As viagens feitas pelo Transcol ganharam cara de Big Brother sobre rodas graças a uma ocupante com passou a ter assento cativo: a tecnologia. Nesse reality itinerante, o espaço interno dos veículos são mostrados por câmeras do começo ao fim do percurso pela Grande Vitória. Para se tornar o “Grande Irmão” (aquele que tudo vê) e visualizar de qualquer lugar as imagens, não é preciso muita coisa. Basta ter um celular na mão, conectado a uma rede móvel ou Wi-Fi, e acessar o aplicativo ÔnibusGV.
Se por um lado há quem considere que essa "espiadinha" facilita a vida do usuário que quer saber se vai ou não encarar um coletivo lotado, por outro há quem ache a tecnologia invasiva, sob o argumento de que atenta contra a privacidade, pois exibe o rosto dos passageiros nas imagens.
Do grupo dos que consideram o aplicativo uma funcionalidade em prol da segurança está o estudante de Jornalismo Breno Bassetti, de 21 anos. Ao utilizar os recursos das câmeras de monitoramento, ele pôde acompanhar uma amiga durante todo o trajeto dela em um coletivo, prezando pela proteção da jovem.
A vigilância feita por Breno passou a ser possível após a implantação do serviço InBus, o nome da ferramenta disponível no app ÔnibusGV, destinado a informar horários, trajetos e localizações dos veículos para os usuários, entre outros dados. Por intermédio desse recurso, câmeras foram adaptadas dentro dos carros para captar imagens e disponibilizá-las aos usuários em tempo real.
Segundo a Secretaria de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi), a implantação desse serviço, feita em 2020, já estava no planejamento do Sistema Transcol. A ideia foi antecipada por conta da pandemia da Covid-19 e da necessidade de oferecer esse tipo de informação aos passageiros.
Breno acredita que as facilidades oferecidas têm um saldo positivo. “Eu tenho costume de olhar o aplicativo porque dá pra ver se o ônibus está cheio e se tem algum lugar que está mais vazio. Se eu vir alguma atividade suspeita dentro do ônibus pela câmera, eu já não vou entrar. E isso vai me livrar, vai ter um ganho pessoal pra mim”, explica.
Estudante de Publicidade e Propaganda, Loren Carvalho, 22, compartilha da mesma opinião. Para ela, o InBus ajuda na organização do tempo, por saber quando ele vai chegar. Porém, a universitária reconhece os perigos de stalkers poderem acompanhar uma vítima.
Já Vitor Caliman, 22, também estudante, questiona a forma como essas imagens são utilizadas, uma vez que o controle das gravações não é divulgado pelo Sistema Transcol.
“Acredito que é o principal ponto negativo, porque nós passageiros sabemos que estamos sendo filmados e que, possivelmente, são por razões de segurança, na maioria das vezes. Mas a gente não sabe muito bem o que é feito com essas imagens”, afirma Vitor.
Imagens são consideradas como dados sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). De acordo com a legislação, as empresas devem explicar nos termos de uso a forma como elas são usadas e por que as filmagens são necessárias. Vale ressaltar que a OnibusGV/Geocontrol não cita nenhum dos dois elementos determinados pela lei.
Segundo o artigo 4° da LGPD, a ausência dessa explicação pode acontecer somente quando os dados sensíveis são utilizados por fins de segurança pública. Mas, para a advogada Fernanda Modolo, especialista em LGPD, essa questão não se aplica ao InBus.
"Quando a gente fala em dado pessoal sensível, a gente tem que minimizar, tornar o menor possível o compartilhamento de dados pessoais sensíveis. Se tem a intenção de falar que o ônibus está cheio ou não, eu não preciso identificar a imagem das pessoas. Faço um controle através de algum sistema falando que há uma superlotação. O próprio sistema consegue mapear quem são as pessoas, ele consegue saber se está acima da capacidade daquele transporte ou não”, afirmou a advogada.
A especialista ainda afirma que algumas informações precisam ser esclarecidas pelo Sistema Transcol. Segundo ela, o tempo de armazenamento e a finalidade das imagens capturadas pelas câmeras necessitam ser justificadas para quem usufrui dos serviços.
A Companhia Estadual de Transportes Coletivos de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Ceturb/ES) e a GeoControl, empresa que desenvolveu o Inbus, foram procuradas para esclarecer sobre o uso das câmeras e a autorização das imagens pelos passageiros no termo de uso. Porém, até o fechamento desta matéria, não houve retorno à demanda enviada. Caso seja dada resposta, o texto será atualizado.
Atílio Esperandio, Mikaella Mozer e Vitor Recla são alunos do 25º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta. Este conteúdo teve a orientação da editora do programa, Andréia Pegoretti.
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