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Mães recebem cartas: sem abraço e beijo, mas com toda a emoção

Mães recebem cartas: sem abraço e beijo, mas com toda a emoção

Em meio à pandemia de coronavírus, convidamos três pessoas que não vão poder encontrar suas mães no próximo domingo para escreverem para elas

Publicado em 1 de maio de 2020 às 18:21

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Thiago Dantas, empresário e sócio de barbearia, fez uma carta para a mãe
Thiago Dantas, empresário e sócio de barbearia, fez uma carta para a mãe . (Kariny Vianez)

Quem poderia imaginar que o maior gesto de amor que alguém poderia demonstrar a uma mãe seria não abraçá-la, nem beijá-la. Este Dia das Mães será diferente. Não queremos fazer drama aqui. A situação já está um tanto quanto pesada.

Mas é fato que milhares de mães, sobretudo as mais idosas, vão ficar sem aquele chamego da cria nesta data. Por motivo de força maior, claro. Em meio a uma pandemia de coronavírus que assola o planeta, elas viraram grupo de risco e devem ser protegidas.

Difícil pra elas, que foram isoladas em suas casas, mantidas já faz mais de 40 dias longe dos filhos e dos netos. Do outro lado, vai ter gente sofrendo também por passar mais esse dia sem aquele colo, aquele cheiro que só a mãe tem. E que falta isso tudo faz…

Por isso, a Revista.ag convidou algumas pessoas a mandarem um recadinho para suas mães. Muitas estão distante geograficamente falando. Outras até estão por perto, mas também faz tempo que não recebem uma visitinha. Contato, só por telas. No máximo, um tchauzinho pela janela.

Por mais que a saudade fale mais alto, pode ser arriscado quebrar a regra até neste dia especial.

A mensagem vai por meio de carta, que é para resgatar uma forma de comunicação que estas mães conheceram muito antes do WhatsApp e dos e-mails. No papel, todo sentimento é colocado no lugar do abraço e do beijo, que só foram adiados.

Palavras que ajudam aquecer o coração e abrandar a saudade que dói tanto no peito.

Por mais que quisessem a prole toda ali reunida debaixo de suas asas, essas mães sabem que são amadas e que o isolamento é para o bem delas e de todos ao redor. Recolhidas, elas com certeza estão zelando pela família, seu bem mais precioso.

Paparicos, só à distância

O filho mais velho de dona Valdirene Pereira não vê a hora de poder abraçar sua “véia”, como ele a chama. “Quem diria que em 37 anos, somente uma vez ficamos mais de 20 dias sem nos vermos. E só Deus sabe o quanto foi doloroso. Mas, claro, foi em outras circunstâncias. Desta vez, é para preservar sua saúde”, diz Thiago Dantas na carta para a mãe, a pedido da Revista.ag.

A última vez em que eles se viram foi no feriado de Corpus Christi. E, mesmo assim, de longe. “Fui até a casa dela para pegar uma torta capixaba. Fiquei do lado de fora”, conta ele, que é empresário, sócio de uma barbearia na Praia da Costa, em Vila Velha.

Thiago sente falta dos paparicos, do colo da mãe, que mora na Serra. Quem acompanha dona Valdirene mais de perto é a filha caçula, que mora com ela.

“Sou muito apegado a ela. Mamãe tem hipertensão. Tem 63 anos e precisa ficar em casa por causa da pandemia. Nosso pai é falecido. Eu estou tendo contato com clientes, por mais que tome cuidado, fico com medo de encontrar com ela, infelizmente”, diz.

Será o primeiro Dia das Mães longe dela. “Até pensei em me afastar do trabalho antes, alugar uma casa e ficar isolado com minha mulher e minha filha. Isso só para podermos estar todos juntos no Dia das Mães. Mas não é seguro. Já abortamos essa ideia”.

Não se preocupe, Thiago. Dona Valdirene entende. “Fico mais preocupada com ele! Porque o local onde ele mora está o foco da doença. Eu estou aqui quietinha. Não quero morrer disso não!!”, tranquiliza a cuidadora de idosos, a vovó da Maria, de 10 meses.

Ela é só elogios para o filho. “Paparico mesmo! É um filho maravilhoso. É difícil ficar longe! Tenho muita vontade de apertar, de dar um cheiro. Pelo celular não é a mesma coisa. Mas logo a gente irá compensar isso tudo!”.

Thiago Dantas e a mãe, dona Valdirene Pereira
Thiago Dantas e a mãe, dona Valdirene Pereira. (Arquivo pessoal)

"Olá, minha véia!"

Quem diria que teríamos que passar por isso de novo, em 37 anos, somente uma vez ficamos mais de 20 dias sem nos vermos. E só Deus sabe o quanto foi doloroso, mas claro, em outras circunstâncias. Desta vez, é para preservar sua saúde.

