“É difícil retratar o horror, mas é preciso. Não se cobre violação de Direitos Humanos com os olhos fechados. Isso dói. Dói muito, mas é preciso.”
Apontando a necessidade de denunciar com sensibilidade, técnica e critério as mazelas e crimes contra pessoas, sem explorá-las sob o viés sensacionalista, o jornalista Estevan Muniz falou na manhã desta terça-feira (1º) sobre o seu trabalho como repórter do “Fantástico”, em especial os que relatam os casos de violência e transgressão à dignidade humana.
A uma plateia atenta que lotou o auditório da Rede Gazeta, o profissional ressaltou a importância de se entregar um conteúdo transformador para a sociedade, movido, também, por responsabilidade e até por indignação e inconformismo contra injustiças.
A apresentação de Estevan marcou o lançamento da 26ª edição do Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta e a abertura das inscrições para se candidatar às 10 vagas do programa (acesse aqui para se inscrever).
Na abertura da conversa, o repórter especial mostrou trechos iniciais de algumas de suas matérias veiculadas no “Fantástico”, com temáticas relacionadas a trabalho análogo a escravidão e crimes sexuais contra menores praticados por um grupo religioso, ocupação dos sem-teto em prédios abandonados de São Paulo e guerra na Síria.
A exibição desses recortes tinha o propósito: mostrar a relevância, sobretudo para os profissionais e estudantes de jornalismo presentes no auditório, de um bom e atraente começo de reportagem.
“O começo de uma matéria é tudo. O mais importante. Reproduz o que se quer mostrar. Sou obcecado por inícios”, destacou.
Como dicas para estabelecer uma boa introdução que leve o público a mergulhar junto na história, ele cita a conduta diferencial de se apostar em uma rica viagem sonora que esteja alinhada às imagens. O som ambiente (o barulho de passos e das ruas, por exemplo) , alias, é um recurso que o profissional sempre lança mão, principalmente nas aberturas, lição aprendida com seu “mestre” Caco Barcellos.
“Imagens sem áudio são circuito de seguranças. Áudios sem imagens são podcasts. Quando a matéria tem áudio [som de coisas acontecendo], as pessoas param para prestar atenção.”
Ainda sobre começos, o jornalista detalhou seu processo para apresentar ao público temas sensíveis, estabelecendo uma escalada nessa carga. Como exemplo, mencionou a reportagem feita por ele sobre o Discord, um aplicativo popular entre adolescentes que havia se tornado ferramenta para envolver jovens em crimes como tortura e estupro.
Com o conteúdo produzido para a guerra na Síria, ocorreu algo similar. “Havia muitas crianças com queimaduras de pele. A gente decidiu começar a matéria com a criança com máscara. Depois, mostramos imagens de arquivo, aviões e bombardeios. Em seguida, voltamos para a história da criança, e ela tira a máscara. Isso foi feito conscientemente por nós. Foi uma decisão de preparar o público. Era como se falássimos: ‘Olha, você, vai ver um negócio difícil de ver. Fica comigo até o final da matéria’. (...) Ouvi uma vez de um grande comentarista americano: é responsabilidade do comentarista levar o público até o inferno, mas é preciso tirá-lo de lá. Então, pega na minha mão, nós vamos ver alguns horrores, mas a gente vai sair dessa, tenha esperança. Venha comigo, fica aí assistindo a essa jornada difícil.”
Na parte final do bate-papo, mediado pelo chefe da Redação da Rede Gazeta, Geraldo Nascimento, Estevan Muniz respondeu a perguntas enviadas pela plateia. Uma delas era sobre como lidar com as emoções em pautas tão delicadas.
“Não tenho como lidar. Eu tenha uma contraofensiva nas minhas emoções. A indignação que sinto, tento trazer para os textos”, respondeu o jornalista, citando a cobertura recente sobre o caso Marielle Franco e a entrevista com um dos acusados pelo crime contra a vereadora do Rio de Janeiro, assassinada no Centro da cidade em março de 2018.
Estevan deixou como uma mensagem final sobre o poder transformador da informação. “O problema (denunciado) pode não acabar, mas agora sabemos que o problema existe. Podem me chamar de idealista, mas não sou ingênuo. Eu tenho razões, motivos, evidências, para continuar acreditando nesta transformação.”
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