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Geração NoMo: a pressão sobre mulheres que não querem ser mães

Geração NoMo: a pressão sobre mulheres que não querem ser mães

No Brasil, quase 40% das mulheres em idade fértil optaram por não dar a luz nem uma vez na vida. Elas enfrentam vários desafios que envolvem a pressão social acerca do assunto

Publicado em 21 de novembro de 2020 às 06:01

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Mulher fugindo de carrinho de bebê ; Mulheres que não querem ser mães
Os motivos que levam à decisão são diversos, mas todas elas reivindicam respeito por parte da sociedade. (Arquivo pessoal)

Maior foco na carreira, liberdade, preocupação com a questão financeira, ausência de instinto materno ou até mesmo a perda da vontade com o tempo. São muitos os motivos que levam uma mulher a não querer ser mãe. Apesar de que há quem diga que o sorriso do filho faz tudo valer a pena, junto com um ser dependente de você também chegam várias restrições e responsabilidades que nem toda mulher está a fim de encarar. E tá tudo bem. 

Segundo uma pesquisa global realizada pela farmacêutica Bayer, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e do Think about Needs in Contraception (TANCO), 37% das mulheres brasileiras em idade fértil não querem ter filhos. Elas formam a chamada Geração NoMo (Not Mothers), que reivindica o respeito de uma sociedade que insiste em impor a maternidade às mulheres.

A universitária Lydia Lourenço (24) faz parte desse grupo e conta que não pretende ser mãe, mas que nem sempre pensou assim. “Nós mulheres somos condicionadas desde cedo a sermos mães, então quando eu era mais nova eu idealizava isso, mas com o amadurecimento fui vendo que não era um desejo genuíno meu e sim algo que esperavam de mim”, compartilha.

Sobre os fatores que a levaram a fazer essa escolha, Lydia tem muita clareza ao elencá-los e, como a maioria das mulheres da geração NoMo, envolve responsabilidades e carreira. “Penso ser uma responsabilidade muito grande criar um outro ser e nem tenho o desejo de ter uma criança pra me sentir realizada ou algo do tipo. Além disso, sempre priorizei meu lado profissional e, apesar de ser possível conciliar, sei que ter um filho - quando se é mulher principalmente - implica em abrir mão de muitas coisas, incluindo os rumos da carreira.”

Em relação a se sentir pressionada nesse sentido, Lydia conta que hoje em dia lida melhor e consegue se impor em situações que a questionam a respeito, antes ela tentava disfarçar ou desconversar. “Em grupos de amigos nunca me senti pressionada, porém no meu meio familiar, sim, principalmente por parte da minha mãe, sempre com aquela máxima: "Ah, você pensa assim porque é muito nova" ou então dizendo que vou mudar de ideia quando conhecer a pessoa certa e me apaixonar, porque vou querer constituir uma família”, diz.

A universitária Lydia Lourenço sempre ouve que irá mudar de ideia mais tarde. (Arquivo pessoal)

Como lidar com a pressão nos grupos sociais

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Algumas pessoas que acabam nos fazendo mal estão bem próximas a nós, mas, ainda assim, devemos decidir pela nossa felicidade e saúde mental

Yasmin Rebuzzi
Psicóloga
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A psicóloga Yasmin Rebuzzi explica que historicamente, culturalmente e socialmente a mulher é cobrada a respeito da maternidade, como se a sua única utilidade fosse a procriação. “Essa é uma visão muito machista, mas que, infelizmente, ainda é presente nos dias atuais. Acontece que as mulheres não aceitam tão facilmente mais os padrões impostos como antigamente e estão usando cada vez mais seu poder de escolha. Nesse caso, a escolha entre ser mãe ou não. É o nosso corpo, é o nosso tempo, é o nosso sono, é a nossa vida... Então temos, sim, o direito de decidir”, destaca.

Muitas dessas mulheres se sentem pressionadas nos próprios círculos mais próximos, como família e amigos. O que a psicóloga define como algo bem complicado, porque são dessas pessoas que elas mais esperam apoio, acolhimento e compreensão. “Como não podemos mudar o pensamento, a crença ou as atitudes externas, o que se pode fazer para amenizar os danos nessas relações é mudar a forma que você percebe e recebe essa pressão e cobrança”.

