Muito provavelmente, nas últimas semanas, você já deve ter esbarrado com a marcante frase da filósofa estadunidense Angela Davis: "Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista". Mas você sabe o que significa ser, de fato, antirracista? Sabe a importância do seu posicionamento contra o racismo? Nós, da Revista.ag reunimos alguns pontos e te fazemos um convite à reflexão para ajudar a mudar o cenário da nossa sociedade.
Para se opor a algo, o primeiro passo é entender do que se trata. No caso do racismo, trata-se de um conjunto de crenças que desumaniza e tira a dignidade de um grupo social enquanto beneficia outro em razão de características físicas e culturais. Por isso, o antirracismo é o movimento de oposição a esse sistema, envolvendo conhecimento e ações práticas para minimizar ou, para os otimistas, erradicar - essa desigualdade.
Em segundo lugar, precisamos entender que o conhecimento gera posicionamento. Então, a educação é a peça-chave para essa transformação tão necessária. Isso não é só sobre a educação de filhos, é também pra quem, independente da idade, decide mudar suas ações e parar de reproduzir o racismo.
Jéssica Vicência é especialista em Direito Educacional, colunista do site Ativismo Negro e pesquisa Educação para Relações Étnico-raciais. Ela explica que é muito importante que se conheça e que sejam feitos debates sobre as questões étnico-raciais, pois ninguém nasce racista, aprende-se a ser e é possível aprender a não ser.
Mais importante do que reconhecer a existência do racismo, é fazer com que esta discussão avance para além dos horizontes do movimento negro. Todos e todas podem e devem combater o racismo, estudar, se informar sobre este processo presente na sociedade brasileira e ensinarmos aos nossos filhos a serem antirracistas, complementa a especialista.
Já que combater o racismo é uma tarefa de todos, é muito importante acreditarmos que ele existe e que é o responsável por grandes problemas sociais. Em seu livro Pequeno Manual Antirracista - inclusive fica aí a indicação -, a filósofa, escritora e ativista Djamila Ribeiro escreveu a seguinte frase: "É preciso identificar os mitos que fundam as peculiaridades do sistema de opressão operado no Brasil, e certamente o da democracia racial é o mais conhecido e nocivo deles.
Ou seja, por aqui, o mito da Democracia Racial - aquela ideia de que todos são iguais - funcionou tanto que fez com que muitas pessoas tratassem como vitimismo ou até mesmo mimimi uma luta tão importante quanto essa.
Quando falamos em diferenças sociais e de acesso entre brancos e pretos, isso não quer dizer que faltou esforço, essa desigualdade é o produto da falta de reparação histórica. Então, é preciso aceitarmos que essa igualdade entre as raças ainda não existe e por ela que estamos lutando. Ao presenciarmos um ato racista, devemos todos nos posicionarmos e nunca minimizar a opressão vivenciada por outra pessoa, explica Jéssica Vicência.
É impossível pensar o povo preto brasileiro sem falar sobre suas matrizes africanas. Grande parte da cultura afro tem base no respeito e na união da humanidade, estes são os principais valores da herança dessa cultura. Isso pode ser percebido no comportamento das comunidades de maioria negra e nas religiões afro-brasileiras. Mas, então, por que na escola só ouvimos falar do povo africano como escravizado e nunca como uma potência?
Segundo Jéssica, é necessário entender que as histórias que aprendemos na escola vão para além da escravidão. Elas são atravessadas por muita luta, resistência e diversas tentativas de manutenção cultural dos povos negros. Devemos valorizar esta cultura, disseminá-la e buscar compreender os motivos de pessoas negras não serem vistas com frequência em espaços de poder e de produção de conhecimento.
É preciso compreender que houve um apagamento da história negra e daqui por diante, negros e não negros, crianças e adultos podem lutar para dar visibilidade às histórias que nunca foram ouvidas, complementa a pesquisadora
Além disso, financiar o povo preto é um ponto importantíssimo da luta antirracista. Por isso, precisamos consumir conteúdo produzidos ou protagonizados por pessoas pretas, valorizar produtos e serviços de profissionais negros, consumir arte de pessoas pretas, investir em afroempreendedores e indicá-los sempre que uma oportunidade surgir.