Não tenho palavras para agradecer tudo o que fez por mim. Nos momentos mais difíceis da minha vida era quem me acalmava e mostrava que eu era capaz de superar qualquer difícil. Agradeço a Deus por tê-la como mãe e parceira, minha melhor amiga. Apesar de não estarmos nos encontrando, basta fechar os olhos que sentirá meu abraço, ou melhor, meu cheiro como a senhora diz.

Te amo muito minha véia, que saudade do seu colo Um feliz dia das Mães!!"

A carta

Thiago Dantas

Poesia, terço e muito bate-papo por videochamada

O último Dia das Mães que elas passaram juntas foi há 26 anos. Foi quando Jeane Martins ainda morava em Manaus (AM) e havia se tornado mãe também.

“Vim embora para o Espírito Santo e, por ser professora e advogada e não ter recesso em maio, nunca mais passei com ela esse dia”, conta.

Se fossem tempos normais, ela não estaria com o coração tão apertado. Desta vez, Jeane planejava estar com dona Terezinha de Jesus no próximo domingo. A viagem foi cancelada. “Já estava tudo pronto pra isso. Completo 50 anos no dia 12 e havia me dado a visita de presente. A pandemia roubou meu presente de aniversário”, lamenta a advogada.

Aos 72 anos e com problemas no coração, dona Terezinha tem mesmo ficado em casa. Manaus é uma das capitais onde a pandemia mostrou sua face mais assustadora.

A milhares de quilômetros de distância da família toda, Jeane tenta controlar a aflição, principalmente em relação aos pais idosos. “Manaus está o caos. Fico enlouquecida de preocupação. Mamãe tem problemas de coração. Mas está sendo cuidada pelos meus irmãos e irmãs. Está em casa, confeccionando máscaras para ajudar as pessoas que precisam e não podem comprar”.

Dona Terezinha tenta acalmar a filha. “Ela fica preocupada. Mas estou bem. Tenho fé. Estou pedindo muito a Deus que nos livre desse vírus”, diz a mãe de Jeane e de outros oito filhos, que teve com seu Francisco David da Silva, hoje com 79 anos.

Mesmo assim, a advogada tem procurado conforto na voz da mãe todos os dias desde que essa história de coronavírus começou. “Tenho uma relação muito forte com ela. Nós nos falamos diariamente. Ela é inspiração de mãe, mulher, amiga. Uma mulher com fé inabalável e muito resiliente. Eu ligo e nos falamos por videochamada todas as tardes. Uma vez por semana, leio poesias pra ela e pro meu pai e rezamos o terço juntos. É uma forma de ver com meus próprios olhos que eles estão bem”, revela Jeane.

Ela topou na hora a ideia da carta para a mãezinha. “Ela me faz muita falta. É minha inspiração diária”. Na hora de escrever, quanta emoção! “Eu chorei muito antes, durante e depois”, confessa Jeane.

Dona Terezinha também não conteve as lágrimas com a surpresa feita pela filha. “Somos duas choronas! Quando eu li, fiquei muito feliz. Ganhei meu dia!”, comentou a idosa.

O Dia das Mães dela pode não ter a presença física de todos os filhos e filhas, netos e bisnetos. Mas eles estão dando um jeito de estar ali para homenageá-la nesta data. Amor não vai faltar.

Jeane Martins fez uma carta para a mãe dela para o Dia das Mães
Jeane Martins fez uma carta para a mãe dela para o Dia das Mães. (Arquivo pessoal)

Mãe,

Olha que ideia genial: falar com você por meio de uma cartinha, essa forma de comunicação que você usou tanto na sua juventude. Atualmente, as suas escritas são feitas em agenda, presente que você adora receber e que, imediatamente, transforma em diário, lugar povoado por nós, suas filhas, filhos, netas e netos. 

Nesse “livro da vida” você conta orgulhosa as nossas conquistas, pede que Nossa Senhora nos proteja e termina com agradecimentos. Ah, mãe, quanta saudade...  

Aqui estamos bem, vivendo um dia de cada vez, aproveitando esse momento de reclusão para entendermos o que, de fato, faz sentido. Estamos em pleno mês das mães e, inevitavelmente, me pego refletindo sobre a sua história de vida. Gerou seis filhas, dois filhos e abraçou com muito amor o nosso irmão primo. Isso mesmo: mãe de nove filhos. Como cabe em um coração tanto amor? Como consegue ser porto seguro e ter a palavra certa para cada um?  

  Lembrei aqui que o nosso último dia das mães juntas foi em 1994, exatamente o ano em que eu me tornava mãe do Tiago. No ano seguinte deixei você em Manaus e vim morar em Vitória, longe do seu abraço, do seu colo. Eu me alimentava (e me alimento) dos seus exemplos, da sua forma doce e forte de encarar as dificuldades do dia a dia, da sua alegria e do amor infinito que existe em você.  