“Voltando naquele ponto que mencionei sobre as escolhas, também é uma escolha nossa decidir ficar magoada com quem se opõe a esta escolha (sobre a maternidade) e se afastar dela, ou entender com compaixão que é o pensamento dela e que não há nada que você possa fazer para mudar isso, filtrando essa cobrança de forma leve”, complementa Yasmin.

Agora, se essa pressão e cobrança passa a ser tão sufocante e difícil de lidar, a psicóloga lembra que essas mulheres podem escolher também entre se manter próximas ou não dessas pessoas. “Existem pessoas que recarregam nossa energia e pessoas que sugam a nossa energia. Infelizmente, algumas dessas pessoas que acabam nos fazendo mal (conscientemente ou inconscientemente) estão bem próximas a nós, mas, ainda assim, devemos decidir pela nossa felicidade e saúde mental. Não se sinta egoísta por se priorizar”, aconselha.

A psicóloga Yasmin Rebuzzi reforça que não é egoísmo se retirar de ambientes tóxicos. (Arquivo pessoal)

Na raiz do problema

Viviane Mozine Rodrigues é doutora em Ciências Sociais e professora do mestrado em Sociologia Política da Universidade Vila Velha. Ela explica que, sociologicamente, o estigma que está sobre essas mulheres envolve duas questões: a de ser mulher (estigma de gênero) e de comportamentos não convencionais (não quererem ter filhos). “Neste último caso, esse estigma foi desenvolvido a partir de um contexto social e de uma narrativa culturalmente dada. Narrativas culturais ocidentais acerca da maternidade e feminilidade, que estabelecem que mulheres não são completas enquanto não se tornam mães”, pontua.

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Ou seja, as mulheres que não querem ser mães passam por situações de constrangimento por se comportarem de forma não normativa

Viviane Mozine Rodrigues
doutora em Ciências Sociais
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Mas quais são os fatores que fazem com essas mulheres passem por essas situações desagradáveis ao optarem por não serem mães? Na opinião da socióloga, é uma questão de gênero, mas não só. “Reflete exatamente a construção de significados do que é ser mulher em nossa sociedade. Basta ser mulher e não querer ter filhos para se transitar automaticamente para a condição não normativa. A compreensão do que a sociedade entende o que é ser mulher, e de como ela deve se comportar para se tornar uma mulher”, explica Viviane.

A professora também salienta a importância de a sociedade discutir gênero e mudar a mentalidade. “Pais responsáveis pelo trabalho doméstico - que lave a louça, faça uma comidinha gostosa e que monte árvore de natal, por exemplo - e pelos filhos - que assumam de fato e não apenas troque fralda, busque na escola quando a mãe não pode e fique com as crianças quando ela precisa viajar a trabalho”.

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São muitas as razões para uma mulher não querer ou não poder ter filhos, não há uma razão homogênea, são histórias de vida, todas diferentes

Viviane Mozine
Doutora em Ciências Sociais e professora
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“As mulheres ainda se sentem exclusivamente responsáveis pela criação dos filhos. Precisa ter uma igualdade aí. Conheço pais maravilhosos, mas a gente não vê muito. Essa é uma discussão importante: a maternidade sempre foi considerada em nossa sociedade um aspecto do feminino. Vejam as políticas públicas, como na Islândia: o país possui uma das maiores licenças para pais do mundo, com três meses remunerados. No extremo oposto, a Rússia, a China e a Índia não dão um dia aos futuros papais”, acrescenta.

Sobre o fato de as pessoas, incluindo desconhecidos, se acharem no direito de falar sobre ou intervir na decisão dessas mulheres, a professora destaca que deve-se lembrar a essas pessoas que muitas mulheres não possuem filhos somente pela falta de vontade. “Outros motivos como a infertilidade ou até mesmo em encontrar um parceiro ideal podem acontecer. Muitas mulheres se dedicam uma vida inteira a cuidar de algum membro da família. Em condições econômicas adversas as mulheres também podem optar por não ter filhos. É muito complexo! São muitas as razões para uma mulher não querer ou não poder ter filhos, não há uma razão homogênea, são histórias de vida, todas diferentes”, finaliza.

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