses já viviam um processo de reconstrução antes mesmo de a doença se espalhar pelo mundo, algo que acontece desde o início dos anos 1980.
“Desde o fim do Milagre Japonês no fim da década de 1980 a população ficou menos disposta a sacrifícios pelo crescimento do país, e a demandar mais direitos trabalhistas e melhorias na qualidade de vida. Além de ter se tornado menos tolerante à corrupção ou incompetência política. O que foi marcado pela explosão de vários escândalos nesses dois campos, desde o início da década de 1990 até hoje. Há muita resistência por parte da opinião pública nacional sobre a realização das olimpíadas nas atuais condições da pandemia e o ritmo lento da vacinação”, disse.
O pesquisador citou também que há muita relutância por parte da própria população japonesa em relação à realização dos jogos, justamente por conta do avanço da pandemia sobre o país e o baixo índice de imunização. O fato dos países vizinhos como China, Vietnã e Coréia do Sul terem lidado melhor com a pandemia também causa revolta nos japoneses, como apontou Edelson. Isso poderá ter impacto, inclusive, nas próximas eleições.
“Somando isso a uma perspectiva comparativa do desempenho do governo japonês com os governos de países vizinhos que lidaram muito melhor com a situação, como China, Coréia do Sul e Vietnã, eu suspeito que haverá consequências sobretudo políticas, principalmente a reprovação popular do partido que está atualmente no poder - e na maior parte das últimas sete décadas - o Partido Liberal Democrático. De forma semelhante ao que aconteceu pela percepção da incompetência do governo para lidar com o desastre de Fukushima em 2011, o que em pouco tempo custou o poder ao partido que governava na época, o Partido Democrático”, detalhou.
Nem o governo japonês e muito menos o Comitê Olímpico Internacional conseguiriam prever que uma pandemia atrapalharia os planos de Tóquio de sediar a competição. O objetivo do país foi investir em tecnologias e infraestrutura que seriam capazes de transformar as Olimpíadas de 2020 nos jogos mais modernos da nova era olímpica. Com grandes ambições, o Japão conquistou o COI ao apresentar um projeto futurístico e emblemático para sediar a competição.
A definição de Tóquio como sede das Olimpíadas veio ainda em 2013, durante a 125ª Assembleia do Comitê Olímpico Internacional, em Buenos Aires, na Argentina. A capital japonesa desbancou Madri, na Espanha, e Istambul, na Turquia, para ser eleita sede dos Jogos de Verão de 2020. A comemoração seguiu a tradicional cordialidade dos japoneses, com os representantes do Comitê Olímpico do país trocando a euforia por abraços singelos e apertos de mão.
Antes mesmo de ser cogitada a possibilidade de uma pandemia mundial no caminho dos Jogos Olímpicos, já havia uma preocupação em relação à escolha do país como sede de um evento tão grande: mais cedo naquele ano, havia sido descoberto um grande vazamento de radioatividade da usina de energia nuclear de Fukushima. A proposta do governo japonês, porém, conquistou o Comitê Olímpico Internacional (COI).
Tóquio colocou todas as fichas nas instalações futuristas, infraestrutura de qualidade e em um sistema de transporte público completo. Um fundo de investimento de 4,5 bilhões de dólares, o equivalente a mais de R$ 10 bilhões na época, foi separado para garantir que o desafio fosse cumprido.
“Creio que Tóquio prevaleceu pela excelente qualidade de sua proposta e também pela experiência das candidaturas anteriores. Eles vieram com bases sólidas”, disse Jacques Rogge, então presidente do COI, no evento que elegeu Tóquio como sede.
