Quem vê a designer Juliana Lisboa falando pausadamente não imagina que sua mente fervilhe de ideias. Aos 33 anos, ela é um dos nomes por trás do grupo Cidade Quintal, organização que trabalha para que a cidade, o bairro, a rua, a praça, a calçada, possa ser o quintal da casa de cada morador. O objetivo é ter uma cidade transformada a partir da arte, do design, do urbanismo e da antropologia urbana.
A minha forma de contribuir com a cidade é pensando sob a ótica do design como jeito de projetar, pensar espaços melhores e adequados para as pessoas. Me declaro designer na fronteira, utilizando a arquitetura, a arte e a tecnologia, estou sempre em contato com outras pessoas e trabalhando a partir de um olhar de colaboração, conta a baiana.
Ela chegou por aqui há 20 anos e adotou Vitória como sua Capital. Me ancorei e sou apaixonada. É uma das melhores para se viver. A ancoragem deu frutos. Em 2016, com o artista e grafiteiro Renato Pontello, resolveu dar uma nova cara para a cidade. Através de um edital, fizeram uma pintura em grande escala no Centro Esportivo Tancredo Neves (Tancredão). Esse foi o meu primeiro contato em pensar um espaço público, lembra.
O projeto teve visibilidade, mas Juliana ficou incomodada porque em nenhum momento perguntou a opinião dos frequentadores. Faltava a interação com a comunidade. Não teve brilho, diz. Foi a partir daí que começou a ideia de troca com os moradores. A primeira intervenção foi no Romão e no Forte São João, que gerou a obra Nosso Bairro, Meu Quintal, referente a dois murais que totalizam 260 m².
A obra buscou retratar o sentimento de união e cooperação presente nesse território. Com a imersão que durou 2 semanas, identificaram a importância de homenagear as gerações antigas, por terem empregado esforços para conquistar os benefícios presentes atualmente, e as gerações mais recentes, que não participaram dessa construção, mas que encontram novos dilemas a serem superados, marcados pela violência, escassez de recursos e falta de perspectivas. Só de ter se aberto para experiência valeu a pena. Tivemos reuniões com moradores, conhecemos as histórias dos principais becos e percebemos que também era importante incluir os artistas do local, como Ed Brown. Hoje sempre temos meia equipe nossa e a outra metade incorporamos agentes, artistas e fornecedores locais. As pessoas passam a cuidar mais desses espaços e se beneficiam de alguma forma economicamente com isso, o que também é importante, diz Juliana.
Eles já fizeram projetos na comunidade Floresta, na região do Mercado da Vila Rubim, no Bairro República e na Ilha das Caieiras. O próximo será na Ilha do Príncipe que, em 2026, celebra 100 anos. Será um mural em 11 prédios, um ao lado do outro, em frente da Rodoviária de Vitória. Uma novidade integrada com tecnologia e realidade aumentada, diz, mostrando que o design e a arte urbana podem contribuir para oferecer espaços mais acolhedores.
Você já experimentou ficar na praia até o final do dia? Percebeu a quantidade de lixo que os frequentadores costumam deixar na areia e na água? Isso é uma pequena parcela do que é encontrado pela turma do Projeto Pegada, que tem como objetivo buscar o melhor relacionamento entre pessoas e o meio ambiente.
Apaixonado por Vitória, o empresário Rafael Braga começou, há sete anos, a recolher o lixo das praias com a esposa. Depois de uma volta ao mundo, eles trouxeram a experiência do que funciona em diversos países. Vimos cidades com problemas mais sérios de economia e pobreza, mas com moradores que se dedicam a cuidar do local, conta. Na Tailândia e Camboja, por exemplo, observaram como a natureza é cuidada. Muitas vezes, no meio da pobreza, está todo mundo feliz, cuidam do quintal, da rua e da praia. Sabem da importância do meio ambiente e que dependem dele para o turismo, diz Rafael.
Peças de carro, eletrodomésticos, lixo hospitalar, restos de drogas Um pouco de tudo é encontrado nas limpezas que acontecem com regularidade. O projeto, que hoje conta com 600 voluntários, também atua no resgate de animais, monitoramento da baía, remoção de pichações e o trabalho de educação ambiental nas escolas. Estamos voltados para o desenvolvimento econômico do Estado. Nosso objetivo é transformar Vitória numa cidade reconhecida pelo meio ambiente, turismo, esporte e tecnologia. Que as pessoas conheçam as belezas que temos aqui, um dos locais mais privilegiados do planeta. É maravilhoso e temos que retribuir, diz.
Alface, rúcula, taioba, salsa, cebolinha, coentro, manjericão. Banana, maracujá, acerola, cajá, jabuticaba Quem passa pela rua Rubens Vervloet Gomes, no Centro de Vitória, encontra uma verdadeira horta de 100 metros que mudou a cara do local. A ideia foi da assistente social Eduarda Borges Bimbatto, 55 anos, que há 6 foi morar no bairro. É uma rua sem saída e, quando cheguei, não tinha nem calçamento. Era esquecida pelo poder público, vivia cheia de mato e entulhos. Eu e meu marido começamos a plantar algumas mudinhas na frente de casa, lembra.
Até que, em 2016, foi realizada uma ação coletiva com os vizinhos. Nascia a Horta Comunitária Quintal da Cidade, espaço que se tornou um ponto de convivência comunitária. O projeto foi além do plantio e colheita de alimentos orgânicos. Hoje conta com eventos culturais e trabalho ambiental nas escolas. O que acontece aqui é a humanização da cidade, diz Eduarda.
O cuidado é diário e os alimentos são compartilhados pelos moradores da rua. Quando a colheira é maior, fazemos doações para vizinhos. Durante a pandemia do coronavírus doamos para os moradores da Piedade, conta a assistente social. Mutirões de limpeza acontecem a cada 15 dias e durante a semana tem sempre alguém cuidando do espaço.
Para Eduarda, que adora a cidade que vive, a principal mensagem do projeto é entender que a transformação da sociedade acontece a partir de cada um. Ações, que muitas vezes começam individualmente, podem ganhar amplitude. A transformação do ambiente se torna mais rico quando conseguimos agregar pessoas e transformá-lo num espaço coletivo. Todo mundo ganha, inclusive a cidade.
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