Quantas vidas uma única escolha pode mudar? Quando o assunto é doação de órgãos, a resposta é até oito – a escolha de tantos doadores reverberou na vida dos jovens da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) que compartilham suas histórias de solidariedade e recomeço nesta reportagem, veiculada neste 27 de setembro, Dia Nacional da Doação de Órgãos.
Foi uma atitude de compaixão na família que sensibilizou o jovem Breno Gardioli, de 23 anos, a decidir ser um doador. Ele foi inspirado no avô, que doou um rim para uma de suas filhas, tia de Breno, ainda em vida.
“Hoje na minha família ninguém mais é doador, o que é uma pena. Mas tomei essa decisão desde agora para um dia, quem sabe, poder ajudar a salvar a vida de pelo menos uma pessoa”, diz Breno.
Maria Rita Pinheiro, também de 23 anos, acredita que doar órgãos é oferecer uma segunda chance para quem está lutando pela vida. Para a jovem, poder contribuir para salvar ou melhorar a qualidade de vida de outras pessoas é gratificante.
Ela trouxe o assunto para a família há pouco tempo em um grupo de mensagens e mobilizou os familiares, que também expressaram sua vontade de serem doadores no futuro.
Para o médico cirurgião Isaac Walker, a juventude está cada vez mais engajada em causas como a doação de órgãos.
“Nas redes sociais, onde os jovens estão mais presentes, eles são expostos a esse tipo de informação. Nós temos nos hospitais um grande número de adolescentes e jovens adultos aguardando por um transplante.As mídias sociais são muito importantes para a divulgação das campanhas de conscientização”, pontua o cirurgião.
O Setembro Verde marca o mês de conscientização e incentivo à doação de órgãos, determinado no Espírito Santo pela pela Lei Estadual 10.374/2015. A cor foi escolhida por simbolizar saúde, esperança, renovação e vida.
No Brasil, o Dia Nacional da Doação de Órgãos é comemorado também neste mês, em 27 de setembro.
De acordo com a Lei nº 9.434/1997, são os familiares que autorizam a doação após a morte cerebral (encefálica), podendo ser doados coração, fígado, intestino, pâncreas, pulmão e rim.
Já a doação de órgãos entre vivos é permitida entre parentes até o quarto grau ou cônjuges, desde que não prejudique a saúde do doador. Nesse caso, podem ser doados fígado, rim ou parte do pulmão.
“Se a gente não conversar sobre o assunto em vida, nossas famílias não vão ter consciência da vontade de ser doador. Falar sobre isso publicamente também é importante e ajuda a aumentar o número de doações”, finaliza Isaac Walker.
Para ser um doador de órgãos, basta avisar sua família sobre a escolha. Também é possível se declarar doador ao emitir a nova carteira de identidade ou assinando a autorização eletrônica para doação de órgãos (AEDO), documento oficial emitido gratuitamente e registrado em cartório.
São gestos de solidariedade vindos de pessoas como o Breno e a Maria Rita que salvam vidas diariamente no Brasil. Confira agora as histórias de três jovens que receberam uma nova chance de viver pela escolha de alguém.
A doação entre vivos possibilitou o renascimento de Mariana Correia aos 23 anos, após receber um rim doado por sua mãe, Silvani de Assis, de 48 anos.
“Descobri a doença renal crônica em 2022. É uma doença bem silenciosa e só descobri quando estava com sintomas graves. Nessas horas a gente acha que é qualquer outra coisa, menos algo que vai mudar sua vida para sempre”, conta Mariana.
Após tratamentos sem sucesso na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a jovem de Cariacica começou a fazer hemodiálise.
“Esse seria o caminho até conseguir um transplante renal, que é considerado a melhor modalidade de tratamento para os pacientes renais pois devolve nossa qualidade de vida e nos dá a possibilidade de voltar à rotina”, diz Mariana.
Antes da internação, a jovem trabalhava durante o dia e estudava à noite, mas precisou se afastar do trabalho e trancar o período na faculdade para se dedicar a cuidar de sua saúde e fazer hemodiálise, tratamento que lhe custava quatro horas diárias.
“Eu ainda não estava ativa na fila do centro de transplante do Espírito Santo. Então procurei o Hospital do Rim (HRim), em São Paulo, referência em transplante renal no mundo. Viajei em outubro de 2023 com meus pais e dois tios maternos para fazer o exame de compatibilidade, e foi quando descobrimos que minha mãe poderia ser minha doadora. Realizamos todo o processo pré-transplante, que é bem burocrático e precisa de uma avaliação geral do paciente receptor e também do doador, além de uma série de exames laboratoriais, imagens e avaliações médicas. Por fim, conseguimos realizar a cirurgia em junho de 2024”, conta.
O apoio materno foi crucial desde o início. “Minha mãe também parou de trabalhar para cuidar de mim e me ajudar na rotina da hemodiálise, depois doou seu próprio rim. Ela me deu a vida pela segunda vez. Infelizmente, nem todos os pacientes renais crônicos têm essa oportunidade de ter um doador vivo, por isso é tão importante reforçar a doação de órgãos no nosso estado. É uma nova chance de viver”, afirma Mariana.
