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Jovens artistas capixabas relatam casos de violência de gênero na profissão

Jovens artistas capixabas relatam casos de violência de gênero na profissão

Modelo e atriz contam experiências em que sofreram importunação e assédio. Episódios levaram jovens a criar um ambiente de trabalho mais seguro para as suas colegas

Publicado em 27 de setembro de 2022 às 15:23

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Pesquisa da Febraban e Ipespe aponta que 66% das brasileiras se preocupam com aspectos da violência de gênero em seu dia a dia.
Mulher é vítima frequente de importunação sexual: Lei 13.718 sancionada em 2018 tipificou o crime. (Anete Lusina/Pexels)
André Afonso*
Curso de Residência em Jornalismo / [email protected]

Quando tinha apenas 14 anos, a atriz capixaba Ana (nome fictício) torceu o pé em uma micareta em que tinha ido com os amigos. No caminho até a enfermaria, ela foi carregada nas costas por um conhecido. Nesse percurso, em meio à multidão, a jovem, hoje com 24 anos, relembra como outros foliões, homens, tiraram proveito da sua situação de vulnerabilidade para apalpar suas nádegas. “As pessoas vinham do lado e riam, achavam graça, sabe? Como se eu fosse qualquer coisa. E eu era uma menina de 14 anos!”, ela conta.

Esse é apenas um dos relatos de violência de gênero compartilhados por Ana, que preferiu não ter o nome verdadeiro divulgado. Ao longo de sua vida, ela que já perdeu as contas de quantos episódios como esse já viveu: na rua, no ônibus, na academia, desde os seus 12 anos de idade, pelo menos. Em seu ambiente de trabalho, isso também ocorre.

“Recentemente, eu acho que vivi isso – eu falo acho porque a gente tenta caminhar de qualquer jeito, achar que essa situação não existiu. Mas eu acho que sim, porque logo após um amigo do elenco veio falar comigo”, disse ela, ao refletir sobre um episódio em que um outro colega de cena a constrangeu, sugerindo repetidas vezes que  se sentasse no colo dele.

Hoje, a jovem atua também como preparadora de elenco, fazendo uso de sua formação em Artes Cênicas para orientar atores iniciantes. Ela pontua que, quando exerce essa função, tem como prioridade zelar por um ambiente de trabalho seguro, em especial para as atrizes, evitando qualquer desconforto. Já houve ocasiões, por exemplo, em que ela deixou de propor certos exercícios, por julgar que existia um risco de “passar do ponto”. “Eu me sinto muito responsável, o tempo todo. É como se fosse eu enxergando por todas elas, de fora”, complementa a atriz.

Os relatos são semelhantes aos da modelo capixaba Tânia (também nome fictício), de 21 anos. Ela conta que, quando ainda era menor de idade e já expressava o desejo de seguir carreira na área, foi abordada por diversos fotógrafos mais velhos. Esses profissionais demonstravam interesse em trabalhar com ela, fazendo propostas para ensaios, sempre com um teor sensual. Quando ela prontamente se recusava a fazer algo nessa linha, o interesse desses profissionais cessava, e o contato era interrompido.

Agora, já maior de idade e com alguns anos de experiência profissional, Tânia aconselha outras colegas sempre que possível. “Olha, se acontecer isso no ensaio não é normal ele ficar encostando em você, não é normal ficar elogiando demais. Tem alguns elogios que são apelativos”, relata a modelo, que hoje dá os seus primeiros passos também na carreira de fotógrafa.

Ao se posicionar por trás das câmeras, exercendo uma função que, durante o seu período formativo, foi tão ocupada por homens, ela confirma a importância da presença feminina em posições de influência. “A minha forma de abordagem [...] é deixar a pessoa o mais confortável possível”, afirma a jovem, destacando como foi importante para ela ter outra mulher presente no set quando aceitou fazer trabalhos que tinham uma nuance sensual.

LEVANTAMENTO

Uma pesquisa realizada entre fevereiro e março de 2022 pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) constatou que 66% das brasileiras se preocupam com aspectos da violência de gênero, desde o assédio até o feminicídio. Das entrevistadas, 71% perceberam a sociedade brasileira como desigual entre homens e mulheres, tanto no âmbito da liberdade sexual, quanto nos direitos em geral.

A mudança desse panorama social é responsabilidade de todos, como argumenta a professora de Direito Catarina Cecin Gazele, que é especialista em direitos civis da mulher e tem uma atuação focada no combate à violência contra a mulher. Ela cita a Constituição Federal, ao reiterar que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.

“Creio que os esforços para reprimir os crimes sexuais devam continuar com o auxílio da imprensa brasileira e por campanhas de prevenção à violência sexual, também sobre crianças e adolescentes”, comenta Gazele, que já atuou como procuradora-geral de Justiça no Ministério Público do Espírito Santo (MPES).

Ela frisa a importância das denúncias para o combate à violência de gênero, ressaltando que esse papel, em alguns casos, não cabe só à vítima, mas também a qualquer pessoa que testemunhar um crime, como é o caso da Lei de Importunação Sexual.

Ao citar a Lei 13.718, sancionada em 2018, a especialista opina: essas legislações somente alcançarão “os resultados buscados, especialmente pela militância feminina, se as vítimas ou pessoas que testemunhem os crimes, delatarem à autoridade policial ou aos promotores de Justiça, visando à apuração e processo”.

Há canais disponíveis para reportar à polícia casos de violência contra mulher, como o Disque Denúncia 181, em que o relato é anônimo, e o 190, para casos flagrantes. As vítimas também podem acionar a Defensoria Pública no online, através do site www.defensoria.es.def.br.

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André Afonso é aluno do 25º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta. Este conteúdo teve a orientação da editora do programa, Andréia Pegoretti.

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