Desejo um dia das mães cheio de muitas surpresas, presentes (você adora que eu sei), amor e muita união. E como diz Maria Gadu, “de todo amor que eu tenho, metade foi tu que me deu”. 

Amo você, minha mãezinha.

A carta

Jeane Martins

Dona Terezinha de Jesus, mãe da Jeane Martins
Dona Terezinha de Jesus, mãe da Jeane Martins. (Arquivo pessoal)

Saudades da comidinha da mãe

Quando pensa na mãe, a jurista e professora universitária Elda Bussinguer tem memórias com cheiro e sabores únicos. E sentimentos como carinho, gratidão…

Agora, essas lembranças estão mais vivas do que nunca. Como ela queria estar lá em Cachoeiro de Itapemirim. Não vai poder.

“Este ano, no Dia das Mães, não terei a alegria de comer a comidinha gostosa, carregada das memórias da infância, que só na casa das mães saboreamos”, escreve Elda. As palavras são para dona Seheila.

Quisera ela poder dizer pessoalmente… Principalmente num momento tão doloroso. Além de estar vivendo em plena pandemia, Elda está se recuperando de um câncer.

“Tive meu diagnóstico de câncer de mama em outubro. Operei em São Paulo, fiz minha quimioterapia em Vitória. Depois voltei para fazer a radioterapia lá, em março. Então, estou esse tempo todo sem ver meus pais, sem ver minha mãe”, relata a professora de 61 anos.

Aí veio o coronavírus, para prolongar a distância entre elas por mais um tempo. “Não parei de trabalhar nem um dia. Estava planejando visitar meus pais assim que terminasse esse tratamento. Mas com a pandemia, tivemos que ficar em isolamento. Eles lá e eu aqui”.

Dona Seheila Vilela Coelho Azevedo está lá na casinha dela com o marido. Outra filha que mora por perto ajuda a supervisionar os dois, faz as compras…

A aposentada se emocionou com a carta da filha. “Meus filhos são maravilhosos! Não mereço isso tudo!”, comenta ela, aos 86 anos, que garante que está se cuidando também. “A gente usa máscara, álcool em gel, tudo certinho…”.

Ela sabe que sua comidinha marcou a infância da família toda. E apesar de não estar mais tão presente na cozinha, ainda guarda das preferências de cada um dos filhos. “A Elda gosta muito de taioba. Os demais, gostam de carne, feijoada”, revela.

A professora Elda Bussinguer escreveu uma carta para a mãe no Dia das Mães
A professora Elda Bussinguer escreveu uma carta para a mãe no Dia das Mães. (Vitor Jubini)

Querida mamãe,

Este ano, no Dia das Mães, não terei a alegria de comer a comidinha gostosa, carregada das memórias da infância, que só na casa das mães saboreamos. Sempre repito, para todos, que na casa da minha mãe, não importa quem esteja cozinhando, a comida tem sempre o mesmo sabor que tinha quando nós éramos pequenos. Ela sabe fazer e sabe ensinar a fazer. Por isso a comida tem sempre o mesmo sabor de cuidado, esmero, aroma e memórias da casa em Mimoso do Sul, quando brincávamos livres no quintal e nas ruas, sem os medos que hoje nos atravessam.  

A pandemia mudou mesmo nossas vidas. Estamos todos confinados em casa sem poder nos ver e compartilhar as alegrias de termos uma família e uma mãe a quem abraçar. A senhora não é e não foi uma mãe qualquer. É isso que uma carta nos permite e que, às vezes, na presença não falamos. 

Não foi só uma mãe cuidadosa que nos educou para a convivência social de foram adequada e nos colocou para estudar como muitas mães fazem. Foi uma mãe para além disso. Uma mãe com quem aprendemos a cultivar o valor do conhecimento e da sabedoria como condições essenciais de existência. Uma mãe com quem aprendemos o valor da palavra dita e o peso daquilo com o que nos comprometemos. Uma mãe exigente do compromisso cristão que nos ensinou a amar a Deus e a entender a lógica de um cristianismo autêntico, ético, racional e ao mesmo tempo transcendental, tendo o outro como a imagem e semelhança do Divino.  

A senhora me foi dada por Deus sem que houvesse qualquer interferência de meu desejo nisso mas, se eu pudesse ter escolhido uma mãe elencaria essas mesmas qualidades que me levam a admirar a senhora: firmeza de caráter, amor cristão, amor pela educação, dedicação integral à família, compromisso ético e moral, responsabilidade com a educação dos filhos que, diga-se de passagem, permanece ainda hoje quando nos confronta em qualquer situação que possa perceber como não adequada.  

Feliz Dia da Mães. Felizes somos nós seus filhos, netos e bisnetos que tivemos a oportunidade de ter uma mãe como a senhora.

A carta

Elda Bussinguer

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Dona Seheila Coelho. (Arquivo pessoal)

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