Mariana ressalta ainda que só conseguiu arcar os custos de viagem e tratamento em outro Estado graças a pessoas que se solidarizaram com sua história e enviaram doações on-line. “Sou muito grata a todos e queria que soubessem disso."
Após a estadia de três meses em São Paulo para realizar o acompanhamento pós-transplante, Mariana e Silvani retornaram para o Espírito Santo na última semana, com direito a recepção da família no aeroporto.
Com o sucesso da cirurgia, Mariana pretende retomar seus sonhos. “Vou terminar minha faculdade, voltar a atuar na área administrativa, viajar muito, cuidar da minha saúde e da minha família e fazer valer a pena essa grande oportunidade”, finaliza.
Sophia Kifer descobriu tardiamente que tinha hepatite autoimune, o que levou a jovem de Vila Velha a um quadro de cirrose crônica aos 16 anos de idade. Ela ficou cerca de um mês na fila de transplante, entre outubro e novembro de 2022, por conta de fatores como idade e pontuação Model for End-stage Liver Disease (MELD).
A MELD se dá por um valor de 6 (menor gravidade) a 40 (maior gravidade), que quantifica a urgência de transplante de fígado em pacientes com idade igual a 12 anos ou mais.
“Ligaram para minha mãe à noite. Eu estava no meu quarto e pela reação dela sabia que tinha sido algo emocionante e feliz. Ela estava chorando, e eu logo percebi que recebemos a notícia de que encontraram um órgão compatível com o meu tipo sanguíneo”, relembra Sophia.
O procedimento foi um sucesso. “Minha recuperação foi ótima! Foi uma cirurgia longa, porém não tive nenhuma complicação e sou grata à equipe médica que cuidou de mim depois do transplante e durante as visitas médicas”, afirma a jovem.
Aos 19 anos, Sophia ressalta a importância do Setembro Verde. “Nesse mês de setembro é importante lembrar que doar um órgão após a morte ou entre vivos é uma decisão difícil, porém amável. Você pode salvar a vida de uma outra pessoa que está necessitando do órgão por dias, meses ou até anos”, finaliza.
Após um parto complicado, os médicos avisaram a Valeska Porto que as chances de sobrevivência de sua filha eram baixas. Maria Eduarda Porto nasceu prematura aos 6 meses de gestação, com malformações nos rins e bexiga.
Ela superou as expectativas e resistiu, mas esse seria apenas o início de uma longa caminhada por sua saúde. Maria Eduarda, hoje com 16 anos, passou por 19 cirurgias diferentes durante a vida em decorrência das malformações e complicações causadas por elas.
“Eu entreguei minha filha 19 vezes para um anestesista e em todas essas vezes eu não sabia se ela iria voltar”, conta Valeska. Além das cirurgias, Maria Eduarda teve de lidar com tratamentos intensivos desde muito cedo, como a hemodiálise.
Aos 11 anos, a eficiência de seu único rim funcional caiu de 40% para apenas 14%. Foram 11 meses de hemodiálise, um processo difícil que levou a menina a um quadro extremo, chegando a pesar apenas 14 kg.
Para que ela não precisasse mais realizar a hemodiálise, a compatibilidade de toda a família foi testada para a possibilidade de um transplante entre vivos, mas uma ligação da Central Estadual de Transplantes (CET) de Minas Gerais veio primeiro.
Maria Eduarda foi transplantada no mesmo ano. “Eu pude ter uma vida de novo, né? Claro, tomando todos os cuidados sempre, mas agora eu posso normalmente ir à escola, viajar, fazer todas as coisas que eu não podia fazer antes”, conta a adolescente.
Desde muito cedo a Maria Eduarda se tornou uma verdadeira vencedora. Foi cedo também, aos 3 anos de idade, que ela se encantou pela natação, esporte que pratica até hoje.
“Eu tive que ficar um período longe da natação por conta da hemodiálise, mas o tempo todo só pensava em voltar. Sempre perguntava para minha mãe quando eu poderia nadar de novo, porque eu só queria nadar”, afirma a jovem.
Hoje a adolescente está focada em seu sonho de ser uma atleta. Ela faz parte da Liga Brasileira de Atletas Transplantados e sonha em participar de competições internacionais, como as Olimpíadas dos Transplantados.
Inclusive, a nadadora já apareceu em uma edição estadual do Globo Esporte, em Minas Gerais, contando sua história e paixão pela natação.
Desafio superado, mãe e filha são ativas nas redes sociais e buscam conscientizar as pessoas para a importância de doar órgãos por meio da história de vida da jovem.
A frase mais usada por Valeska, estampada em camisas e posts no Instagram, não poderia ser melhor: “o sim de uma família salvou a vida da minha filha”.
*Carol Leal é aluna do 27º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta. Este conteúdo teve orientação de Eduardo Fachetti, coordenador do programa.
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