Quantas vezes você correu atrás de um busão
Pra não perder a entrevista?
Chegar lá e ouviu um
"Não insista,
A vaga já foi preenchida, viu
É que você não se encaixa no nosso perfil"?
Os versos acima são da cantora e compositora Bia Ferreira, eles falam sobre como o preconceito atua também no mercado de trabalho. Qual seria o perfil ideal? Muitas vezes, por conta das diferenças sociais citadas anteriormente, pessoas pretas precisam exigir de si mesmas o dobro - ou triplo ou mais - de esforço pra alcançarem o reconhecimento ou até mesmo as vagas.
Tudo isso enquanto assistem outras pessoas chegarem a importantes cargos fazendo menos e ganhando mais. De acordo o estudo Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em novembro do ano passado (2019), brancos com nível superior ganham em média 45% a mais por hora quando comparados a pretos e pardos com o mesmo nível de instrução.
E este é só um dos exemplos de privilégio. Por isso, cara gente branca, agora o papo é exclusivamente com você. Então aí vão algumas perguntas pra facilitar o entendimento sobre o que significa ser racialmente privilegiado:
Nos espaços que você frequenta, a maioria das pessoas da sua cor estão em posição de serventia? Já sofreu bullying por conta da cor da pele, dos traços ou do cabelo? Quantas vezes você já foi perseguido pelo segurança em uma loja? Alguém já escondeu seus pertences ao dividir um elevador com você? E a rua, já atravessaram pra não passar por você na calçada?
Se suas respostas incluem nunca e não, isso é privilégio - não deveria ser, mas é. Ser antirracista inclui reconhecer os privilégios e usá-los para atuar como um aliado na luta. Reflita sobre a branquitude, sobre todos os benefícios que você usufrui e talvez nem se dê conta, aproveite-os para agir em prol do coletivo. O ativismo na internet é importante, mas ele sozinho não funciona. No seu cotidiano, pense em pequenas ações que podem ser feitas do dia a dia pra reduzir essas desigualdades.
Use sua voz e sua escuta, sabe aquele ditado Quem cala, consente? Se calar em situações de injustiça é ser conivente. Infelizmente, a voz branca ainda é mais ouvida e mais validada que as pretas. Aprenda com os negros - que são quem têm propriedade no assunto - sobre racismo e compartilhe o conhecimento na sua rodinha de amigos brancos. Indique referências pretas a eles.
Procure estudar e se informar para entender o seu papel nessa luta. Uma busca rápida te permite conhecer uma infinidade de conteúdos super relevantes produzidos por pessoas negras que falam sobre racismo de dentro pra fora, ou seja, da perspectiva de quem vivencia os impactos deste preconceito diariamente.
Quando você tem tudo isso dado e ainda insiste em cobrar de uma pessoa preta que ela te explique sobre a estrutura racista, você reproduz o ciclo - racista - de colocar o negro em posição de serviço. Afinal, tudo que eles sabem, além das vivências, aprenderam buscando por estes conhecimentos, cabe a você fazer o mesmo.
Além disso, é muito importante colocar o conhecimento em prática. Por exemplo, quando uma marca ou personalidade se envolve em algum escândalo racista, vale refletir se é coerente continuar consumindo aqueles produtos, serviços ou ideias. Sua indignação precisa ser acompanhada de ações que realmente vão fazer a diferença.
Por fim, só teremos vencido quando alcançarmos a proporcionalidade espaços para os 54% da população brasileira que se declara negra. Não só em quantidade, como também em estrutura, como nas posições de poder, de produção de conhecimento e de tomadas de decisões. Até lá, temos muito a fazer e precisamos começar agora.
"Chega junto, e venha cá
Você também pode lutar
E aprender a respeitar
Porque o povo preto veio re-vo-lu-cio-nar
- Bia Ferreira
Cantora e compositora
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