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“Marcas duradouras investem em relações mais humanas”, diz Walter Longo, estrategista de marcas

“Marcas duradouras investem em relações mais humanas”, diz Walter Longo, estrategista de marcas

Um dos principais estrategistas de marcas do país fala sobre os desafios das empresas tradicionais, a importância de preservar a essência e dá exemplos de organizações que souberam se reinventar sem perder identidade

Publicado em 24 de março de 2025 às 14:09

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Walter Longo
Walter Longo, estrategista de marca e especialista em inovação e transformação digital. (Divulgação)
Wanessa Eustachio
Analista de Comunicação / weustachio@redegazeta.com.br

“Marcas também morrem por fazer a coisa certa por um tempo longo demais”, afirma Walter Longo, publicitário, especialista em inovação e um dos principais nomes do país em estratégia de marcas. A frase resume um dos maiores desafios enfrentados por empresas tradicionais: equilibrar tradição e inovação para continuar relevantes no tempo.

Em entrevista exclusiva, Longo aponta que a longevidade de uma marca depende da capacidade de focar nas tendências, cuidar das pendências e preservar a essência. Ele também fala sobre a resistência interna à mudança, o conflito entre inovação e governança, e destaca empresas brasileiras que souberam se reinventar sem perder identidade.

O especialista estará em Vitória no próximo dia 1° para comandar a palestra “Protagonismo nos negócios: como continuar relevante em um mundo em transição” , no lançamento da pesquisa do 33° Recall de Marcas de A Gazeta. Confira o bate-papo a seguir:

Qual é a importância da gestão de marca hoje?

Walter: Esse é um dos assuntos mais importantes que existem. Gerir uma marca é como lançar uma luz oblíqua sobre um objeto — a marca, nesse caso — de forma que a sombra projetada seja maior do que o próprio objeto. Uma marca bem administrada é aquela cuja expressão vai além do que ela é no presente. Ela comunica ao público não apenas o que é, mas o que quer ser. Ou seja, ela divide com o público o seu futuro.

É como vender uma semente. Quem compra, na verdade, não está comprando a semente em si, mas a árvore que está contida nela, ainda que não visível. Branding é isso: uma promessa de desempenho. Gerir uma marca é, sobretudo, saber equilibrar o tempo entre pendências e tendências. O problema é que, com tantas pendências, os gestores se afastam das tendências — o que é perigoso num mundo em constante transformação.

As empresas estão preparadas para lidar com essa transformação?

Walter: Vivemos um momento em que os negócios apresentam margens decrescentes e complexidade crescente. Isso faz com que muitos gestores se preocupem mais com o fim do mês do que com o fim do mundo — perdem a visão de longo prazo. O bom gestor de marca precisa estar sempre olhando para o que vem pela frente. Como disse Jack Welch: se a taxa de mudança externa for maior que a interna, o fim está próximo.

Marcas já não morrem apenas por fazer a coisa errada. Morrem também por fazer a coisa certa por tempo demais, ignorando as mudanças. E a mudança, hoje, é o único estado permanente. O gestor de marca precisa focar nas tendências, resolver as pendências e manter a essência. A essência é o que dá longevidade à marca — e muitas empresas a perdem tentando se adaptar, seja pelas urgências do dia a dia, seja pelo modismo.

E internamente? Na sua análise, as empresas enfrentam resistência à mudança?

Ninguém gosta de mudança. Mudança assusta, incomoda. A única empresa que gosta de mudança é a Graneiro - empresa brasileira especializada em mudanças -, porque vive disso.

Por isso, cabe às organizações criarem um clima aberto à inovação. Um ambiente que valorize e celebre a mudança, como hoje se celebra a área comercial.. Toda empresa tem o "campeão de vendas do mês", com quadro na parede, balão no teto e sino tocando. Mas quem inova, no máximo, recebe um tapinha nas costas — e um alerta para "não fazer besteira".

Muitas vezes, quem resolve o problema do mês vira herói, mas quem resolve o problema da vida da empresa com uma inovação, não recebe o devido reconhecimento.

Governança e inovação são temas que conflitam ou é possível encontrar equilíbrio?

Quanto mais governança uma empresa tem, mais avessa ao risco ela tende a ser. E inovação, por definição, exige risco. Governança busca reduzir riscos. Inovação exige abraçá-los. E isso cria um dilema: empresas com governança rígida muitas vezes inibem a inovação. Por outro lado, startups inovam muito, mas pecam na governança.

O ideal é encontrar equilíbrio. Uma empresa não pode inovar demais sem responsabilidade, mas também não pode se prender tanto às regras que deixe de ousar. É uma gangorra — e ela precisa estar em constante ajuste.

A governança existe para evitar atalhos, que são ilusoriamente mais curtos, mas perigosos. A inovação, por sua vez, não busca atalhos — busca novos caminhos. Por isso, a governança precisa ter certa flexibilidade para aceitar esses novos rumos.

Temos cases de empresas que conseguem colocar isso em prática?

Sim, existem. A Cacau Show é um ótimo exemplo. Era uma fábrica de chocolate e entendeu que vendia, na verdade, é entretenimento na boca das pessoas. A partir disso, ampliou o negócio: comprou o Playcenter, criou hotéis temáticos e cresceu exponencialmente.

Outro caso é a CIMED, do João Adibe. Uma empresa que também se joga sempre dentro do novo, que está sempre buscando inovar, criando colabs com outras empresas, como a Fini, para fazer o Carmed com sabor de bala de goma

Ou seja, existem empresas que têm essa capacidade de arriscar e tem uma obsessão por descobrir novos caminhos, com respeito às regras, sem abrir mão da governança.

O que diferencia marcas que duram das que morrem com o tempo?

Marcas longevas são aquelas que conseguem, ao mesmo tempo, focar nas tendências, cuidar das pendências e preservar a essência. Pra mim, esse tripé é o mais importante. Eu tenho visto muita marca que, no afã de buscar as tendências ou de focar demasiadamente nas pendências, acaba perdendo a essência. E acaba, ao perder a essência, perdendo a razão de existir.

Outro fator importante é o respeito às comunidades que orbitam ao redor da marca — clientes, fornecedores, colaboradores. Marcas duradouras investem em relações mais individualizadas, mais humanas. E há um elemento que muita gente esquece: gamificar a relação com o cliente. Marcas longevas criam conexões que não são apenas racionais, mas emocionais e até lúdicas.

Veja o programa Latam Pass. Toda vez que eu viajo por outra companhia, me sinto incomodado por não estar acumulando pontos, acesso a área VIP.... Ou seja, aquilo que ela me oferece, por eu ser fiel a ela, um retorno à minha fidelidade, acaba gerando uma sensação de que eu preciso estar constantemente priorizando ela.

Como assim?

Os exemplos clássicos de longevidade no Brasil são os times de futebol, as escolas de samba e as religiões. Por quê? Porque religião é um game. Você ganha ponto para ir para o céu, você perde ponto para ir para o inferno, você tem os skins, que são os escapulários, se você não for na missa domingo, você vai ficar incomodado, porque você devia ter ido. Ou seja, ela criou uma série de formas de ter com você uma relação “incomodada”.

Tem muitas outras razões que tornam uma marca longeva, mas eu diria, focar nas tendências, cuidar das tendências sem perder a essência, seria o tripé no qual eu gostaria uma marca longeva.

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