Mãe de três adolescentes, Tatiani da Paixão Candotti costuma dirigir o próprio carro até o hotel onde trabalha na Praia do Canto. Nem sempre foi assim, ela lembra. Tati precisou trabalhar muito para alcançar a sua independência financeira e se tornar a chefe da casa. E ela faz parte das estatísticas, já que metade das famílias brasileiras já são chefiadas por mulheres.
Nos últimos oito anos, aumentou em mais de 11 milhões o número de domicílios conduzidos por mulheres no Brasil: no 3º trimestre de 2019 eram 34,4 milhões, contra 23 milhões no mesmo período de 2012, segundo levantamento da consultoria IDados. Muitas se viram obrigadas a assumir está responsabilidade após a separação. Outras sempre quiseram a independência e foram em busca dela.
E não é só o número total que está crescendo, mas a proporção em relação aos homens. Em 2012, 36,7% dos domicílios eram chefiados por mulheres. Em 2019, já são nada menos do que 47,5%, praticamente metade das casas. E se falarmos de mulheres negras esse número é ainda maior, 55,5% do total (em 2012, as pretas e pardas eram 51%). Em 2012, menos de um terço (31%) dessas mulheres que chefiavam domicílios moravam com cônjuge. Em 2019, o índice passou para quase a metade: 44%.
Tatiani conta com orgulho a sua história. Filha mais nova de um pai que trabalhava embarcado e uma mãe dona de casa, ela cresceu no bairro Jabour. Fiquei grávida pela primeira vez aos 16 anos e resolvi me casar. O relacionamento durou 8 anos, até que descobri uma traição. Saí de casa e decidi criar os meus filhos sozinha. Foi nesse momento que ela decidiu tomar as rédeas de sua vida. Recomecei a minha história do zero, porque sempre fui dependente financeiramente dele, lembra.
Começou trabalhando como auxiliar de cozinha e, depois, se tornou fiscal de caixa num supermercado. Voltou a estudar e terminou o ensino médio. Até que conseguiu o emprego numa companhia aérea, chegando a ocupar o cargo de gerente do aeroporto. Foi ali que me descobri como profissional, que me senti capaz. Além disso, era uma coisa bem fora da minha realidade. Hoje ela é recepcionista num hotel em Vitória.
A capixaba já conquistou a casa própria, o carro, além de manter todas as contas da casa em dia. O filho mais velho já frequenta as salas de aula da Ufes. Quando passei a ser chefe da casa e responsável pelo meus filhos, tive que adaptar a minha vida de acordo com o que eu ganhava. Mas desde então a vida melhorou. Ano passado ela ainda realizou mais um sonho. Consegui viajar sozinha, durante o meu aniversário, para Portugal. Foi a minha primeira viagem internacional, conta animada Tatiani.
Aos 44 anos, Silvana Araújo chegou lá. Lá, no caso, é ter se tornado uma empresária de sucesso, mulher bem resolvida e chefe da casa. A brasiliense começou a trabalhar aos 17 anos como estoquista numa loja de shopping e nunca mais parou. Fui caixa até descobrir meu talento nas vendas, onde atuei durante muitos anos. Trabalhei no varejo por muito tempo e tenho orgulho, porque eu não pulei nenhuma etapa, conta.
Ela sabe que ainda é uma exceção. Sempre busquei a independência financeira. Sou negra, de família pobre. Na visão do mercado eu não tinha perfil para ser uma vendedora de shopping, mas não desisti. Aprendi a me impor. Cheguei muito mais longe do que sonhava e fui contra as estatísticas. Fui fiel ao que eu queria e nunca fiquei acomodada, diz Silvana.
O trabalho durante todos esses anos, claro, lhe rendeu frutos. É ela que administra a casa, a viagens (que adora fazer) e a vida da filha de 14 anos. Além do negócio, um showroom na Praia da Costa, em Vila Velha, numa casa de 800 metros quadrados, onde nove marcas são vendidas com exclusividade para mais de 200 clientes em todo o Espírito Santo. Viajando aprendi a conhecer esse Estado, diz ela, que conversou com a reportagem, por telefone, do Caparaó. Entre os passeios marcantes está Paris, há cinco anos. Foi muito especial porque tem tudo a ver com a minha profissão. Mas também adoro Itaúnas. Sonho um dia poder viver na vila. É a minha cara.
Enquanto o descanso não chega, Silvana segue empreendendo. Diz que continua sendo vendedora e que, como representante, aprendeu a ser líder, a gerir pessoas e os negócios. Também aprendi a estar um grau acima, para ter a mesma tratativa que as minhas amigas brancas. Eu ainda saio na frente porque me imponho na maneira de chegar e de falar. Porque ainda hoje tem aquele que vai bater na porta da empresa e perguntar pela dona. A dona sou eu, diz com orgulho.
Valdete Cabral, 45 anos, vive trafegando pelas rodovias do nosso Estado. Motorista de ônibus, é ela quem chefia a casa, em Cariacica. Sempre quis ser independente. Nunca aceitei a obediência ao homem, diz firme.
A independência veio há 11 anos, quando a capixaba decidiu trabalhar com escolta armada. Viajava para vários lugares, como Recife, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, fazendo a segurança de um transporte com valores. Eu já gostava de caminhão, essa paixão aprendi com o meu pai.
Trabalhou como motorista de transporte de cargas até se tornar condutora de ônibus na Viação Águia Branca, fazendo principalmente viagens interestaduais. O precário da estrada ainda é o banheiro. Sempre que chego aos postos, o banheiro é sujo, além de precisar de alguém para vigiar a porta na hora do banho. Tem que gostar muito da profissão, confessa. Valdete se orgulha de conciliar a rotina pesada das estradas com a criação do filho de seis anos. Minha sorte é morar do lado da minha mãe. Ela me ajuda muito, explica.
A capixaba reconhece que o desafio é enorme, especialmente pelo fato de transportar pessoas, de ter que ser mais precisa e segura na direção. Mas garante: Mulher é mais cautelosa. É preciso amar muito a profissão, pois o dia a dia é desgastante, esclarece a motorista que fica, em média, oito horas na direção, cinco dias fora de casa, mas se sente recompensada. É a minha profissão e o que eu gosto de fazer.
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