O avanço das novas tecnologias revolucionou o mundo dos negócios, aprimorou a medicina, transformou o lazer, enfim, impactou cada centímetro da rotina das pessoas nos últimos anos, em suas interações diárias. Não seria diferente nas salas de aula, que viveram mudanças ainda mais profundas de 2020 para cá, com a imposição do modelo virtual de ensino.
É claro que as desigualdades socioeconômicas se refletem nas diferentes escolas, nas diferentes partes do globo. Mas também é fato que a Era Digital veio para ficar e deve estar no centro das discussões de educadores, pais, cientistas sociais e governantes. É preciso um debate saudável em torno da abordagem que escolas e famílias devem aplicar, tendo em mãos as novas ferramentas, na formação de seres humanos capazes de encarar os desafios de um mundo globalizado, com seus progressos e reveses.
Um dos grandes debates que se abre no horizonte é o da manutenção do ensino híbrido, que combina o modelo presencial com atividades on-line. Para o psicólogo, professor, consultor em Educação e Desenvolvimento Humano formado pela Universidade Estadual da Paraíba Rossandro Klinjey, esse é um caminho sem volta. Mas é preciso, ele ressalva, um olhar atento para perdas e ganhos. "Gerações inteiras talvez não voltem mais para a sala de aula após a pandemia e isso é lamentável, um prejuízo enorme, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil", comenta.
Especialista no tema, Klinjey será o palestrante do Encontro de Pais e Mestres, que acontece na próxima sexta-feira, dia 8 de outubro, às 16h, trazendo como tema "O Ser Humano no Centro da Evolução Digital". Promovido pela Rede Gazeta, o evento será transmitido pelo site de A Gazeta, com a mediação da jornalista Daniela Abreu, e contará com a participação de pais, professores e psicopedagogos.
Klinjey dispensa apresentações. Desde 2017 produz conteúdo em vídeos, que hoje contabilizam mais de 150 milhões de visualizações. Consolidou-se como um fenômeno das redes sociais, ultrapassando os dois milhões de seguidores. Atuando como consultor do programa "Encontro com Fátima Bernardes", da Rede Globo, e como comentarista da Rádio CBN, o educador também ganhou destaque com vários livros publicados, entre eles os sucessos editoriais "Help! Me Eduque", "Temas Complexos, uma Abordagem Didática" e "O Tempo do Autoencontro".
Neste bate-papo com A Gazeta, Klinjey abordou temas atuais, como a força da internet em um mundo globalizado; os desafios da educação, especialmente no período pós-pandemia; a influência das redes sociais; e a participação efetiva de escola, pais e mestres na construção de pessoas com inteligência emocional, ou "competências emocionais", para vencer obstáculos profissionais e da vida. Confira:
Pesquisas mostram que a conexão excessiva, ou mesmo moderada, pode trazer mais malefícios do que benefícios. Por parte das crianças, podemos ter desconcentração, falta de foco e perda de aprendizagem. Os pais devem controlar o acesso à internet dos filhos e, com certeza, investir em suas relações interpessoais. Você não pode tirar um jogo, um celular e uma internet, por exemplo, sem oferecer algo em troca. A ideia é sempre estar junto dos filhos.
A escola percebeu que a Educação Midiática faz parte do currículo e precisa estar presente no suporte a pais e alunos no enfrentamento desse "mundo novo" da internet, afinal, a gente ainda está aprendendo lidar com essa ferramenta. É necessário que as duas instituições (família e escola) estejam unidas para construir essa nova capacidade de vivência e experiência com moderação. Veja o exemplo do governo da China, que, recentemente, aprovou uma lei para inibir o tempo do uso de jogos on-line. Muitas famílias chegaram a comemorar, pensando que o Estado estava atuando para ajudar a explicar aos filhos que essa limitação é uma lei, obrigatória, como se o governo tivesse capacidade e autonomia para disciplinar a dinâmica familiar.
Está muito claro, e muitas pesquisas mostram, que existem perdas e prejuízos no desenvolvimento dos alunos no modo de aula on-line, mas adianto que seria muito pior se simplesmente deixássemos os estudantes em casa, sem nenhum tipo de interação educacional. Lamentavelmente, os estudantes das escolas públicas, em sua maioria, não têm um acesso básico à internet e, quando têm, ainda é muito precário. Nem é preciso dizer que esses serão os mais prejudicados neste contexto pandêmico. A questão agora não é contar o que não conseguimos entregar durante esse período, mas sim contabilizar os prejuízos e achar uma forma de lidarmos com eles. Escolas no Brasil e no mundo, com essa experiência nova, vão compartilhar as melhores práticas de ensino, desenvolvendo os recursos para tentar minimizar esses impactos na educação. Além disso, acredito que o formato híbrido veio para ficar, no sentido de que há um ganho educacional em ter aulas ou conteúdos remotos assincrônicos. Uma questão, porém, é pertinente: gerações inteiras talvez não voltem mais para a sala de aula após a pandemia e isso é lamentável, um prejuízo enorme, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil.
