O Rock in Rio, que volta a ocupar a Cidade do Rock, no Rio de Janeiro, a partir desta quinta-feira (19), é um dos maiores festivais do planeta, reunindo cerca de 700 mil pessoas em seus sete dias de evento. Mas você já parou para pensar em como é traduzir um ato dessa magnitude em reportagens? Quais são os desafios e dificuldades de transmitir informações para quem não esteve lá, além da ansiedade de cobrir algo tão grandioso?
Foi exatamente isso que o jornalista José Roberto Santos Neves fez em 2001. Num momento em que os recursos tecnológicos nem de longe lembraram o que temos hoje (para se ter uma ideia, a internet era discada e os telefones celulares, “tijolões”), o então repórter de A Gazeta desembarcou na Cidade do Rock pra trazer aos capixabas as informações e entrevistas com as personalidades do festival. Tudo isso virou conteúdo para o recém-lançado livro “Diários do Rock in Rio”.
“Todo repórter sonha em cobrir um grande evento, seja na área cultural, ambiental, política ou esportiva. A Copa do Mundo, as Olimpíadas, são grandes marcos, assim como o Rock in Rio. Eu, pessoalmente, tenho uma relação afetiva com o Rock in Rio”, conta José Roberto, para quem o festival tem importância na democracia e no cenário de entretenimento do país.
O jornalista - que na última segunda-feira (16) conversou com os alunos do 27º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta - recordou o desafio e a adrenalina de trabalhar em um ambiente de intensa competição jornalística, onde ele teve que adaptar sua abordagem ao ritmo acelerado das notícias, pois 2001 era o começo do jornalismo online. Para se ter uma ideia, o antigo site Gazeta Online só tinha cinco anos de existência àquela época.
Uma curiosidade revelada por José Roberto acerca desses festivais é como funcionam os bastidores com os artistas, como as coletivas de imprensa são feitas e a personalidade dos cantores. As melhores memórias compartilhadas pelo jornalista contam com Foo Fighters, Nirvana e Oasis.
“O Foo Fighters tinha uma assessoria de imprensa que avisou: 'Olha, não perguntem sobre o Nirvana. O Dave Grohl não quer responder sobre o Nirvana.' Então, um jornalista estrangeiro perguntou diretamente: 'O que você tem a dizer sobre o fim do Nirvana e a morte do Kurt Cobain?' Ele olhou com aquela cara de 'não acredito que vou responder isso', mas foi educado, não abandonou a entrevista”, conta José Roberto.
Já nos bastidores da notícia, o escritor compartilhou inclusive uma provocação marcante: “Na campanha do Rock in Rio 'Por Um Mundo Melhor', um jornalista perguntou ao Noel Gallagher, guitarrista do Oasis, que foi à entrevista sozinho, e eles são conhecidos por serem arrogantes: 'O que é um mundo melhor na sua opinião?' E ele respondeu: 'Seria um mundo sem Guns N' Roses.' Claro que isso virou manchete, virou o título da matéria, especialmente porque o Guns N' Roses tocou no mesmo dia”.
Além do Rock in Rio, José Roberto também compartilhou a experiência de escrever outros livros, como "Maysa" (2005), "A MPB de Conversa em Conversa" (2007), “Rockrise” (2012) e "Crônicas Musicais e Recortes de Jornal" (2015). Entre as histórias curiosas com personalidades, ele menciona um episódio com a cantora Elba Ramalho, em que, por falta de preparação e pesquisa, cometeu um erro logo na primeira pergunta, o que comprometeu o restante da entrevista.
Na ocasião, o jornalista perguntou se o CD dela continha regravações, mas, por falta de tempo para escutar o disco antes, não percebeu que o álbum tinha diversas. Bastou para que Elba não respondesse a mais nenhuma pergunta direito: “Quase 100% das vezes em que uma entrevista dá errado, a responsabilidade é nossa, é do repórter, do jornalista”, advertiu o jornalista.
No bate-papo, o autor de “Diários do Rock in Rio” também mencionou o exemplo de Zeca Pagodinho, destacando como é importante lidar com entrevistados menos cooperativos com persistência e profissionalismo, e a importância de fazer perguntas que chamem a atenção e provoquem respostas significativas. José Roberto lembrou uma entrevista com Alceu Valença, onde sua pergunta sobre as diferenças entre os gêneros nordestinos foi tão impactante que o artista pediu para continuar a conversa mesmo que não estivesse estipulado pela assessoria.
O jornalista enfatizou que o sucesso em entrevistas e coberturas muitas vezes depende dessa persistência e da capacidade de lidar com desafios. Ele contou sobre sua experiência com a cantora ngela Rô Rô, que inicialmente se mostrou hostil, mas com sua persistência, conseguiu realizar a entrevista e criar uma matéria impactante.
Apesar de ter coberturas e textos de projeção nacional, uma das principais características de José Roberto Santos Neves é a valorização da cultura capixaba, dedicando-se a contar a história de artistas locais e suas trajetórias. Ele destaca que o Espírito Santo muitas vezes é ofuscado pelas culturas de estados vizinhos, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia, mas enfatiza que há uma riqueza cultural significativa a ser explorada e conhecida.
"O Espírito Santo é muito pressionado pelas grandes potências ao redor. Temos o eixo Rio-São Paulo, Minas Gerais, que é praticamente uma nação com seus 873 municípios, e a Bahia, que também exerce uma forte influência”, pontua ele. O livro "Sons da Memória" é um exemplo desse esforço de valorização, apresentando críticas musicais e biografias de artistas capixabas, desde pioneiros como Maurício de Oliveira e Carlos Cruz, até músicos contemporâneos.
José Roberto destaca como, muitas vezes, a mídia nacional acaba omitindo as origens capixabas de artistas renomados, o que pode prejudicar o reconhecimento da cultura local. Um exemplo citado é o caso da cantora Maysa, que teve a biografia dramatizada em uma minissérie da TV Globo, em 2009. Segundo o escritor, a obra televisionada omitiu detalhes sobre o relacionamento da artista com a família do Espírito Santo.
"Então, entrevistei os familiares da Maysa aqui no Espírito Santo, mas a série da Globo acabou omitindo isso. Lembro que na época dei uma entrevista para a Folha, e a manchete foi algo como: 'Biógrafo afirma que minissérie subestima laços de Maysa com o Espírito Santo', porque o relacionamento dela com a família capixaba não ficou claro na produção da Globo", conta.
Mesmo com quase 30 anos de carreira - ele participou de um projeto embrionário do Curso de Residência, em 1996 -, José Roberto enfatiza a importância do jornalismo cultural para as novas gerações: “Quando eu me formei em jornalismo, eu queria juntar essas paixões: a música, o jornalismo, a literatura e a juventude. Eu percebi que não tinha um espaço para cobertura jovem no jornalismo capixaba”, finalizou.
* Bruno Nézio é aluno do 27º Curso de Residência em Jornalismo. Este conteúdo teve orientação e edição do coordenador do programa, Eduardo Fachetti.
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