O principal palco do evento será o Estádio Olímpico de Tóquio, que irá abrigar as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos. A arena foi inaugurada em 1958 e já estreou como sede dos Jogos Asiáticos daquele ano. O estádio também foi palco do Campeonato Mundial de Atletismo de 1991, a Copa Intercontinental de Futebol de 1980 até 2001 e as finais da J-League, a liga japonesa de futebol, até 1998, além de sediar a primeira final em jogo único da Liga dos Campeões da Ásia, em 2009. O Estádio Olímpico também recebe as finais da Copa do Imperador e Copa da Liga Japonesa. Ele foi demolido em 2015 e as obras tiveram início no ano seguinte, sendo entregue pelo comitê organizador em 2019.
Outras oito cidades do Japão também irão receber provas durante os Jogos Olímpicos. Chiba, Saitama e Kanagawa fazem parte da região metropolitana de Tóquio. O evento ainda terá outras sedes espalhadas pelo país: Fukushima, Miyagi, Shizouka, Kashima/Ibaraki e Hokkaido/Sapporo.
Quase sete anos depois da escolha de Tóquio como sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o novo coronavírus veio à tona. No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto da Covid-19 como pandemia mundial. Exatos 13 dias depois, em 24 de março, os jogos foram oficialmente adiados pelo COI.
Um comunicado oficial emitido pela entidade após uma teleconferência entre o presidente do COI, Thomas Bach, e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, sacramentou o adiamento. A nota oficial, porém, garantia a realização do evento até o verão do hemisfério norte de 2021.
“Nas atuais circunstâncias, e com base nas informações fornecidas hoje pela OMS, o Presidente do COI e o Primeiro-Ministro do Japão concluíram que os Jogos da XXXII Olimpíada de Tóquio devem ser remarcados para uma data posterior a 2020, mas o mais tardar no verão de 2021, para proteger a saúde dos atletas, todos os envolvidos nos Jogos Olímpicos e na comunidade internacional”, dizia a nota.
As estimativas do COI e do governo japonês davam conta de que até 11 mil atletas de, ao menos, 204 países participassem dos jogos. Uma das principais preocupações, porém, era com a presença de público: a estimativa era de até cinco milhões de espectadores presentes nos 43 locais de disputa.
A ausência de público afetaria não apenas a disputa dos jogos em si, mas também a economia das cidades que receberiam competições. Hotéis, restaurantes, bares, comércios locais entre outros não teriam receitas. Os contratos de publicidade com marcas que patrocinariam os jogos também deveriam ser revistos e até cancelados. Em suma, todo o orçamento teria de ser readequado.
Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio seriam os mais lucrativos da história da competição. Apenas em patrocínios, o Japão arrecadou incríveis US$ 3,1 bilhões, ou seja, pouco mais de R$ 15 bilhões, em contratos estabelecidos com 65 empresas. O valor é três vezes maior que o recorde anterior de arrecadação, registrado nas Olimpíadas de Londres, em 2012. Com a venda de ingressos, a expectativa era de arrecadação de US$ 800 milhões, o equivalente a R$ 4 bilhões.
Para azar do COI e também dos fãs que se programaram para estarem em Tóquio, não haverá público nos estádios e arenas durante a competição. A decisão foi tomada na quinta-feira (8), pelo pelo primeiro-ministro Yoshihide Suga, já que a capital do país do sol nascente, que sediará a maioria das modalidades, entrará em estado de emergência por conta do avanço da pandemia do novo coronavírus no Japão.
Cidades que fazem parte da Grande Tóquio, que são Kanagawa, Chiba e Saitama, também não receberão público nas áreas de competição. Já Fukushima, Miyagi e Shizuoka, que ficam fora da região metropolitana e que não estarão sob estado de emergência, poderão ter 50% da capacidade dos locais de provas, com limite de 10 mil torcedores residentes no Japão. A exceção é Ibaraki/Kashima, que receberá as partidas de futebol: nas competições noturnas, o público estará vetado. Em Hokkaido/Sapporo, o governo ainda discute a permissão ou não da entrada de pessoas nos locais de competição, mas pediu que a população não vá às ruas para apoiar ou acompanhar atletas.
A entrada de estrangeiros nas Olimpíadas está proibida desde março, também em decorrência da Covid-19.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta