Gadgets, apps, plataformas virtuais e hiperconexão já são uma realidade na maioria das escolas, e não mais um desenho para o futuro. Muito embora o acesso a essas ferramentas ainda seja desigual, é inegável a transformação que elas trouxeram para o processo de aprendizagem. A pandemia de Covid-19 apenas acelerou a digitalização do ensino, que já estava em curso.
Mas a tecnologia faz muito mais do que inserir novas metodologias de ensino, como games e visitas virtuais. Ela também impacta o comportamento e as formas de interação no ambiente escolar. Todos esses novos recursos, portanto, têm chamado a atenção para a socialização, a formação de consciência crítica e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais.
Ao contrário dos temores de alguns, a tecnologia, quando bem utilizada, não desumaniza a educação. São mudanças que, segundo a diretora do Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação, Anna Penido, colocam o ser humano no centro do processo. “A pandemia nos mostrou como a tecnologia é útil e pode potencializar a aprendizagem, mas que sozinha não é capaz de promover o desenvolvimento pleno do estudante. É o ser humano que vai mostrar como se adaptar a essa realidade e se relacionar com ela” , afirma.
Penido ressalta que “não há transformação digital sem transformação humana” e isso envolve trabalhar todas as dimensões do estudante: cognitiva, física, social, emocional e cultural. Também implica repensar o modelo tradicional de aprendizado. “É na vivência de experiências concretas que você vai aprendendo a se relacionar com outro, a equilibrar as emoções, a colaborar”, destaca a especialista.
Um exemplo de espaço em que a tecnologia é uma ferramenta poderosa para aumentar o protagonismo do estudante é a escola São Domingos, em Vitória. Por lá, as ferramentas são vistas como uma forma de melhorar a condição humana, principalmente os aspectos socioemocionais, como conta o gerente de Operações do colégio, Henrique Romano.
“Desenvolvemos um trabalho para garantir acolhimento e aprendizagem dos alunos, que é voltado ao indivíduo. Isso requer um olhar específico do professor, porque é ele que vai auxiliar o aluno a navegar nesse mundo caótico de informação. A tecnologia só está ali para oferecer recursos nesse processo”, afirma.
O investimento é, portanto, em uma formação integral focada em vínculos humanos, principalmente no que é estabelecido entre o professor e o aluno. A relação mais próxima tem impacto no interesse dos estudantes pelas disciplinas. Segundo Romano, durante a pandemia, a escola observou uma tendência entre os estudantes de preferir vídeos caseiros feitos pelos próprios professores do que conteúdos multimídias disponíveis em diferentes plataformas digitais.
“Existe uma relação de confiança entre professor e aluno que tecnologia nenhuma vai ser capaz de construir. A conversa, o convívio e o contato continuam sendo os grandes diferenciais no processo formativo nas escolas”, atesta o gerente.
A opinião é compartilhada pela diretora de conteúdo da Bett Educar, organização que coordena o maior evento de educação e tecnologia da América Latina, Adriana Martinelli. Para ela, a forma como a relação do ser humano com a tecnologia é construída vai influenciar diretamente na aprendizagem.
Martinelli chama a atenção, por exemplo, para o simples ato de fechar as câmeras nas aulas on-line, algo que foi amplamente debatido durante a pandemia. Na relação presencial, o aluno não tinha a opção “de se esconder”. Mas, neste novo ambiente digital, há muitos alunos que não querem ou têm dificuldade para abrir a câmera durante uma aula.
“Eu, como professor, tenho que respeitar isso, mas acima de tudo procurar identificar de que forma eu posso ajudar no relacionamento e na sociabilidade do aluno. Isso é qualificar a relação de aprendizagem”, ressalta.
O problema de sociabilidade exposto pela dificuldade de abrir uma câmera foi identificado por meio de tecnologia, mas não pode ser resolvido por ela. É necessário um olhar humano para pensar em estratégias para ajudar o estudante a superar aquela dificuldade.
Na avaliação da coordenadora pedagógica do colégio Marista, Jacqueline Dias, esse é o papel da escola. “Esta era tecnológica não vai embora e ela precisa estar a favor do processo de aprendizagem e da formação da criança. A tecnologia precisa servir ao ser humano e não o ser humano servir a ela. Nada vai substituir a presença do professor, o valor dele para entender o indivíduo”, pontua.
Para a psicóloga e professora da Faesa Caroline Bezerra, o grande desafio ainda é despertar no sistema educacional o entendimento de que desenvolver habilidades socioemocionais é também responsabilidade das escolas, não apenas da família.
“Precisamos analisar todo o processo de ensino-aprendizagem, voltar o olhar menos para um currículo técnico e mais para uma formação humanizada. É fundamental que a escola atue para assegurar o convívio social dos alunos e professores no ambiente digital, preservar relações e construir uma interação ao longo desse processo. O ser humano precisa mudar junto com a tecnologia, não se tornando refém, mas a tendo como grande aliada”, acredita.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta