Antes, o universo delas girava em torno de panelas, legumes, massas, temperos. De uma hora para a outra, entraram as fraldas, mamadeiras, chupetas. Entraram os filhos. E elas, que se preocupavam basicamente em comandar suas cozinhas, passaram a ter que dar conta ainda dos bebês. Tudo ao mesmo tempo agora.
Sim, porque uma chef não consegue abandonar o barco - ou melhor, o fogão - quando vira mãe. E assim elas vão se desdobrando em duas, três, quatro para cumprir a jornada.
Júlia Faria, 35 anos, já sente o dolma apertado. Com Cora na barriga e Lucca correndo pela cozinha, ela vai administrando as coisas no seu Daju Bistrô, restaurante de cozinha artesanal que funciona há nove anos na Mata da Praia, em Vitória.
O Lucca vem mais nos finais de semana. Até evito de deixá-lo na cozinha porque ele toca o terror! Não para um segundo! Quer subir na pia, abrir a torneira..., diz Júlia, rindo meio que de nervoso.
É em casa que ela deixa o menino - sapeca como qualquer criança de 3 anos - à vontade nesse ambiente. Ele sempre fica comigo quando vou cozinhar. É interessado! Fica me vendo fazer as receitas, pergunta tudo, conta.
No restaurante da família, em Iriri, é a mesma coisa. Lá ele pega as panelas, joga tudo para cima, bate tampa É diversão mesmo! E barulho, ri a chef.
Bem pequenino Lucca teve que aprender a dividir a mãe dele com as panelas. Voltei a trabalhar quando ele tinha dois meses. O restaurante é meu. Não podia ficar ausente. E é pertinho de casa! Então, eu ficava indo e voltando para amamentar. Depois, quando ele fez um ano e meio, foi para a creche em período integral. Até a creche foi difícil de achar, por causa dos meus horários, lembra Júlia, casada com o empresário Carlos Alberto, de 32 anos.
Alice tem só quatro meses de vida e não entende muito bem o que tanto sua mãe faz na cozinha. O jeito é ficar por perto, a uma distância segura do fogo e das facas, claro.
Quando está em casa, Natássia Miranda, 32 anos, mantém um olho no cozido e outro na filhota. Mas ela também tem que se ocupar bastante de outro bebê: o restaurante, que também acaba de nascer. Os dois nasceram praticamente juntos! Brinco que tive duas gestações, conta ela, referindo-se ao Pura Bali, espaço voltado para alimentação saudável recém-aberto na Praia do Canto, em Vitória.
A comida ali é leve, mas a rotina é pesada. O restaurante me dá muito mais trabalho que minha filha! Ela é muito tranquila, comenta Natássia.
Apesar disso, a chef sente na pele o sacrifício que é passar tanto tempo longe da pequena. Fico longe dela oito horas por dia. Saio de casa às 13h e só volto para casa às 21h. Não tenho coragem de levá-la ao trabalho, já que ela não tomou todas as vacinas ainda. E não tem um lugar confortável para ela. Conto com uma rede de apoio para ficar com a Alice. Tive complicações com amamentação e, por isso, entrei com suplementação. Meu leite foi secando, mas faço questão de manter o peito. Quero passar essa experiência para ela.
Enquanto está lá, cozinhando, Natássia fica imaginando o dia em que verá a menina correndo por entre as mesas. Será que ela vai gostar de açaí?
Bárbara Verzola. Ela é um dos nomes mais respeitados da gastronomia capixaba e brilha à frente do Soeta, restaurante de comida contemporânea na Capital. É também a mãe do Matias, de 2 anos, e da Cora, de apenas 3 meses de vida. E isso diz muito sobre essa mulher.
Aos 39 anos, ela encara a criação dos dois filhos pequenos e a função de chef com leveza, transmitindo plena realização. Pensa que ela reclama do cansaço, das noites maldormidas? Ser mãe é cansativo, claro. Mas sou uma mãe melhor depois de uma boa noite de trabalho. Trabalhar me faz feliz, faz parte do que eu sou. Acredito que a gente consegue ser uma mãe melhor quando a gente está feliz!, diz.
Apesar da tranquilidade de agora, Bárbara admite que sofreu um certo baque com a chegada do Matias. Mudou tudo, né? Eu tinha medo de não conseguir voltar à minha vida normal. Com Cora foi bem diferente. Com o segundo filho, a gente já está mais organizada, já sabe onde o calo aperta, se é sono, se é amamentação. E já se cerca de quem pode te ajudar. Tenho uma boa rede de apoio, com um marido incrível, mãe e sogra... E Cora é uma bebezinha maravilhosa!
E assim ela vai levando a rotina entre as panelas e as mamadas. Mas quando chega em casa, ela passa longe da cozinha. Cozinho muito pouco em casa, não tenho paciência. Muitas vezes, levo comida do restaurante lá para casa. O Matias me vê cozinhar muito pouco. É mais o café da manhã, quando faço uma panqueca. Deixo ele me ajudar a mexer, a abrir um ovo, conta a chef.
É o máximo que ela vai estimular do filho. Ele pode querer cozinhar, mas não vou estimulá-lo a ser cozinheiro. Claro que amo o que faço, mas é uma profissão muito dura, não sei. Não tenho esse sonho de ele ser meu substituto.
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