Como afirmei, o modelo híbrido de educação veio para ficar. Vamos encontrar uma forma de manter aulas presenciais, com professores e escolas criando conteúdos que possam ser acessados digitalmente para reforço do material que é apresentado em sala de aula. Além da educação, o sistema híbrido veio para ficar também no mundo coorporativo e nas empresas. O impacto em países em desenvolvimento, como foi descrito no relatório do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, foi muito maior. O papel do poder público é importante neste momento, na tentativa de apontar algum tipo de reparação, por exemplo criando um calendário de aulas extras, para que esses déficits de aprendizagem sejam recuperados. Mesmo assim, não crio expectativas de que possamos vir a zerar essas perdas. Pelo contrário, ainda teremos que lidar com essa questão por um bom tempo, mesmo acreditando na nossa capacidade de “criar sonhos” para mitigar todas essas perdas a que temos assistido.
Começamos a perceber, especialmente com a publicação da obra “Inteligência Emocional”, de Daniel Goleman, que apostar apenas nas competências cognitivas, ainda mais em uma era em que o "machine learning", máquinas que pensam e robótica podem substituir o trabalho humano, pode ser complexo. Vejo como essencial também fazermos uma espécie de “letramento das emoções”, envolver pessoas para que possamos compreender suas "competências emocionais". Precisamos enfrentar as complexidades do mundo e entender que a vida sempre vai apresentar desafios que serão melhor enfrentados se, além das competências técnicas e do desenvolvimento cognitivo, também tivermos fortes "competências emocionais". Escola, família e sociedade devem cada vez mais explorar o desenvolvimento dessas competências.
Quando pensamos no ensino das competências socioemocionais, a escola é o melhor lugar para aplicá-lo, pois é a primeira experiência significativa de uma pessoa fora do núcleo familiar. Esse ensino precisa ser em um espaço marcado pela diversidade, sendo que a inteligência emocional nos dá a capacidade de viver de forma empática, com o contraditório, além de nos fazer perceber que a diversidade não é um problema, mas uma vantagem. Convivendo com pessoas que vêm de um ambiente diferente do meu, e com visões diferentes do meu mundo, somos capazes de enriquecer esse processo de aprendizagem. A escola deve continuar um ambiente plural e diverso, com as competências emocionais nos tornando mais capazes de viver essa experiência de diversidade e pluralidade sem conflitos.
Tanto os jovens quanto os adultos são impactados pelas postagens das redes sociais. Essa representação "vida real" versus "vida postada" realmente é muito prejudicial. Por mais que se tenha consciência de que uma foto pode ser editada ou um texto revisado, ainda assim somos impactados. A Educação Midiática é fundamental para que possamos construir uma geração que tenha criticidade, capaz de ver um determinado post e entender que não necessariamente aquilo representa uma vida real. É como em uma casa, onde você chega e vê um conjunto de porta-retratos. São fotografias dos momentos felizes da família. Ninguém coloca em um porta-retrato momentos tristes e ruins, mas sabemos que eles existem. Devemos ter a compreensão das redes sociais desta mesma maneira.
Os jovens são facilmente capturados em relação a esse assunto, sendo fundamental que escola e família comecem a dialogar com essa temática de forma aberta, para que pessoas possam discernir o que é opinião e fato, além de identificar o que é montagem e vida real. Há um movimento recente que diz: “e além dos stories, como você está?”, ou seja, como você está realmente, além do que está postando nas redes? É importante ter essa consciência, até para que todos possam viver essa experiência virtual com menos nocividade, pois o número de pessoas afetadas ainda é alarmante. Recentemente, tivemos o caso de um jovem que, após um vídeo publicado no aplicativo TikTok, terminou tirando a própria vida por conta da repercussão negativa e por sofrer cyberbullying.
A "política do cancelamento" e os ataques nas redes sociais têm muito a ver com o movimento dos haters. São pessoas que considero infelizes e que manifestam sua angústia e insucesso com ataques. Há pessoas que vivem disso, elas se “alimentam” da angústia que provocam nos outros. É preciso estar sempre atento a essas ações, pois consideramos esses ataques como uma “nova realidade” da rede. Precisamos aprender a “navegar” nessas novas "avenidas virtuais" que foram abertas e entender seus sinais e sintomas. O jovem citado anteriormente, que cometeu suicídio após uma postagem no TikTok, poderia ter cancelado sua conta ou saído do aplicativo. O que nos faz refletir que a relação entre o real e o virtual está cada vez mais próxima e complexa e por isso, precisa ser cada vez mais ser compreendida.
Lamentavelmente, o educador começou a perder o respeito e sentimos o preço disso, mas a origem desse movimento está na própria família. Geralmente, uma criança que não respeita o educador vem de um lar em que o pai também não é respeitado. Quando ela não obedece aos pais, pois eles não conseguem se fazer respeitar, acaba criando um “carimbo” emocional, com essa criança não respeitando o professor, como também não respeitará o(a) futuro(a) namorado(a). Ela será uma pessoa de difícil relacionamento. Na família está a solução para que o aluno possa enxergar o professor como um mestre que contribui para suas competências. Em algumas situações, a própria família chega à escola direcionada a tratar o educador como um funcionário que precisa obedecê-la. Pelo contrário, o professor é alguém que participa de um projeto ambicioso, que é desenvolver as competências cognitivas e emocionais da criança, precisando de total apoio e suporte. Essa falta de respeito acaba gerando um desestímulo para a classe e um grau de sofrimento significativo, em que todos saem perdendo.
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